Foi oportuna a entrevista concedida a este diário pelo ex-senador e hoje candidato a deputado federal pelo PTB, Demóstenes Torres. O foco da matéria se centrou na possibilidade da Celg, hoje Enel, voltar para as mãos do Estado. De antemão, vou logo dizendo: é pouco provável que o ex-senador venha a ser bem-sucedido na sua empreitada. As consequências dessa ação vão muito além do território goiano. A antiga Celg é hoje parte integrante de uma imensa estrutura globalizada que se expande pelo mundo afora, principalmente, nos países em desenvolvimento.
A volta dessa empresa para as mãos do Estado traria enormes turbulências no ambiente de negócios do país. Ademais, no mundo globalizado de hoje, a reestatização da empresa sinalizaria quebra das regras preestabelecidas, e isso afugenta investidores internacionais.
Veja-se o exemplo da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) na época do então governador Itamar Franco. Itamar resistiu à onda privatizante do governo Fernando Henrique Cardoso e essa resistência tumultuou o ambiente institucional ante a eminente fuga de capitais internacionais. Resultado: embora a empresa tenha conseguido se manter no controle acionário, o governo de Minas Gerais viu-se obrigado, pelas circunstâncias, a aumentar a participação de novos sócios privados.
Feitas essas considerações, vejo coerência na defesa da causa de Demóstenes, principalmente quando ele aponta para a qualidade da energia fornecida pela Enel. Nesse sentido, os indicadores que mensuram a frequência (FEC) e a duração do desligamento (FEC) comprovam a veracidade de que nos fala Demóstenes Torres.
Cabe aqui um pouco de história. O intenso uso político da Celg de 1980 a 2016 influenciou diretamente para que a então maior estatal goiana perdesse, ao longo do tempo, a capacidade de gerar recursos para sua expansão. Este fato é a causa; a perda da qualidade de energia, a consequência.
Reside aí a culpa dos governos de 1980 a 2016. O fato é que a maioria deles fez da empresa uma espécie de casa da mãe Joana onde tudo era permitido, inclusive, desrespeitar os acionistas em prol de privilegiar a principal fonte de financiamento do caixa dois das campanhas políticas: os empreiteiros.
Sem condições de manter a empresa estatal, o atual governo, enfim, jogou a toalha e privatizou sua galinha de ovos de ouro. A globalização pune a incompetência. Aos compradores entrega-se a parte sadia da empresa; aos vendedores, os esqueletos das dívidas. Coisa típica do capitalismo sem risco.
Posto isso, volto agora à entrevista do candidato a deputado federal, Demóstenes Torres. Especificamente ao ponto em que ele critica a falta de investimentos da Enel o sistema elétrico. A rápida mudança de cultura implantada pela empresa elevará os ganhos de gestão da empresa.
Demóstenes Torres acerta ao colocar o dedo na ferida da falta de investimentos que se torna visível ante a discutível qualidade de energia da Enel. A passos acelerados, a nova dona da antiga Celg mudou acertadamente sua estrutura tão necessária para o avanço tecnológico que se materializa em lucros.
A meu juízo, penso que proceda o discurso de ex-senador no momento em que ele cobra o que foi previamente estabelecido no contrato: que a Enel invista os três bilhões de reais na melhora do sistema. Só assim melhorar-se-á a qualidade da energia fornecida pela empresa. O descompasso entre o aumento da lucratividade e o que efetivamente se investe no sistema elétrico tem de ser atenuado.
(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de A Energia na Região do Agronegócio. E-mail: salatielcorreia1@hotmail.com)