Descreveu-se em artigos anteriores sobre a evolução histórica das prisões, bem como sobre a evolução da legislação penal e os métodos coercitivos e punitivos aplicados na repressão da delinquência. Neste artigo fala-se brevemente sobre a evolução das penas ressaltando a passagem da vingança para a justiça.
Período de vingança – Pode ser dividido em três fases: a) privada: Hamurabi, rei da Babi-lônia (séc. XVIII a.C.) já estabelecia em seu código a expressão “olho por olho, dente por den-te”, ou seja, que o castigo devia ser dado na mesma proporção do dano causado; b) divina: por muito tempo, vigorou a crença popular em uma justiça delegada pela vontade dos deuses; As religiões proféticas - judaísmo, cristianismo e islamismo - creem num único Deus (Javé, Deus ou Alá), e na salvação eterna para aqueles que vivem a sua vida terrena com retidão e condenação para aqueles que transgridem as leis divinas. No espiritismo e outras religiões que admitem a reencarnação, os males que se praticam neste mundo deverão ser quitados através de reencarnações sucessivas, em outros humanos e, segundo os hinduístas, até em animais (Lei do Carma); c) pública: com o advento de uma sociedade mais organizadas, a pena perde o seu caráter sacral e passa a ser uma sanção facultada a partir da vontade de alguma autoridade pública como síntese da vontade geral da comunidade. Já não é mais o ofendido, nem os sacerdotes que aplicam o castigo, mas o soberano, representante do(s) ser(es) superior(es) que, com sua autoridade, determina as penas a serem aplicadas aos transgressores. A aplicação das penas evoluíra de tal modo que os suplícios, de cunho vil e cruel, transformaram-se em espetáculos punitivos, em praça pública, aclamados pelo povo. Na Idade Média, o Direito Canônico possuía cada vez mais poder e suas decisões eram executadas em tribunais civis, influindo na legislação penal e introduzindo no mundo as primeiras noções de privação de liberdade: o pecador era colocado em silêncio e reclusão para meditar sobre a falta cometida e se arrepender de seus pecados. Aos poucos, a privação de liberdade passou a ser aplicada aos pecadores em geral. Daí originou-se a palavra penitenciária ou o cárcere como penitência e meditação.
Período de justiça - na Idade Moderna e Contemporânea, que começou no século XIX, fala-se da fase da humanização da pena. É o período da substituição das penas de castigo corporal por sansões penais mais suaves. A humanidade reconhece, através do direito penal, a falência da pena de morte como normativa estatal. Defende-se que a prisão deve ser tam-bém humanitária, como instrumento de ressocialização do criminoso: a aplicação da pena passa a ser um procedimento da justiça que visa corrigir e reeducar o criminoso (ANDRÉ, 2018).
Penas mais severas, que se assemelham à vingança, não vão acabar com a criminalidade, pois visam a destruição do cidadão: oprimem os detentos tornando-os ainda mais discrimina-dos e marginalizados, vistos como o lixo, a escória da sociedade. O que existe na sociedade é a violência silenciosa contra os pobres negando-lhes educação, saúde, trabalho e segurança. Dessa forma “o crime não compensa” somente para os pobres. Justiça não se obtém com força coercitiva, mas, do ponto de vista popular, vingança e justiça se confundem, ou seja, o mal que se faz deve ser pago nesta vida pelo sofrimento ou pela perda da própria vida. Já se verificou também que pena de morte e prisão perpétua não resolvem o problema dos encarcerados e da criminalidade. Por isso a justiça deveria ter uma visão libertadora dos indivíduos, buscando a sua educação e ressocialização (EZEOKEKE, 2012). Veja-se a grande quantidade de filmes em que a pessoa ultrajada, o mocinho, o policial, o detetive, o justiceiro vai em busca do malfeitor para vingar-se e, não poucas vezes, tirar-lhe a vida. Vingança é a punição com as próprias mãos, enquanto que justiça é a punição executada por intermédio de uma instituição responsável: o Tribunal de Justiça. Na vingança, independente dos princípios éticos, é o ofendido que deve decidir o que é justo e injusto. Cria-se assim a cultura da violência, considerando a vingança como ato legítimo. Justifica-se a ideia de que a supressão da liberdade deve ser acompanhada de maus tratos, pois bandidos merecem ser castigados cruelmente. Consequentemente, aceitam-se a superlotação das prisões, a falta de cuidados com a saúde e a má alimentação dos prisioneiros porque, afinal de contas, eles têm de pagar pelo mal que fizeram, ou seja, a lei do Talião continua em vigor.
Modernamente tem havido propostas, movimentos e experiências, em diversos países, tentando melhorar as condições nas prisões, como: a) recolhimento celular - buscando-se a reforma do indivíduo através da religião, trabalho e melhores condições higiênicas e alimentares (Sistema John Howard); b) preocupação arquitetônica das prisões - descrito por Foucault, onde o prisioneiro, sem perceber, é continuamente vigiado (Sistema Panóptico de Bentham); c) isolamento do condenado - sem qualquer trabalho ou visita, podendo somente ler a bíblia (Sistema da Filadélfia), muito criticado porque impossibilitava a ressocialização; d) reeducação do indivíduo - como se fosse uma máquina: isolamento e silêncio durante a noite e trabalho durante o dia; impedia o lazer e exercícios físicos (Sistema Auburn); e) regeneração do infrator - com trabalho remunerado e sem castigos corporais (Sistema Montesinos); f) progressão da duração da pena - de acordo com a sentença e comportamento passando pelos período de prova, isolamento e livramento condicional (Sistema Progressivo Inglês); g) o mesmo Sistema Progressivo Inglês, acrescentando-se mais um período de preparação para a vida em liberdade tendo em vista a adaptação do condenado para o retorno à vida em sociedade, aplicado na Irlanda; h) prisão semi-aberta - uma espécie de fazenda, localizada na zona rural, em que os prisioneiros moram numa grande casa como colonos, com trabalho remunerado e vigilância (Suíça); no Brasil existem alguns estabelecimentos prisionais semi-abertos, como, em Curitibanos (PR), Chapecó e Florianópolis (SC); i) prisões abertas – permite-se ao condenado trabalhar e estudar durante o dia, fora da prisão, para somente dormir em um estabelecimento próprio, chamado albergue; j) penas alternativas - com o desgaste das penas privativas de liberdade, a sugestão doutrinária corrente é de que esta seja reservada somente para os casos de ilícitos graves; para os demais casos, devem-se aplicar restrições de frequentar determinados lugares, restrição de finais de semana, albergues, penas pecuniárias etc; k) APACs – Associação de Proteção e Assistência a Condenados, no Brasil - aplicado em algumas pequenas prisões, tem por objetivo a ressocialização do detento que assume responsabilidades; através da auto-realização, solidariedade e capacitação num ambiente prisional humanizado com participação de voluntários da comunidade (KAWAGUTI, 2014; CRUZ; VELOSO, 2017).
Concluindo: o sistema progressivo com liberdade condicional foi aprovado, enquanto que a prisão fechada e a de máxima segurança, tem resultado na reincidência, comprovando a ineficiência das prisões, nesse regime. As pessoas presas perdem não apenas o direito à liberdade, mas também o direito a sua dignidade. Isto acaba revelando um verdadeiro “siste-ma de vingança”. A prática da tortura e do castigo leva os presos a se revoltarem contra os tratamentos indignos que recebem. É importante lembrar que o transgressor é antes de tudo um ser humano cujos direitos devem ser preservados. O cenário de rebeliões, fugas e o crescente aumento da criminalidade e da violência entre os presos são, em parte, resultado da situação degradante em que se encontra o Sistema Penitenciário Brasileiro, que viola os direitos fundamentais da pessoa humana. O Sistema Carcerário é um órgão punitivo, tendo em vista que a maior punição para qualquer ser humano numa sociedade livre é justamente a privação de sua liberdade. O estado deve fornecer aparatos para que essas pessoas não voltem a cometer crimes e saiam da prisão sendo respeitadas pelos demais cidadãos (VASCONCELOS; QUEIROZ; CALIXTO, 2018). As prisões atuais ainda não aboliram o castigo. Não há como prevenir os efeitos da privação do sol, de ar, de espaço, de luz no corpo humano, bem como o confinamento entre quatro paredes, em condições sanitárias sub-humanas e todo tipo de humilhação que a instituição imprime no corpo do condenado. Hulsman afirma que a privação de liberdade é um mal social que despersonaliza e dessocializa os homens, não os faz progredir no conhecimento deles mesmos, nem os torna melhores (OLIVEIRA FILHO, 2018).
Referências:
ANDRÉ, Fernanda Paim Socas. História das penas e das prisões. JusBrasil. 2018. Acesso em 20 jun. 2018.
CRUZ, Claudioniro Ferreira da; VELOSO, Cynara Silde Mesquita. O método APAC como alternativa na execução penal. Rio Grande: Âmbito Jurídico. 2018. Acesso em 25 jun. 2018.
EZEOKEKE, Cornelius Okwudili. Penas mais rígidas: justiça ou vingança? 3. ed. Fortaleza: Pre-mius, 2012.
KAWAGUTI, Luís. Prisões-modelo apontam soluções para a crise carcerária no Brasil: unida-des pequenas e seleção de presos são fatores comuns a prisões que estão dando certo. BBC Brasil em São Paulo. 2014. Acesso em 25 maio 2018.
OLIVEIRA FILHO, Gabriel Barbosa Gomes de. O surgimento da pena privativa de liberdade. Âmbito Jurídico. 2018. . Acesso em 20 ago. 2018.
VASCONCELOS, Emerson Diego Santos de; QUEIROZ, Ruth Fabrícia de Figueiroa; CALIXTO, Gerlania Araujo de Medeiros. A precariedade no sistema penitenciário brasileiro: violação dos direitos humanos. Rio Grande: Âmbito Jurídico. Ago. 2018. . Acesso em 22 ago. 2018.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)