Há várias maneiras de se estudar o ser humano e o seu cérebro. Uma das mais interessantes é a abordagem antropológica que a seguir procura-se sintetizar.
Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico, na sua “Origem das Espécies”, propôs a teoria da evolução, consequência da “luta pela sobrevivência” que se renova a cada instante, no interior de cada ser, e que determina a seleção e conservação das espécies. Ora, a teoria da evolução teve adversários ferrenhos, principalmente na linha de cristãos fundamentalistas que seguem a Bíblia ao pé da letra, ou seja, a crença de que Deus criou o mundo e, com suas mãos, o homem e a mulher (Gênesis, 1, 27 e 2, 18, 21-23). Para melhor entender esta linha de interpretação, sugere-se assistir o filme “O Vento será tua Herança” (O VENTO, 1960). As observações da natureza levaram Darwin ao estudo da diversificação das espécies e, em 1838, ao desenvolvimento da teoria da Seleção Natural. Em seu livro de 1859, “A Origem das Espécies”, introduziu a ideia de evolução a partir de um ancestral comum, por meio de seleção natural. Esta se tornou a explicação científica dominante para a diversidade de espécies na natureza (DARWIN, 1979).
Outra abordagem interessante da natureza humana é a visão política de Thomas Hobbes (1588-1679), matemático, teórico político e filósofo inglês, autor da obra “Leviatã” em que explana seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de um governo e de uma sociedade fortes. No estado natural, embora alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais de forma a estar isento do medo de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo e, uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos. As pessoas buscam a satisfação de seus apetites sem regras que as regulamentem. No entanto, os homens têm um desejo, um interesse próprio, de acabar com os conflitos e, por isso, formam sociedades através de um contrato social. De acordo com Hobbes, nessa sociedade as pessoas abrem mão de suas prerrogativas – fruto da satisfação dos seus apetites – e submetem-se a uma autoridade à qual todos os membros devem render o suficiente da sua liberdade natural, de forma que a autoridade possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Esse soberano, seja um monarca ou uma assembleia democrática, deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável, segundo a Bíblia, um monstro marinho do caos primitivo. Thomas Hobbes defendeu a ideia segundo a qual os homens, no seu estado natural são homo homini lúpus ou “os homens são lobos uns para os outros” e só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. O ser humano não nasce livre, e somente pode considerar-se realmente livre quando for capaz de avaliar as consequências de suas boas ou más ações. Por “medo da violência” ou da “morte violenta” ou por temor de serem vítimas de injustiça, ou talvez pela incerteza da impunidade, os indivíduos se submetem a um juízo externo, uma prescrição soberana que vem do Estado, o monstro Leviatã (HOBBES, 1979).
Do ponto de vista antropológico, na mesma linha evolucionista, encontram-se três cientistas norteamericanos, Paul MacLean, Roger Sperry e Carl Sagan.
Paul Maclean (1913-2007), neurologista, divide o cérebro humano em três camadas: reptiliana, límbica e racional. Roger Sperry (1913-1994), neurobiologista e fisiologista, prêmio nobel de Fisiologia, em 1981, identificou as funções dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro humano, conforme o quadro:
Finalmente, Carl Sagan (1934-1996), astrônomo, astrofísico, cosmólogo, escritor e divul-gador científico, sintetizou a teoria antropológica do cérebro triádico ou trino de MacLean e Roger Sperry. Segundo esses estudiosos, se entendermos como funciona o cérebro, entenderemos como funciona o comportamento humano e, consequentemente, também o cérebro do criminoso. A mente humana foi formada, evolutivamente, durante milhões de anos, por três camadas sobrepostas:
4 reptiliana: localizada pela medula espinhal, na parte posterior do cérebro, é a camada mais antiga, proveniente dos répteis – formada há aproximadamente 500 milhões de anos – responsável por nossas funções sensório-motoras, pelas ações de reprodução, de ataque e defesa, em síntese, do nosso instinto de sobrevivência.
4 límbica: comum aos mamíferos (de pequeno e grande porte) – formada há mais ou menos 150 milhões de anos – responsável pela nossa dimensão emocional, pois muitas de nossas decisões são tomadas a partir de emoções. Mas não só, essa camada cerebral é responsável também pelas habilidades de aprendizagem e memória. Um animal, se matar e comer um humano, por exemplo, não pode ser condenado e preso, porque ele age apenas por instinto, para se defender ou para se alimentar, enfim, é uma necessidade de sobrevivência, sem responsabilidade.
4 racional: camada comum dos humanos (e também dos golfinhos e baleias), provavel-mente surgiu há várias dezenas e milhões de anos, mas seu desenvolvimento foi acelerado com o aparecimento dos seres humanos. Está localizada no lobo frontal do cérebro, o neocórtex e é responsável pelas ações conscientes, pela fala e raciocínio. Esta dimensão da mente, é a camada que caracteriza o ser humano, a ponto de Aristóteles afirmar que o “homem é um ser racional”. Em parte, ele estava certo (SAGAN, 1985; DE GREGORI, 1988).
Além de Carl Sagan, essa teoria é desenvolvida pelos brasileiros Waldemar de Gregori (GREGORI, 1988) e pelo médico cirurgião Wilson Luiz Sanvito (SANVITO, 1987).
Os seres humanos, por serem também racionais, além de educar os membros da própria espécie, podem domesticar os seres das outras espécies como répteis, mamíferos e aves, porque agem, ou deveriam agir, prioritariamente pela dimensão racional do cérebro. Mas acontece que os humanos, ao mesmo tempo racionais, emocionais e operacionais, podem caminhar tanto pelos caminhos do bem e da construção de pessoas melhores como podem contribuir para a desarmonia entre os humanos, para o sacrifício das demais espécies e até para a destruição do planeta em que vivem. A diferença entre os humanos e os demais seres vivos é que os humanos escolhem seus caminhos racionalmente, conscientemente e, por isso, seus atos levam a chancela do bem ou do mal; por serem também racionais, podem ser mais sofisticados e dissimulados até no mal que praticam.
A partir dessa síntese sobre a Teoria do Cérebro Triádico pode-se inferir algumas reflexões para o tema da criminalidade. Os humanos carregam no seu cérebro a herança dos répteis e dos mamíferos, mas como são também racionais, podem usar das tendência reptílicas e animalescas para praticar um mal mais sofisticado, porque iluminados pelo raciocínio, quer dizer que esse mal praticado pelo ser humano pode ser pior do que o mal praticado por qualquer outro réptil ou mamífero. Criminoso é o ser humano que age como um réptil ou como um mamífero, mas de maneira diferenciada, porque consciente do mal que pratica.
Referências:
DARWIN, Charles. A origem das espécies. Tradução: Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1979. Título original: On the origin of species.
GREGORI, Waldemar de. Cibernética social II: metodologia, criatividade, planejamento. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. Título original: Leviathan or the matter, form and power of a commonwealth ecclesiastical and civil.
O VENTO será tua herança. Direção de Stanley Krammer. EUA, 1960. Disponível em: Erro! A referência de hiperlink não é válida.. Acesso em 20 abr. 2018.
SAGAN, Carl. Os dragões do Éden. Tradução de Sérgio Augusto Teixeira e Maria Goretti Dantas de Oliveira. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. Título original: dragons of Eden.
SANVITO, Wilson Luiz. O cérebro e suas vertentes. São Paulo: Panamed, 1987.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)