E, imediatamente, enquanto Jesus ainda falava, eis que chegou uma grande multidão. À frente estava Judas, um dos Doze, que o entregaria, pois também conhecia o lugar, porque muitas vezes ali Jesus se reunira com seus discípulos. Veio com ele uma grande multidão, a escolta e guardas, com lanternas, archotes, espadas, paus e armas, da parte dos principais sacerdotes, dos escribas, dos fariseus e dos anciãos do povo.
Ora, o que o entregaria, tinha-lhes dado um sinal, uma senha, dizendo: “Aquele a quem eu beijar, esse, prendei-o e levai-o, com cuidado”.
E logo chegando, aproximou-se de Jesus para beijá-lo, e disse: “Salve, Rabi!”
E o beijou. Então Jesus lhe disse: “Judas, com um beijo entregas o Filho do Homem? Amigo, vieste para isso!”
Sabendo Jesus tudo o que lhe havia de acontecer, adiantou-se e lhes disse: “A quem procurais?”
Responderam-lhe: “A Jesus, o Nazareu”.
Disse-lhes Jesus: “Sou eu”.
Também estava com eles Judas, que o entregava. Quando, pois, Jesus lhes disse “Sou eu”, recuaram e caíram por terra.
De novo, então, Jesus perguntou-lhes: “A quem procurais?”
Eles disseram: “A Jesus, o Nazareu”.
Jesus respondeu: “Já vos disse que sou eu. Mas se é a mim que procurais, deixai então estes irem”.
Para que se cumprisse a palavra que dissera: “Não perdi nenhum dos que me deste”.
Então, aproximando-se eles, lançaram a mão sobre Jesus e o prenderam.
Os que estavam ao redor dele, vendo o que ia acontecer, disseram-lhe: “Senhor, feriremos com facão?”
Então Simão Pedro, que trazia um facão, estendeu a mão, tirou-a da bainha, e feriu o servo do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. Mas Jesus disse a Pedro:
“Deixai! Basta! Põe o teu facão no seu lugar, embainha o teu facão, pois todos os que lançarem mão do facão morrerão pelo facão. Ou pensas que não posso rogar a meu Pai e ele me enviaria e colocaria à minha disposição, neste momento, mais de doze legiões de anjos? Não beberei o cálice que o Pai me deu? Como, pois, se cumprirão as Escrituras, segundo as quais assim deve acontecer?”
E tocando a orelha do servo, o curou.
Depois Jesus disse àqueles que vieram de encontro a ele, aos principais sacerdotes, aos oficiais do Templo e aos anciãos: “Viestes como a um ladrão, com espadas e paus, para prender-me? Cada dia, estando convosco, eu me sentava no Templo ensinando, e não me prendestes. Mas esta é a vossa hora e o poder das Trevas para que se cumpram as Escrituras dos profetas”.
Então a escolta, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam a Jesus e o maniataram.
E todos os discípulos, deixando-o, fugiram. Certo jovem o seguia, envolvido apenas num lençol sobre o corpo nu. E lançaram-lhe a mão. Ele, porém, deixando o lençol, fugiu nu. (Evangelhos de: Mateus, cap. 26, vv. 47 a 56 – Marcos, cap. 14, vv. 43 a 52 – Lucas, cap. 22, vv. 47 a 53 – João, cap. 18, vv. 2 a 12. )
No momento de sua prisão, Jesus revelou a existência de uma lei de ação e reação no mundo moral, o qual é regido por princípios de uma Justiça Suprema e Infalível. Ao recomendar a Pedro que guardasse a sua espada ou facão porque “todos que os que lançaram mão da espada (facão) morrerão pela espada (facão)”, o divino Mestre revelou categoricamente a existência de uma lei de Justiça de notável precisão.
A prisão de Jesus ocorreu, aproximadamente vinte e três horas, depois da última ceia e da oração no Jardim de Getsêmani. Na manhã do dia seguinte, sexta-feira, Jesus seria crucificado.
A prisão de Jesus ocorreu com os seguintes acontecimentos:
- Judas, que conhecia o lugar onde Jesus se encontrava, porque tinha o hábito de orar no horto do Getsêmani, conduz um grupo de guardas do Templo para prendê-lo.
- Conforme havia combinado com os guardas, Judas saúda o Mestre e com um beijo o indica para ser preso.
- Jesus responde à saudação de Judas, demonstrando que sabia a respeito de sua intenção, mas o conforta ao dizer: “Amigo, vieste para isso!”. Ao ouvir estas palavras, Judas deve ter interpretado, de forma equivocada, que o seu plano de revelar o Messias às autoridades imperiais romanas, objetivando o poder religioso, estava de acordo com a vontade de seu Mestre. No entanto, Jesus se referia ao fato de Judas ser instrumento das profecias para que ele pudesse beber o cálice da iniquidades humanas; instrumento escolhido devido à fraqueza moral que o distanciava dos demais discípulos. Imperfeição moral nutrida pela ambição ao poder do mundo terreno, que cobra muito caro àqueles que caem em suas armadilhas.
- Depois da saudação de Judas, ao saber da gravidade do momento, Jesus indaga aos guardas do templo a respeito de quem eles procuravam. Ao se apresentar ao grupo, todos ficaram perplexos. Pela segunda vez, o Mestre repetiu a indagação e, ao ser mais uma vez identificado, solicitou que poupassem os seus discípulos da prisão. Desse modo, Jesus cumpriu a sua palavra de proteger a todos: “Enquanto eu estava com eles, protegi-os e os defendi em teu Nome. E nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura”. (João 17:12).
- Ao verem o Mestre sendo preso, os discípulos o indagaram se deveriam reagir com facão. Isso, por não compreenderem que Jesus havia falado, de forma figurativa, a respeito da necessidade de portarem o referido utensílio costumeiramente usado pelos pescadores.
- Pedro, de forma intempestiva, feriu a orelha direita de Malco (nome que significa Rei) que era servo do Sumo Sacerdote Caifás. Jesus repreendeu Pedro, ordenando-lhe que embainhasse o facão porque quem usa “mão do facão morrerá pelo facão”. Numa tradução generalizada, a qual não condiz com o original porque os pescadores não usavam espadas e sim facões: “Pedro embainha a tua espada, pois quem lança mão da espada morrerá pela espada”, ou ainda: “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Ensinamento que explica a ação da Justiça Divina diante da violência.
Jesus completa o seu ensinamento ao revelar a Pedro que poderia solicitar ao Pai e teria à sua disposição doze legiões de anjos, ou seja, 72.000 anjos. O que seria desnecessário porquanto somente os poderes de Jesus seriam suficientes para livrá-lo do processo martirológico devido a sua condição de Rei Espiritual. Desse modo, Jesus mais uma vez deu provas de que veio para cumprir a vontade de Deus: “Não beberei o cálice que o Pai me deu?”, reafirmando suas palavras: “Pois eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (João, 6:38).
- Em seguida, o Mestre curou a orelha de Malco, servo do Sumo Sacerdote Caifás. Não se sabe se Pedro cortou completamente a orelha direita de Malco, mas ação de Jesus em curar o homem evitou conflito. Essa foi a última cura de Jesus antes de sua crucificação, o que deve ter impressionado sobremaneira os presentes.
- Depois da cura de Malco, Jesus se dirigiu à comitiva do templo e censurou a forma como se apresentaram para prendê-lo, demonstrando a disposição para violência caso houvesse oposição. O Mestre afirmou que ele não era ladrão e sim alguém que ensinava no templo e por isso não justificava a ostentação com espadas e paus, com o propósito de ameaçar e de amedrontar. No entanto, o Rabi ainda elucidou que tudo isso ocorria porque havia chegado a hora de seus perseguidores para o cumprimento das Escrituras dos profetas.
- Jesus foi conduzido preso com as mãos amarradas e seus discípulos fugiram, sob a sua proteção. Alguns estudiosos acreditam que o jovem que seguia Jesus e que fugiu despido porque estava envolvido num lençol e se libertou quando queriam prendê-lo parece ser o evangelista Marcos porque seja o único a narrar esse episódio (Marcos, 14:52).
- A prisão de Jesus foi marcada pelo contraste entre a sua serena coragem e o assombro da comitiva que o buscara, além do medo de seus discípulos. Naquele momento, Jesus não afastara de si o cálice destinado a redenção do mundo moral terreno.
Para Jesus, o momento da sudorese de sangue havia passado. Ele abraçara o seu martírio com a maior compaixão que a Humanidade tem notícia.
No momento de sua prisão, o divino Messias nos ensinou o sentido da verdadeira liberdade. Temporariamente degredado sobre o orbe terrestre, convivendo numa sociedade primitiva de valores morais, o jovem de Nazaré que surpreendeu os doutores do Templo de Jerusalém, agora os surpreenderia muito mais. Os detratores e algozes advindos do mesmo templo que um dia sorriu ao filho prodígio de Maria de Nazaré, agora o temiam e desesperadamente queriam aniquilá-lo da memória de seus compatriotas.
Ao sacrificar Jesus, a Humanidade terrena se prendeu ao ciclo expiatório de lamentáveis padecimentos. Peçamos a Deus que nos envolva em Seu incomensurável Amor e saiamos de nossas prisões morais, rompendo os grilhões que há muito nos envolve em redemoinhos de reiterados erros do pretérito. De joelhos, assim como agiu o apóstolo Paulo a caminho de Damasco, façamos a mesma súplica ao Mestre de Sabedoria: “Senhor, que queres que eu faça?” (Atos, 9:6). Ele nos responderá.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro é educador, escritor e jurista. É autor da obra “A Outra Face do Sexo”, pela AB Editora. É membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia de Letras de Goiânia e da Academia Aparecidense de Letras)