O título epigrafado, autoria do cordelista Paulo Nunes Batista, residente em Anápolis, Goiás, foi escrito em 30 de setembro de 1986, na cidade citada, quando lançávamos Racismo à Brasileira, ora reimpresso em 4ª edição pela Editora Anita Garibaldi, de São Paulo. Assim como outros agradáveis versos do admirável Paulo, estes que o provável leitor vai ler, são uma das mais apreciadas relíquias que guardo no meu esconderijo intelectual da Biblioteca com mais de seis mil volumes, só recentemente com livros catalogados e classificados por assunto. Notem que são 32 anos guardando com o maior zelo os aprazíveis versos da rica Literatura de Cordel de Paulo Nunes Batista, injustamente esquecido no mais pujante município do interior de Goiás, antiga Vila de Santana das Antas, às margens de Ribeirão antônimo, onde tudo o que já se fez e escreveu sobre ele ainda é pouco.
Num telefonema com o notável ensaísta e poeta, Gilberto Mendonça Teles, acorreu-me o quanto Paulo Nunes vem sendo olvidado em seu vibrante talento, merecendo infindas homenagens, justificando as mais justas reverências no sua labuta artística, avizinhando-se de cem anos. Segundo Dicionário do Escritor Goiano, do inesquecível José Mendonça Teles, nasceu em João Pessoa – PB, no dia 2 de agosto de 1924. Filho do poeta popular e folclorista Francisco das Chagas Batista e Hugolina Nunes Batista. Está em Goiás desde 1947, onde nunca deixou de ser poeta, repentista, trovador, cronista, contista, jornalista, condições raras que o levaram ao disputado sodalício da Academia Goiana de Letras. Na AGL, não tenho dúvidas, é o mais humilde entre os confrades.
Agradeço ao professor Gilberto pela motivação. Peço desculpas ao PNB, pela demora na divulgação dos seus comoventes versos, cujo conteúdo e forma engrandecem a Literatura de Cordel, patrimônio cultural imaterial do Brasil desde setembro deste 2018. Enriquecem, sobretudo, o livro noticiado, um dos que mais me causou alegria entre os que escrevi. De todo modo, transcrevo ipsis literis ditos versos, para que os leitores do DM possam degustá-los:
EM RACISMO À BRASILEIRA
Martiniano José da Silva
Empunha a bandeia
da Luta – com força e fé –
contra o Preconceito vil,
provando que no Brasil
o Racismo está de pé...
Livro sério, de denúncia,
de protesto e de combate,
mostra as “Raízes Históricas”
desse mal que fundo late
lá nas origens da raça:
o autor mete a mão na massa
e acha da corrente o engate...
O Negro é discriminado
no soçaite, no serviço
e até nas Forças Armadas
e na Igreja se faz isso...
Anjo Negro? Que utopia!
E ao se falar de Magia –
negra é nome de feitiço...
Como um povo tão mestiço
como o nosso – e sofredor –
pode alimentar, ainda,
o preconceito de cor?!...
da resposta solto o míssil
que nada tem de difícil:
é pura falta de AMOR!...
“Negro não tem mais senhor!”
Se (en)canta no carnaval...
Mas... cadê negro almirante,
Brigadeiro e general?
Cadê negro presidente?
É racismo, minha gente!
É racismo nacional!...
Para o ianque de olho azul
o mestiço é “cacaracha”
Quer dizer – barata... Aqui,
o “de sangue nobre” acha
Que negro tem de ficar
“onde é seu lugar”...
Senão, “entra na borracha”...
Mas, negro foi Cruz e Souza,
Nosso Maior Simbolista!
Negro, Solano Trindade,
Bom poeta, comunista...
Henrique e Marcílio Dias –
Negros – cuja valentia
encheu dos brancos a vista!...
Patrocínio, o jornalista
André Rebouças, Luiz
Gama – foram Grandes Negros
que engrandeceram o País!
Que – com sua Inteligência -
se opuseram à Prepotência
para o Brasil ser feliz!...
Negro não é só Pelé...
Samba, congada, macumba,
capoeira, candomblé...
Negro é o Grito, que retumba –
e balança Deus no Ares –
do Quilombo dos Palmares,
com Zumbi e Ganga Zumba!...
Lima Barreto, mulato,
Machado de Assis, também,
são glórias de nossas Letras
entre “o melhor” que elas têm...
Dando-lhes oportunidade,
O Negro, na Sociedade
não fica atrás de ninguém!...
Enquanto nossa terra
faltar terra, escola e pão
para o povo – o nosso Negro
vai continuar no chão...
Cativo... discriminado,
oprimido, favelado,
sob os pés de algum Patrão...
Obrigado por seu livro,
Meu grande Martiniano
da Bahia, dando frutos
no fértil solo goiano...
Levo o abraço cor’delista
do Paulo Nunes Batista,
de Goiás... Paraibano...
(Anápolis, 30/09/86)
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, AGI, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)