Manhã de março ensolarada, pele queimada de sol pelas férias de três meses no Maranhão. Saem de mãos dadas com tia Teca, do lado direito ele e do esquerdo o irmão. São apenas dois quarteirões, atravessam a rua de terra vermelha duas vezes. Um mexendo com o outro e não tem jeito, acerta um torrão no irmão e leva outro bem no meio do peito. Riem que só.
Depois do almoço, ainda em março, com as chuvas acabando e a enxurrada advinda da chuva de São José, papai dá carona de carro. Eles descem do Fusca verde 68, ou do TL 74 (alguns anos depois) e por querer o primeiro espera o outro e dá um pisão na poça d’água que espirra até no limpíssimo terno do pai. O irmão responde rapelando a mesma poça, criando uma onda de esguincho longa e molhada. Caem na gargalhada.
Lá pelo meio de maio, quando as flores arrebentam de beleza os ipês do caminho e do pátio, eles vêm chutando lata. Trocando passes por debaixo das pernas da tia Teca. Aí um deles vê uma latona enorme e se desvencilha das mãos atentas da tia. O outro dá um giro de corpo e sai também em desabalada carreira para meter a bicuda na lata indefesa. E pá! Uma travada na coitada cheia de lama que borra as meias e os calções de ambos. E eles não conseguem parar de rir.
Agora maiores, vão sozinhos à pé. Carregam a lancheira com o pão com presunto e queijo, a garrafinha com suco de laranja espremida com carinho pela mãe, que tudo prepara, antes de sair para trabalhar. Ela passa de carro com o pai e dá tchau para ambos e eles retribuem com assovios estridentes. Mas na esquina do colégio Rui Brasil dois outros meninos estão chegando também para escola. Não resistem e arrancam um tufo de mamona e dão uma estilingada neles. Mal sabem que eles estão chupando mexerica levam de volta um monte de mexerica podre na cara. Além de suados, entram na sala com aquele risinho torto na boca.
Começam a fazer natação bem cedo, antes de ir para aula. Não tomam banho depois, pois consideram que estando nadados estão banhados. Em junho, quase nas férias de meio de ano chegando, eles tem que levar a toalha dentro do carro para irem enxugando os cabelos e os pés. Se trocam lá dentro mesmo. Mas uma sunga molhada nas costas do outro é praxe, ou toalha molhada, que arde mais. Diversão na agressão.
Agora as férias são no rio Araguaia, ou no Rio de Janeiro. Mais uma vez moreninhos de sol, um pouco mais crescidos, já têm outros interesses, além do futebol e da natação. As meninas. Penteiam-se bem, mas não conseguem comportamento de quietude por mais de meros dois minutos. Saem correndo, apostando que chega primeiro no portão do Baiano e esbarram nas plantas, nos galhos, em tudo que passam. Se arranhando e se desmanchando. Gozação total rindo da cara do outro.
Segundo semestre tem muito feriado, o sete de setembro, o aniversário da cidade, o Finados e a escola emenda os feriados. Mas eles vão do mesmo jeito para o Externato. Jogar futebol, ou simplesmente brincar ou conversar com os amigos. E no caminho, o tempo seco de Goiânia faz redemoinhos e eles adoram correm para cima dos ventos. O que resulta numa sujismundice imensa. E comentários que duram semanas sobre quase terem voado e coisa e tal.
Já chegou novembro, não ficam de recuperação, pois são bons alunos e chegam mais cedo para chupar as mangas que ficam no fundo do terreno. O chão é escorregadio, pois já está chovendo e as folhas abundam, formando uma camada de perfeito colchão para saltar treinando catadas de goleiro para o “falta e pênalti” ou mesmo para fazer guerrinhas de caroço de manga. Tem coisa melhor que limpar os beiços de manga na manga da camisa?
E até o final do ginásio ele saíram limpinhos de casa e entraram na sala de aula, já bagunçados. No último dia de aula, onde tem guerra de ovo, camisa autografada pelos colegas, choro e despedidas, eles saíram incólumes e totalmente asseados. Um milagre! E aí os pais perguntaram a eles, ao chegarem em casa, o que houve? Responderam o mesmo com diferença de dois anos. Se estavam tristes, não tinham razão para brincar, e se não brincaram não se sujaram. Aprenderam. Nos dias de hoje permanecem brincando com a vida sem se desarrumarem, pois menino bom já chega na aula encardido.
(JB Alencastro, médico)