Explicando o fluxograma
Numa visão sistêmica, composta de Entrada, Processo e Saída, procura-se visualizar de modo sintético o que foi dito até agora sobre as Penitenciárias Brasileiras.
Na Entrada: o cerco do criminoso antes de entrar nas prisões
“TOLERÂNCIA ZERO”: A mídia divulga diariamente a eficácia dos órgãos de Segurança Pública no combate ao crime chamando a atenção para armas e drogas apreendidas, criminosos e traficantes aprisionados. O objetivo ideal de todo o aparelho de Segurança Pública, atendendo às expectativas da sociedade, é a chamada “tolerância zero”.
TODO MELIANTE NA CADEIA: “O lugar de bandido é na cadeia” ou, melhor ainda, “bandido bom é bandido morto”, são alguns dos motes do povo que quer mais segurança e, para isso é necessário que todos os assassinos, estupradores, corruptos e corruptores violentos ou não, pedófilos, ladrões, assaltantes, traficantes e drogados, todos devem ser retirados das rua e colocados nas cadeia.
No Processo: o que acontece com o criminoso dentro das prisões
SUPERLOTAÇÃO: Segundo o Infopen-2016, havia 726.712 pessoas presas distribuídas por 1.418 unidades prisionais que ofereciam 368.049 vagas, o que resultava num déficit de 258.663 vagas. Isso pouco importa para a sociedade que vê as prisões como sistemas de vingança onde o criminoso deve sofrer para pagar pelos crimes praticados. Dada a extensão e complexidade das atividades de prisão, em várias unidades federativas separararam-se dois órgãos, a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Administração Penitenciária, com certa lógica, pois quem prende não deveria ser o mesmo que cuida dos criminosos. Mas não é o que acontece no Brasil, pois os dois órgãos são regidos pelo militares que prendem e disciplinam o prisioneiro. O Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Rússia, mas enquanto esses dois países estão diminuindo o número de presos, o Brasil só está aumentando. Nesse ritmo de aprisionamento, nunca haverá presídios e penitenciárias para tanto “criminoso” brasileiro. A seguir, as consequências da superlotação.
PRESOS SEM CONDENAÇÃO: Mais de 292.000 presos ou 40,2%, em 2016, eram presos provi-sórios ou que aguardavam a sua condenação. Como os Tribunais de Justiça não dão conta de julgar tanta gente que é presa, segundo o Infopen-2016, nas penitenciárias brasileiras, alguns ficam mais de ano esperando a sentença e, muitas vezes, são condenados a uma pena menor do que aquela que já cumpriram e, além disso, a maior parte está presa por crimes não violentos. Hoje, não se usa mais a palavra cadeia, mas presídios que são destinados a abrigar esses presos sem condenação.
MISTURA DE PRESOS: A carência de vagas, não só para os presos sem condenação, tem como consequência a mistura de presos de crimes de gravidade diversa com presos condenados e não condenados, proporcionando a convivência de infratores primários com criminosos tarimbados, traficantes e membros de facções criminosas. Há pessoas que, mesmo tendo cumprido toda a sua pena, continuam presas porque a Defensoria Pública e a Vara de Execuções Criminais estão sobrecarregadas. Afinal, o que é mais grave: a polícia prender demais, a lentidão da Justiça em julgar os presos ou a superlotação das prisões? Junte-se esses três elementos e logo visualizar-se-á o inferno desumanizador em que se tornou o que se chama de penitenciária brasileira.
PRECARIEDADE SANITÁRIA: O presidiário brasileiro, devido às más condições sanitárias e à promiscuidade em que vive, acrescido da falta de profissionais da saúde, tem mais chances de contrair tuberculose, hepatite, dermatoses e doenças sexualmente transmissíveis (DST) do que o restante da população.
JOVENS, NEGROS, POBRES E SEMIANALFABETOS: O público alvo do sistema penal brasileiro é bem definido: 55% são jovens de até 29 anos; 64% são negros; 61% de baixa escolaridade. Se se fizesse uma ficha social dos presos, provavelmente se encontraria também uma maioria desempregada ou subempregada, que é uma das consequências da falta de educação básica e profissional. Na penitenciária repete-se a estratificação que começou na Casa Grande e Senzala e que se perpetuou no Brasil Império e Republicano.
MULHERES PRESAS E FILHOS: Ainda que em menor número – 42.355 ou 6,8% do total – as mulheres prisioneiras sofrem muito mais que os homens. O perfil geral das mulheres presas coincide com o dos homens, ou seja, maioria negras, jovens, pobres e de baixa escolaridade. O mais grave, porém, é que muitas dessas presas ou engravidam e dão a luz na prisão e, ainda, têm de cuidar dos bebês, sem a assistência básica necessária. Muitas delas são chefes de família, responsáveis pela guarda de crianças que ficaram em casa abandonadas.
TRAFICANTES E USUÁRIOS: O mundo está admitindo que a guerra às drogas fracassou. É ilusório pensar que com repressão violenta vai se erradicar o mundo das drogas. Segundo especialistas, o que está acontecendo é reflexo da Lei das Drogas, editada em 2006, pois permite que a polícia enquadre usuários como traficantes. Foi assim que o tráfico de drogas se tornou a principal causa de prisão no Brasil. O tráfico de drogas entre os homens representa 26% e entre as mulheres, 62%. Se considerar-se também os presos provisórios, conclui-se que em cada grupo de quatro presos, pelo menos um está envolvido com drogas. Quanto mais gente presa nas penitenciárias brasileiras mais fácil fica o trabalho de adquirir sócios pelas facções criminosas.
FACÇÕES CRIMINOSAS: Nasceram nas prisões como resultado natural da expansão da população penitenciária bem como das condições precárias existentes que são uma afronta aos direito universal dos cidadãos. Hoje, atrás das grades, as facções organizam e articulam ações criminosas dentro e fora das penitenciárias.
A REVOLTA DOS PRESOS: As instalações em péssimas condições, a superlotação, as situações de tortura e os maus-tratos são combustível suficiente para a violência e funcionam como estopins de rebeliões dos presos nas penitenciárias.
APERFEIÇOAMENTO NO CRIME: Assim, paradoxalmente, a reclusão penitenciária que deveria recuperar o detento produz o efeito contrário, aperfeiçoando-o no crime.
Na Saída das prisões: livres para ir e vir, mas ainda piores do que entraram
DEVOLUÇÃO À SOCIEDADE: Os fatores que influem negativamente na pessoa do apenado, nas prisões brasileira, são tantos que, ao sair, não se pode afirmar que essa pessoa esteja recuperada. E além disso, observando o perfil da maioria dos presos, sua convivência nas prisões, pode-se concluir que muitos deles saem pior do que entraram.
REINCIDÊNCIA: Se se tem dificuldade em definir o conceito de reincidência, mais difícil ainda conduzir uma pesquisa ou levantamento para definir a sua taxa. Assim, dependendo do crité-rio adotado, ou seja, reincidência policial, penitenciária ou jurídica, a taxa de reincidência, segundo o Conselho Nacional de Justiça, é de aproximadamente 25%. E o criminoso reincidente, mais uma vez preso, volta a alimentar o processo de entrada nas prisões brasileiras.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)