“Como consegue comunicar-se com o chinês, se não falam a mesma língua e ele não fala inglês?”, perguntou a russa Lenny, radicada em New York, ao assistir meu interlúdio com o filho da terra de Mao, em meio aos diversos convescontes do fim de tarde da Frankfurter Buchmess, Alemanha.
“O mais difícil hoje para mim é me comunicar com o povo da minha terra. Até com chinês e marciano parece mais fácil”, respondi em inglês. Antes de acusarem o escriba de esnobismo, sigam o passeio.
Entramos na fila do espaço do Brasil para experimentar caipirinha, mais para mostrar à russa o que era, nunca gostei de cachaça, mesmo adoçada e com limão. Ao lado da enorme panela da bebida, identifiquei um tiragosto estranho. Eles estavam servindo “pretzel”, biscoito de origem européia consagrado nos EUA. Mais caipira(sentido pejorativo), impossível. “Vamos dividir um, para ver se é tão ruim quanto os que já experimentei”, disse à amiga. E a atendente brasileira confirmou que “com certeza é tão ruim quanto outros”.
Por quê anjinhos, na maior feira de livros do mundo, o Brasil tem que servir biscoito americano duro, salgado e amargo, famoso porque até o então presidente George W. Bush se engasgou ao comer um? Existem melhores acompanhantes para caipirinha, do politicamente incorreto torresmo até queijos, mandioquinhas, quibes, coxinhas, pão de queijo, pamonha, empada, pastel, jiló...
Não consigo mais me comunicar com meu povo. Vai outro exemplo.
Recebi aplausos pela vitória de Ciro Gomes na comunidade brasileira da França, cujo establishment é dominado pelo partido da seita quadrilha.
O resultado seria outro no Brasil se tivessem feito o que fizemos aqui: desconstruir o PT totalmente e sem pena. O PDT preferiu, por exemplo, investir milhões em vídeo com breganejos cantando intragável canção que nem de longe teve efeito de deixar na memória refrão eficaz como o “Lá lá Brizola” de algum tempo atrás. Fizeram campanha provinciana, querendo agradar RJ-SP, enquanto na França, sem receber nem copo de água de apoio, o povo deu-lhe a vitória mais bonita, levando-o para o segundo turno e mais, com o oponente dito “progressista”.
Mas quem já viu filme do gênero catástrofe, sabe que é recorrente o personagem que identifica sinais da tragédia e tenta alertar serviços competentes, enfrentando indiferença, incredulidade e escárnio, até que fatos manchados de sangue atropelem expectadores e apareçam oportunistas dizendo que “eu sabia” que ia dar nisto. Alertar para a tragédia que viria e veio, tentei fazer durante meses, em contato com o candidato Ciro Gomes, a quem um jornalista de São Paulo definiu como “meio gênio”.
No início desse ano, pelo telefone, alertei: “O sistema vai usar Luis Inácio para que a situação não evolua.” Ele concordou educadamente.
Mas ele continuou, como no ano interior, em que visitara Paris, a fazer mais campanha para Luis Inácio e seu partido, enquanto a gente tentava fazer campanha para... Ciro Gomes.
Quando convidamos o cearense para visita à Paris, o diretor da associação parceira perguntou: “Mas voce põe a mão no fogo por ele?” Respondi que não ponho nem por mim. Somos educados para roubar. Roubar, desviar dinheiro público. Participar de esquema virou no Brasil espécie de obsessão e honraria, chegando aos brios de potência sexual.
No Amapá ex-prefeito (médico!) foi flagrado no seguinte diálogo com a amante: “Querida, vamos descobrir mil novas posições, pois os chineses querem investir aqui e vão molhar nossas mãos com milhões de dólares”.
O cara faz filmes, livros, música, inventa coisas, cria empresas. Mas brasileiros o admiram é se ele estiver por dentro de algum “esquema”, subproduto do “mecanismo” geral, tão bem identificado em série de TV.
Neste ano que se encerra e no anterior, mil vezes o cearense disse em entrevistas que “era amigo do Lula há mais de 30 anos”. E daí? Tenho o maior orgulho de dizer que nunca seria amigo de gente desse tipo. Não gosto de futiból e não teria assunto para conversar com o chefe do maior esquema de corrupção desvendado na história do mundo.
No ano passado Ciro disse que não acreditava que o ex-presidente fosse condenado antes das eleições (e eu ali, cruzando os dedos, para que a justiça o pegasse, como bem feito pegou).
Na Sorbonne, neste ano, fiquei amarelo ao ouvi-lo dizer que o ex-presidente “tirou 40 milhões da miséria”. “Onde? Quando? Com qual plano ou medida ou obra?”, poderia perguntar, se não fosse o anfitrião e estivesse ali mais para apagar incêndio. Esses 40 milhões devem ter saído dos fundos de pensão e dormem em contas no exterior que laranjas do PT ainda têm.
Quando perguntaram ao Ciro, em encontro na associação parceira, como enfrentar a corrupção, ele respondeu “dando adeus às ilusões”... E na entrevista à Radio France International, a manchete foi “Ciro diz que corrupção não é o principal problema do Brasil.” Quase cai da cadeira.
A corrupção é o maior problema do universo! Do Vaticano, da França (derrubou os candidatos da direita, abrindo caminho para o atual presidente), dos EUA, até da China, derrubou impérios, do Romano ao Soviético. Apenas quem não vive no Brasil real é que menospreza a crise moral que acomete a nossa terra desde quando foi “descoberta”. Mas ainda tem gente na velha “classe política” que faz cara de paisagem diante dos terremotos que acontecem no Brasil.
O camarada cearense termina o ano revelando sua outra metade como “meio ingênuo”. E (perde-se amigo mas não a piada) foi eleito o corno do ano, chifrado por tudo quanto é lado, do bêbe corrupto presidente da Câmara, ao PC do B e PSB.
Levou chifre até de sua candidata à vice. Um dos símbolos mais podres da “classe política”, ela conseguiu eleger senador o filho no curral tocantinense, mas não conseguiu fazer seu candidato a presidente ter ali nem mesmo a média que teve nacionalmente, deixando-o fora do cercado, com meros 7% (aqui na França foi 31%, ó!) Com certeza a “fazendeira”, que de ingênua não tem nada, pegou dinheiro da campanha e comprou votos que fazem do pimpolho mais um zero à esquerda no senado.
O epitáfio para a carreira de Ciro pode ser o seguinte: “Acreditou mais na ‘classe política’ do que no povo.” E uma caricatura dele na mesa do baile da associação da “classe política” aposentada, tomando umas com a senadora do Tocantins. Em outra mesa, Eduardo Suplicy e Dilma, que também não conseguiram andar com as próprias pernas e igualmente encerram a carreira jurando que o hóspede + famo$o de Curitiba é inocente.
O que mais me assustou, na campanha, foi o candidato Ciro começar a falar a mesma língua do senador Collor, ameaçando que, se eleito presidente, o Ministério Público, a Justiça e a PF iriam voltar para o “quadrado”. O que o povo quer é que a “classe política” inteira ocupe quadrado gradeado e com cadeado, de preferência com superlotação, para conhecer o Brasil real.
Ciro vai tentar sobrevida, candidatando-se à Marina Silva, sentando-se em cima dos votos e fazendo hora até outra eleição. Até que, a exemplo da acreana, o eleitor mostre que votos pertencem ao povo, não a ele.
Se existir sentido evolutivo nessa tragicomédia, a derrota de Ciro foi o enterro do que poderia haver de menos pior na “classe política” e dos valores pelos quais ela enterra princípios, fazendo do Brasil o país do apartheid social e do genocídio nacional: justificar roubos para “projeto do partido”, “estrutura”, “tempo na TV”, “política de alianças”, “dinheiro para campanha”.
A vitória do Boçalnaro(uau!) teve ao menos esse mérito. Ele não teve partido, nem tempo na TV, nem fortuna para campanha. E o PT vendeu a alma para ter tudo isto. E perdeu, bau bau! Que alegria é viver! Como dizia Millôr, continuo a ser honesto, a concorrência é menor.
Não posso acreditar que um “professor”, escolhido de dentro da cela de um corrupto comprovado, será o “defensor” da democracia, que eles no “puder” desmoralizaram completamente comprando parlamentares, juristas, institutos de pesquisas, sindicalistas... Mas uma coisa concordo com esse professor. Ele disse que o Brasil tinha que passar por isto (a campanha do boçal). Eu acho que vi um gatinho... O Brasil vai passar por isto (a presidência boçal) assim como passou por Sarney, Collor, FHC, Lulalau, Dilma e Temer. O povo merecia melhor mas sofrendo a gente aprende. Ou não. Não sou mais besta para cair em lorota de vigaristas ou desonestos intelectuais ou simplesmente ingênuos. Não vai ser o fim do mundo. Não vou votar no domingo. Mas se me convencerem a ir, será nulo com orgulho.
Se existir sentido evolutivo nessa tragicomédia (2), em outras eleições sairão vencedores aqueles que transferirem esse bendito ódio ao PT(prefiro desprezo), e ao que ele representa (traição aos princípios, corrupção, ignorância), para o conjunto total dos herdeiros dessas “virtudes”, os que sobraram da “classe política” brasileira. Que novas flores floresçam, mais perfumadas do que Bolçalnaro e coisas como o tal velho “partido novo”.
(W. Tede Silva, autor de “Sasha, What Is To Be Done?" e “Oulalie!" Realizou os filmes “Tudo São Referências, Tudo São Memórias” e “Matrículas Abertas, Vagas Limitadas". Presidente do CAici - Institut International Culturel Castro Alves, em Paris, França)