Em 1960 um histrião chegou ao Palácio do Planalto ostentando na eleição presidencial a vassoura como símbolo da sua campanha. Varre varre vassourinha, varre varre a bandalheira, era o refrão da marchinha que o candidato Jânio Quadros popularizou em todo país. O povo brasileiro tinha do mato-grossense rouquenho a imagem do político imbatível em eleições, pois galgara a presidência da República na culminância de uma carreira iniciada como vereador na capital paulista, estupendamente votado; prosseguira como deputado estadual também recordista de votos; prefeito de São Paulo e governador do Estado. Elegera-se presidente da República com mais do dobro da votação do seu principal oponente, o marechal Henrique Duffles Teixeira Lott. Depois de sete meses de histrionismos –proibição do uso de biquíni e briga de galo – renunciou à presidência com um erro de cálculo: esperava ser reconduzido em grandiosa reação popular contra o que ele, na sua carta-renúncia chamava de forças ocultas, causadoras do seu gesto extremo de renunciante. Não houve reação popular alguma e sim frustração e decepção da nação inteira. Era o primeiro psicopata a passar triste e vergonhosamente pela suprema direção do país.
Trinta anos depois a maioria do povo brasileiro colocou na presidência da República outro indivíduo caracterizado pelo desequilíbrio. Na eleição presidencial de 15 de novembro de 1989 o candidato que se consagrou sucessor de José Sarney no Palácio do Planalto para o período 1990 – 1994, foi o ainda moço Fernando Collor de Mello, ex-governador de Alagoas. Sua eleição se deveu à mística que lhe foi construída por alguns dos principais órgãos da imprensa, de “caçador de marajás”. Uma farsa, portanto.
Outra vez trinta anos depois mais uma farsa se intenta. É a que busca colocar na presidência da República um militar despreparado e negativamente temperamental. Apesar de estar na Câmara Federal há 28 anos, até há pouco o Sr. Jair Bolsonaro era inteiramente desconhecido do povo brasileiro. Nos 28 anos de mandato na Câmara Federal jamais vez uma proposição que merecesse registro por seu conteúdo. A contrário sensu sua apagada atuação foi sempre caracterizada por reacionarismo, racismo e espírito antidemocrático, golpista. Até quinze dias atrás ganhava de todos os principais candidatos no primeiro turno mas perdia de todos os também principais no segundo. Em pouquíssimos dias o quadro sofreu alteração profunda: Jair Bolsonaro quase se viu eleito já no primeiro turno. Por quê? O que aconteceu para se operar mudança tão radical? Foram vários os fatos. Os radicais partidários de Jair Bolsonaro passaram a divulgar mensagens nas redes sociais terrivelmente falsas, visando a criação de um clima de ameaça de comunismo e outros fantasmas desonestamente arquitetados. Obtiveram o apoio de um chefe religioso que deu a Bolsonaro o apoio integral do seu segmento, que conta com mais de oito milhões de fiéis.
Mas nos últimos sete dias o espírito antidemocrático, fascista mesmo, do candidato militar preconizador da tortura e do totalitarismo, deixou cair a máscara ao fazer ameaças à liberdade de imprensa – ameaças essas denunciadas pela Folha de São Paulo e pela publicação de economia denominada Valor. O candidato militar que se intitula “linha-dura” (o seu vice Hamilton Mourão é também militar com essa triste roupagem) desde então está a perder votos. Resta, portanto, a esperança de que venha ainda a democracia brasileira a ser salva da ameaça fascista. O voto de depois de amanhã contra Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão é o voto pela democracia brasileira. E pela dignidade na vida pública.
(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal à sextas-feiras)