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OPINIÃO

A superação da crise do produtor rural através da recuperação judicial

Por Henrique Esteves Alves Ferreira

Não é novidade que o agronegócio é um dos pilares da economia brasileira. Enquanto esta tem demonstrado sinais de contração em meio a uma difícil batalha travada contra a pandemia, o Agro cresceu 1,9% no primeiro trimestre e 1,2% no segundo trimestre de 2020 em comparação ao mesmo período do ano passado, conforme dados registados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Contudo, entre tempos fartos também habitam tempos escassos, especialmente quando ainda se depende de inúmeros fatores extrínsecos, tais como mudanças climáticas, política comercial, hábitos de consumo, risco da própria atividade, etc., mesmo com toda a modernização tecnológica já proporcionada pelo homem.

Por isso, a crise no campo ainda é vivida por muitos produtores rurais, que mergulhados em dívidas, buscam uma solução. É neste sentido que a recuperação judicial (RJ) tem sido apresentada como uma nova esperança. O que antes, por muitos, acreditava-se não ser possível, já que a atividade é explorada majoritariamente por pessoa física, encontrou solução recente no julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deixou claro que pode o produtor rural pedir recuperação judicial, desde que comprove que possui mais de dois anos de exercício de atividade econômica (e realizar o registro na Junta Comercial a qualquer tempo antes do ajuizamento do pedido), conciliando entendimentos entre a 3a e 4ª Turmas, em que pese os julgamentos não terem sido unânimes.

Advém que, para afastar qualquer insegurança jurídica, tramita atualmente no Senado Federal o PL 4458/2020, que altera a Lei n° 11.101/2005, e, entre outras matérias, dispõe sobre a recuperação judicial de produtores rurais. Já aprovado na Câmara dos Deputados, confia-se que seja apresentado o relatório ainda nos próximos dias e pautado para votação de imediato (há quem diz que ocorrerá na próxima quarta-feira, 25/11), com uma forte pressão do setor.

De um lado, é um grande avanço ao deixar claro que é possível a comprovação do prazo de dois anos do exercício da atividade por pessoa física, permitindo o reerguimento do produtor, proporcionando maior segurança jurídica ao setor agrícola e, por conseguinte, à economia interna, porém, de outro, traz um excesso de embaraços desnecessários ou, nas palavras de alguns críticos, até a criação de reserva de mercado.

O projeto exige que a demonstração do lapso temporal ocorra “com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR”, além da Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial. Não seria um excesso de formalismo? Há de se ponderar que, além do livro caixa não ser usualmente utilizado pelo setor, não seria suficiente o registro das despesas e lucros já efetuados na DIRPF perante a receita com o respectivo registro na Junta Comercial para demonstrar a exploração da atividade? Neste ponto, questiona-se se não seria possível evidenciar o exercício da atividade por uma forma mais simplificada e menos onerosa, afinal, a ideia não é a mera comprovação? Ou existe alguma desconfiança do setor ao ponto de criar regras diferenciadas às aplicadas aos empresários sujeito a registro?

Ainda, o PL afasta os créditos do Sistema Nacional de Crédito Rural, em contramão ao que atualmente se aplica, já que hoje sujeitam aos efeitos da RJ todos os créditos existentes, inclusive aqueles não vencidos. Retira-se, assim, a possibilidade de reorganização completa do produtor, impedindo de certa forma a renegociação de parte da dívida, e forçando o produtor que esteja em dificuldade econômico-financeira a se manter amarrado nos entraves onerosos e burocráticos das instituições financeiras que acabam por inviabilizar a superação da crise.

A sugestão do parágrafo oitavo do art. 49 traz a exceção, permitindo a inclusão de tais créditos somente nos casos em que a instituição financeira se negar a renegociar, o que por certo não acontecerá, já que ela que continuará ditando as regras e a burocracia.

Assim, o que se desnota é que as alterações promovidas pelo PL trarão, em um primeiro momento, grande avanço, ao trazer a segurança normativa que se espera para conceder ao produtor rural pessoa física a possibilidade de requerer a recuperação judicial, todavia há de ter esperança que o legislador percorra um pouco mais o texto normativo para afastar o excesso de formalismo, os ônus e as imposições exageradas, e garanta por completo a reorganização e superação do produtor rural, tão importante para o nosso país!

* Henrique Esteves Alves Ferreira é Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP, Master of Laws em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Professor de Direito Empresarial da UniAraguaia. Professor da Pós Graduação em Direito Agrário e Agronegócio da Uniaraguaia. Advogado, sócio do Alencar Lopes Esteves Sociedade de Advogados.

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