Por Cristian de Paula Sales Moreira Junior – Especial para Opinião
As eleições municipais sempre foram, historicamente, um termômetro de a quantas andam os interesses políticos do país, bem como suas tendências e alinhamentos. Mesmo no período colonial, nas vilas, as lideranças locais - em alguns lugares eleitas para desempenhar o papel de vereadores, verdadeiros governantes - eram mais identificadas com o poder do que o Governo Geral, que geralmente se mantinha afastado e tinha a cobrança de impostos como um dos poucos motivos para lembrança de sua existência*. Isto porque o nosso verdadeiro vínculo com a “coisa pública”, que se manifesta na realidade prática do cotidiano, é no âmbito da cidade. É aqui que nos falta água; que a lâmpada do poste na porta de casa não é trocada; que o asfalto é cheio de buracos; que não se recolhe o lixo há uma semana; que os lotes estão com mato alto; que a criminalidade está elevada; que falta lazer; que o transporte público têm sido um problema, dentre outras coisas… A cidade é a realidade. Prática, tangível, dura. O Estado e a União são imaginário. Um luxo, com o qual só entramos em contato nos jornais, na internet, nas conversas de almoço de domingo. Neste sentido, as eleições municipais de 2020 nos abrem possibilidade para observar alguns fatores, algumas tendências. Não conclusões, mas observações mesmo.
A primeira é que os identificados com a chamada Velha Política ainda predominam, principalmente nas cidades de interior. Sem citar nomes, mas em Goiás mesmo percebe-se que a maioria dos prefeitos eleitos já nos são conhecidos, ou pelo menos suas famílias. Seus partidos, então, nem se fala. O DEM, partido do nosso governador, elegeu o maior número de prefeitos e vereadores em Goiás. Os pesquisadores dos institutos de pesquisa comentam sobre a dificuldade de se trabalhar nesses lugares. As pessoas têm medo em sofrer represálias ou perseguições por responder com sinceridade. Se preocupam se a pesquisa é realmente anônima, se seus comércios ou casas estão sendo marcados. Nas opinativas reclamam das condutas dos tais políticos, dos seus posicionamentos, do seu trabalho. Mas, ainda assim, eles vencem as eleições. São heranças históricas que se manifestam em um coronelismo talvez um pouco disfarçado, mas ainda real.
Em segundo lugar, o Centrão é ainda quem realmente comanda o país. O DEM, um dos partidos que mais cresceu, saltou de 268 cidades para 459*. O PP, de 495 para 681. Ainda o PL, de 297 para 341. Se juntar com a Câmara dos Deputados e com o Senado, com os partidos de centro-direita e centro-esquerda (embora este último tenha decaído desde as últimas eleições) detém mais de cinquenta por cento do poder no país, o que já é suficiente para não precisar fazer cálculos precisos.
Uma terceira observação - muito noticiada, inclusive - é o expressivo aumento eleitoral de setores da esquerda, principalmente identitária, que elegeu alguns vereadores, aumentando a representatividade nas Câmaras de lgbt’s, mulheres e negros. O PSOL se destaca, dentre estes. Alguns analistas políticos apontaram uma tendência do eleitorado brasileiro para políticos progressistas, como se o Brasil de 2020 houvesse virado a página no Brasil de 2018 que elegeu o um presidente conservador. Mas será? Veja, no caso para eleição de vereadores, como são muitos os partidos e muitos os candidatos - em Goiânia foram mais de 1 mil - , abre-se espaço para que se elejam alguns que representam certa parcela minoritária do eleitorado. Aumenta-se assim, a representatividade. Mas quando se diminui o número de candidatos e partidos, como são os candidatos a prefeitura, mesmo que se observe apenas as capitais, a população se mostra ainda conservadora, e não progressista. É uma hipótese de interpretação…
A quarta observação, consequência direta das três primeiras apontadas aqui, é a derrota do Sr. Presidente. Apostou na política de oposição, típica da guerra cultural, e na figura dos outsiders. Não conseguiu eleger ninguém, praticamente. Veja, o PT, em seu auge, elegeu 559 prefeituras nas eleições de 2008. Somado ao fator da queda pela metade do auxílio emergencial, bem como as últimas polêmicas que tangenciam o assunto da pandemia, as últimas pesquisas apontam para uma relativa queda de popularidade. A tendência que se torna evidente é que será necessário um alinhamento com o Centrão para que se alcance a governabilidade e a execução das reformas. Esse alinhamento pode vir na forma de uma postura mais branda e menos radical, nas declarações e nos posicionamentos; em ceder partes consideradas importantes pelo governo nos projetos de reformas, principalmente a tributária; ou ainda em um loteamento dos cargos importantes do governo. Isso ainda não sabemos. O que sabemos é que a cultura política se projeta da cidade para a União, e não o inverso.
Cristian de Paula é professor de História e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG)
Notas:
- CALDEIRA, Jorge. HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL : Cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017.
- https://sagresonline.com.br/confira-a-lista-dos-prefeitos-eleitos-em-goias/
*https://www.dm.jor.br/eleicoes-2020/2020/11/base-de-caiado-vence-em-165-cidades-e-dem-faz-63-prefeitos/
*https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/11/17/bolsonaro-se-deu-mal-mas-base-de-apoio-nao-progressistas-encolheram.htm
*https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/11/15/interna_politica,1205334/carlos-bolsonaro-perde-posto-de-vereador-mais-votado-do-rj-para-o-psol.shtml
*https://www.dm.jor.br/eleicoes-2020/2020/09/goiania-tem-mais-de-1-mil-candidatos-registrados-a-vereador/