É instigante e desafiador para as ciências compreender e explicar os mecanismos da superstição e tantas crendices pela simples crendice. E o mais curioso e estupefaciente é que tais sentimentos e convicções ocorrem em todas as classes culturais. Desconheço estudos e estatísticas nesse sentido. Todavia, imagina-se ser mais encontradiços tais sentimentos, em pessoas com menor escolaridade e menos cultura científica. Questão de formação ética, cultural e tecnocientífica.
O que sugerem as neurociências e a psicologia é que as pessoas têm uma necessidade intrínseca em acreditar, em se convencer em pseudociências, em factoides, em prédicas e discursos míticos e fantasiosos. Uma das razões apontadas pela psicologia é que se torna menos elaborado e menos dispendioso tomar falsas afirmações e conselhos como verídicos e válidos. Pensar, desconfiar, ter dúvidas, pesquisar dá trabalho, gasta ATP e energia neuronal, memória, intelecto, cognição.
Nesse cenário então prosperam os seus mais variados operadores. Como exemplo os charlatões, os curandeiros, os raizeiros, os terapeutas naturais, os mercadores de figas e ervanários, os falsos profissionais de várias categorias, os operadores religiosos, os milagreiros, os receitadores de kits contra covid, etc, etecetera.
Nenhuma profissão está a salvo. E não é custoso tal constatação. Em qualquer atividade profissional existem os falsificadores, os mentirosos, os embusteiros e caloteiros. Todo inadimplente e mau pagador é um falsário e impostor. No íntimo, o indivíduo que nega a pagar o que deve é um pérfido e explorador da boa-fé do credor, de quem lhe entregou um dinheiro, um bem, um trabalho ou patrimônio com a falsa promessa de quitação no tempo e data aprazada.
Eu já disse e redigo que o charlatão mais temerário e nocivo é aquele que se diplomou na atividade ou serviço profissional de sua categoria profissional (médicos, advogados, dentistas). A razão é simples e bem compreensível. Esse charlatão profissional tem a chancela, o aval e crédito do conselho ou sociedade ou órgão de sua atividade. Exemplos: conselhos de medicina, de farmácia, de odontologia, nutrição etc. Nesse cenário torna-se até mais difícil o inquérito, o processo e punição para as práticas ilícitas, antiéticas e ilegais. Justamente porque ele porta um registo profissional. Ele passa mais credibilidade e convencimento das práticas.
No Brasil não é difícil assistir e comprovar toda sorte de superstição, de crendices e as mais variadas atividades e comércio de produtos e serviços baseados em pseudociência e charlatanismo. Referidos serviços são propagados e encorajados em todos os meios de comunicação. Jornais, rádio, televisão, internet, redes sociais. Nessa seara existem as cartomantes, os tarôs, os búzios, os adivinhos, as ciganas, os raizeiros, os terapeutas de ervas, os fisioterapeutas com práticas sem base científica. Nas religiões não faltam os falsos profetas, as curas teatrais de igrejas de toda ordem, as promessas de redenção da alma em troca de dízimos e vultosas ofertas de bem e dinheiro, como se fossem (essas promessas) uma venda de indulgências nos moldes do que fazia a igreja católica em séculos passados.
Por fim, se há uma prática campeã em charlatanismo e insegurança sanitária é o comércio de medicamentos e tantos outros insumos para a saúde. Nesse expediente basta a mais simples experiência: apresente-se em qualquer farmácia e procure um medicamento para hipertensão, para diabetes, para asma, para uma disfunção erétil. Não faltarão balconistas nesses estabelecimentos a vender as mais disparatadas e perigosas drogas para referidas e reclamadas afecções do consumidor.
A pandemia da covid-19 veio escancarar o quanto a mente humana, dada ao hábito improdutivo e a inopia intelectual, é capaz de acreditar em um rol de coisas e apregoações improcedentes, sem um nexo lógico e científico.
Exemplos nesse contexto são, acreditem, um sem-número de médicos, alguns até renomados que ainda aceitam e receitam kit contra a covid-19. Esses tais são os charlatões mais perigosos porque têm uma inscrição no CRM local e registro de qualificação de especialidade (RQE). A pandemia covid 19, mostrou como até homens de Estado são capazes e deslavadamente charlatões, ao propor por exemplo aplicativos e kits para tratar essa doença, para a qual as Ciências só comprovaram medidas sanitárias e as vacinas.