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OPINIÃO

Mário Jorge, meu irmão

Sou do começo dos anos 60, ele exatamente do meio. Nascemos em Goiânia, e entre idas e vindas ao Rio de Janeiro, nossos pais aqui se estabeleceram. Crescemos com a cidade. Jóquei Clube, natação. Clube dos Funcionários, futebol. Ele era craque, ponta direita. Eu jogava direitinho, corria muito. Um Zagalo da vida, homônimo do meu irmão.

Inseparáveis. Mário Jorge e João Baptista, apesar de que não éramos parecidos fisicamente, os colegas confundiam os nomes. Ele era moreno, mais baixo, mais forte, voz muito grossa. Engraçado que com o tempo, e agora que me restam poucos e brancos cabelos, estamos muito parecidos. O gestual, o andar, as expressões típicas de cada um é também a do outro. E como ele mora fora há mais de 10 anos, não há influência da convivência diária. Sua inteligência arguta é impressionante, assim como sua cultura.

Chegamos ao cúmulo de encomendar o mesmo carro, um raro conversível, sem ter dito palavra um ao outro. Talvez Jung explique com seu inconsciente coletivo. Ou com seus totens. Mas cá estamos. Eu pensando nele com muito mais força e carinho, ultimamente. Suas filhas são minhas afilhadas, e as considero como tal. Ele é padrinho do nosso filho João Mário, que é uma soma de nós três: JB, MJ e Mário de Alencastro, nosso secular pai.

Irmãos são a nossa reserva moral e memorial. Eles sabem exatamente nossos defeitos e suportam. Quando irmãos se amam, jamais se atacam publicamente. E no fim de uma noite, uma festa qualquer, reservam pequenos minutos para dizer as verdades. Com calma, discernimento e cheios de reservas. Os elogios são pródigos. Espelhos mútuos. A rivalidade é: nós dois contra o mundo. Só sobraram nós.

Muitos fatos que jamais eu lembraria estão carimbados na memória prodigiosa do Mário Jorge. Eu também busco nos recôncavos de nossa infância e da adolescência, aventuras mil. Em São Luís do Maranhão, terra maravilhosa de nossa mãe. Ou em uma Goiânia que já não existe mais, onde todos se conheciam e davam notícia. São praias, carros, motos, amigos, competições, brigas, namoradinhas…

Então numa noite fria e chuvosa, acordei suado. Raramente tenho pesadelos, ou talvez não os lembre. Mas esse era preocupante. Mário Jorge seria operado. Coisa grave, além dos meus conhecimentos e capacidades médicas. Entrei em contato com ele. Realmente iria fazer uma cirurgia relativamente simples, talvez sequela de tantas corridas, dribles, passes de longa distância do seu garboso futebol.

Pois os exames mostraram algo mais. Internado foi. E eu trabalhando, servindo a todos como sempre fiz. Um dia almoçando no consultório as três da tarde, outro dia comendo as quatro. E no terceiro dia de agonia – pensando nele e na sua recuperação – eu nem dormi. Não por insônia, mas por partos belíssimos e um bebê na trompa que mostraram a mim que posso ser feliz, mesmo tenso e apreensivo. Basta seguir. E me encher de amor.

Fui vê-lo no sábado, em Brasília-DF, onde agora mora. Um dia antes recebeu alta da UTI (com uma brevidade incomum). No seu bom humor habitual, disse que iria no Girafas em frente ao hospital tomar café. “- Já que comida de hospital é sempre picareta”. Fiquei lá, conversei com os médicos, com fisioterapeuta, com enfermeiras e os elogios a educação e comportamento do Mário Jorge foram constantes e unânimes.

Quando recebeu alta hospitalar, olhei para a minha heroica e dedicada cunhada, não acreditei.

Fomos embora para casa debaixo de uma chuva monumental. Para mim, nada demais, a chuva de fora foi o tanto que eu chorei por dentro. Amo-te Mario Jorge. Somos só nós dois, agora.

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