A culpa não é do funk
Diário da Manhã
Publicado em 11 de julho de 2017 às 01:23 | Atualizado há 8 anos
Venho acompanhando em noticiários, mídias sociais e sites, sobre o projeto de lei que criminaliza o funk, estilo ou gênero musical que tem em sua origem majoritária vinda dos subúrbios e comunidades, tendo início no Rio de Janeiro e se espalhando para outros estados, principalmente São Paulo. O funk tem em suas letras um reflexo da realidade popular, uma realidade social do nosso país. Suas letras contaminadas por um descaso poético e criativo, são feitas com base no cotidiano vivido por eles, de acordo com suas visões de vida, e também suas realidades financeiras. Tem como foco o retorno financeiro, e com um baixo orçamento com produções musicais e audiovisuais, tem uma resposta de mercado alta, do ponto de vista financeiro. Tá aí, a fórmula para o sucesso: baixo orçamento, letras fáceis com frases melódicas repetitivas, rostos bonitos (ou não) e o principal, o público, uma exagerada massa de pessoas escutando algo que tem em sua essência o seu próprio estilo de vida. Uma das particularidades de mercado do funk é justamente o alcance para outras classes sociais, como todo mundo sabe. Dai, desta aceitação, surgiram várias tendências do funk, como o ostentação, que na verdade seria a idealização de vida dos garotos do gueto, os que têm apelos sexuais, a realidade do subúrbio onde o sexo é bastante precoce e sem o mínimo de pudor. Tem também o funk que faz apologia ao crime, para o uso de drogas, ao crime organizado, e que também não deixa de ser uma realidade da periferia. Neste caso eu acredito que deveria haver uma certa censura. Posso estar generalizando, pode existir sim funk bem feito, com boas letras e com temas legais e interessantes. Os cantores, conhecidos como “funkeiros”, são em sua maioria jovens, às vezes menores de idade. O que acontece aqui é que eles são praticamente usados, como fantoches, para dar lucro aos empresários e investidores. Colocam musicas apelativas que tem uma grande divulgacao, com um retorno fantástico, daí ocorre o que eles chamam de sucesso. O problema é que o barulho é alto, mas não é consistente e rapidamente a música desaparece levando o cantor junto, ao esquecimento. E depois são deixados de lado pelo mercado que sugaram tudo o que podiam e já não tem interesse no pobre artista. Isto são fatos. Enfim, cada um tem a sua realidade, não posso julgar o porquê dos garotos escolherem esse caminho, e as vezes nem eles se importam em ter uma carreira longa e próspera. Existe uma diferença entre curtir o funk em uma balada e, separando o contexto artistico, ser a favor ou não. Eu particularmente até curto escutar funk na balada (Não escuto em outros ambientes), só acho que essa carreira não vale muito a pena, no quesito profissional e artístico. Porém, sendo a favor ou não do funk, acho que seria muita ignorância ser a favor desse projeto de lei, referindo-me aqui a sua proibição ou criminalização. Vivemos em uma sociedade em que a democracia é extremamente valorizada e enaltecida. Assim, a liberdade de expressão é um direito de todo cidadão previsto na constituição. Desta forma, Independente do gênero ter como foco o dinheiro, o funk não deixa de ser uma voz ou uma realidade cultural do nosso país, quase até um movimento, em que a falta de conhecimento e educação geram essas coisas. O Brasil tem sempre essa mania de jogar a culpa no outro, e nunca se olhar no espelho. O problema é muito maior do a gente pensa. Criminalizar o funk é calar o povo gratuitamente de forma preconceituosa, é acabar com oportunidades, é acabar com sonhos. Acho que chega a ser clichê falarmos que a “solução” está em uma educação que gere conhecimento e informação, mas tudo bem, acredito eu que não exista outra alternativa. E o pior é que estamos em uma situação tão precária que as vezes penso até que o ensino no Brasil seja algo utópico, me faltando esperanças. A formação como cidadão é um fator crucial para o desenvolvimento de uma sociedade. O cenário musical brasileiro é apenas um reflexo do abismo em que nós entramos com a falta de interesse e competência de nossos governantes, com péssimas gestões banhadas a roubos, com todo tipo de corrupção. O caminho é extenso e árduo, precisamos simplesmente de pessoas que cumpram com suas obrigações com caráter, honestidade e principalmente com vontade de mudança com o que realmente é necessário, em todas as áreas (acho muito chato ter que repetir isso toda vez). Não vamos fugir do nosso real problema. Em síntese, tenho meus gostos musicais, não sou totalmente eclético, e de forma alguma tento impor em alguém, assim como não gosto que tentem me impor. “Música boa” é bem relativo. Pra você pode ser ruim, mas para o outro pode ser bom. Podemos ser críticos e expressar nossas opiniões com argumentos coerentes e respeitosos, mas não deve haver preconceitos e imposições na música. Não há certo e errado, cada um faz e escuta a música que quiser. Hoje em dia as pessoas se afetam e se importam muito com o gosto alheio, em tudo. Portanto, menos ignorância amigos.
(Pedro Naves, cantor e compositor)