A lei de acesso à informação e as igrejas: por uma agenda de transparência nas igrejas
Diário da Manhã
Publicado em 2 de março de 2016 às 22:16 | Atualizado há 9 anosA lei de Acesso à informação, Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal e se aplica sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Esta Lei Federal, além de regulamentar importantes textos da nossa Constituição, responde a uma demanda histórica, qual seja, a de permitir que os contribuintes/cidadãos de direito tenham acesso a documentos e aos ativos e passivos destinados e controlados pelos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público e, também, pelas autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme reza o texto da lei.
Esta Lei, como pontuamos, é uma grande conquista e avanço para a sociedade Brasileira. Não vejo exagero nenhum em colocá-la no patamar das mais importantes leis que laureiam o direito brasileiro pois, sem dúvida nenhuma, rompe com um véu de obscurantismo que sempre separou os expedientes administrativos e financeiros das empresas e órgãos públicos dos cidadãos e comunidade como um todo.
A esta altura do texto alguém pode estar se perguntando: que relação há entre a lei evocada pelo título desta matéria e as igrejas e demais associações uma vez que as mesmas não são instituições vinculadas ao governo em qualquer que seja a esfera? E a resposta é simples: não há nenhuma relação que vincule obrigatoriedade jurídica civil ou penal, mas uma relação que vincula, com mais força de constrangimento, uma obrigação moral – destas instituições – de serem transparentes.
Defendo isso piamente. Vou explicar: uma Igreja Evangélica não é uma empresa ou órgão público e, claro, sou sabedor de que vivemos em um país laico e, que o artigo 19, inciso I da Constituição Federal de 1988, estabelece que é vedado ao Estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Sim, sei de tudo isso. Mas sei, também, que embora a Lei nº 12.527 não se aplique às igrejas, estas, por seu papel pedagógico e moral e, pela natureza das verbas que as sustentam – contribuições da parcela da população a ela filiada – deveriam ser mais transparentes.
A transparência e a franquia – a qualquer pessoa – do acesso aos documentos e expedientes administrativos e contábeis de uma igreja deveria ser uma postura cultural e habitual entre nós e, jamais, algo imposto pela força de uma lei – o que de fato ainda não acontece no Brasil – ou pela força da pressão de grupos, em tese, “participantes” da vida das igrejas. As igrejas precisam demonstrar coerência e uma postura pedagógica exemplar – típica daqueles que ensinam com o exemplo – e permitir acesso não só às suas movimentações financeiras detalhadas, mas também, à totalidade dos documentos que compõem sua personalidade jurídica e rotina administrativa.
Permita-me uma rápida digressão: No que se refere aos registros financeiros das pessoas jurídicas de direito privado, caracterização que abrange as igrejas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei PL 725/2015 de autoria do Deputado Chico Alencar (Psol-RJ) que altera o Código Civil (Lei 10.406/2002) e obriga – caso aprovado – instituições como Associações, Clubes de Futebol e Igrejas, a realizar os registros de suas operações financeiras. Não considerando as inclinações de cunho ideológico do referido Parlamentar é preciso parabenizá-lo pela iniciativa uma vez que, conforme o mesmo aponta, muitas igrejas de fachada são usadas para lavagem de dinheiro, o que além de configurar grave crime mancha, pelo uso e associação do termo “igreja” as instituições sérias.
Mesmo que desconsideremos a possibilidade e proximidade de uma legislação pela obrigatoriedade da transparência nas entidades sem fins lucrativos, precisamos admitir que transparência e coerência são termos interdependentes e, ainda, que é nosso dever assumirmos esta postura pelo convencimento dos benefícios institucionais, sociais e culturais da mesma. Contudo, não raro, nos chegam relatos de membros engajados em ministérios que dão conta do total desconhecimento destes com relação aos movimentos financeiros e, o que é mais agravante, em relação ao próprio Estatuto Social das Igrejas que frequentam. Ou seja, estamos longe do ideal proposto por uma agenda de transparência.
Assim, penso que nossa capacidade profética de repreender os reis em suas falhas fica comprometida quando cumprimos à risca aquilo que criticamos e denunciamos nestes reis; falta aos reis deste mundo muita transparência e essa falta de transparência constrói sólidos alicerces para sustentarem os pilares da corrupção que tanto massacra nosso povo. Diante disso, precisamos implantar – de forma coerente com o nosso papel social – como profetas e educadores a serviço do Cristo, uma cultura do acesso facilitado e da transparência dos atos, fatos e registros institucionais.
Relatórios contábeis, Estatuto Social, Regimento Interno, Contratos diversos, Livro Ata e os compromissos fixos mensais (aluguéis, contas de água, energia e telefone, auxílio combustível, prebenda pastoral, investimentos, para citar apenas alguns) precisam ser disponibilizados e terem seu acesso facilitado a todos. Reter tais documentos e obstruir o fluxo esperado do acesso à informação no contexto de um Estado de Direito e, o que talvez seja pior, no contexto de uma comunidade de irmãos – onde todos são iguais – é algo descabido e afronta as relações fraternais frequentemente apregoadas em nossas mensagens.
Postulo que da mesma forma que queremos influenciar a sociedade – em sua diversidade de organizações, comunidades e formas – com nossas boas e inspiradas práticas, devemos aprender e assumir as boas práticas propostas e desenvolvidas pela sociedade, como é o caso da lei em pauta que nada nos impõem pelo rigor e direcionamento, mas tudo nos impõem pelo teor moral e sugestionamento. Assim, vejo que a igreja, enquanto instituição de caráter coletivo, precisa se submeter a este clamor social pela transparência para que o nosso próprio clamor como igreja, dirigido a outras questões, não seja conflitado com a nossa incoerência.
No caso dos cristãos congregados/membros, solicitar informações da instituição da qual fazem parte não pode ser uma situação que beire ao constrangimento e nem ser interpretada como um ato de rebelde desconfiança; mas esta solicitação deve ser acolhida como um direito de quem é parte, de quem é comum à comunidade, de quem é irmão/associado, de quem é corresponsável. Somos todos Igreja, somos todos um, somos todos, totalidade. Qualquer atitude que viole ou limite meu direito de ser igreja (de viver em comunhão fraternal com Cristo e com os irmãos em pé de igualdade na congregação), de ser um (de saber que vivemos uma unidade de vínculo e propósitos) e de ser totalidade (de me sentir inteiro, completo e parte da soma cujo resultado é o cristianismo), qualquer atitude que viole o que somos é um ato diabólico, do grego “diábolos”, que significa “que desune”.
Assim é inadmissível que os membros de uma determinada igreja não sejam participados e cotidianamente inteirados de todos os movimentos contábeis e administrativos. É incabível que algum membro, que esteja pelo menos seis meses congregando em uma determinada igreja, não tenha em mãos o Estatuto Social desta igreja. É inconcebível que as atas das reuniões da Diretoria e os relatórios financeiros mensais das igrejas não sejam afixados e mantidos no mural destas e à disposição de quem quer que os requeira. É implausível que apenas alguns “escolhidos” tenham acesso às informações do rito administrativo das igrejas ou, que estas informações sejam filtradas, para só depois do crivo e dos vetos, serem, inconsistentemente, comentadas.
Para finalizar, creio que a transparência é bênção e gera mais responsabilização para todos que participam de uma determinada instituição. Creio que, como pastores, devemos dar este importante e pedagógico passo. Muitas igrejas já cumprem parte desta agenda de transparência que mencionamos, mas muitas outras negam discuti-la e, principalmente, cumpri-la. Para as igrejas que negam discutir e implantar uma salutar agenda de transparência deixo uma pergunta à guisa de não concluir: O que motiva não ser transparente?
(Márcio Greik Viana – 1° secretário do Conselho de Ministros Evangélicos de Catalão – Comec), pastor, teólogo e professor)