Opinião

A realidade é semente mofada

Diário da Manhã

Publicado em 11 de janeiro de 2017 às 01:36 | Atualizado há 8 anos

“Uma mentira nunca tem mais êxito do que quando coloca em seu anzol, como isca de peixe, algo de verdade” (Morya)

 

Mal abriu e o calendário de 2017 e a essência dos fatos sorri das aparências. A nulidade ética estrutura manchetes que contam da exclusividade da flor de lótus da moral em meio ao pântano das vaidades, erva daninha que cobre o quintal da contemporaneidade–metamorfose decadente–movida ao sabor do mundo material efêmero engendrado pelo sistema capitalista pouco dialético, bastante violento e muito desigual. A promoção da vida – parcelada–ultrapassa por um fio o valor da morte–à vista–no calor da correria cotidiana. Mais que um simples conceito moderno a viabilidade da verdade é semente mofada, alma caída no terreno das ilusões pós-modernas onde a semiótica subtrai a significância do sujeito e o significado do seu construto. A lógica do lucro apregoa o ter – a qualquer custo – sobressai-se ao ser embebido na histeria da crença–sem poder de cura–advinda da religião que rumina a religiosidade. A partir dos dedos ‘endemoniados’ na tela do iPhone e a liberdade alcançada, a partir da prisão aos teclados, a compulsão pelo consumo dá fôlego à mercantilização de verdades lícitas e ilícitas. A ‘old fashioned’ tática da penalização do sujeito define o controle social, estabelece a vida ou a morte dos que dependem de sorte, hora e local, ainda do poder de participação no consumo da sociedade trespassada pelo fetiche do mercado das nulidades quando “a reputação depende mais do que se esconde do que daquilo que se mostra” (GRACIÁN, s/d).

O corredor polonês de um mundo em guerra estabelece a sociedade ‘líquida e volátil’ segundo o filósofo Bauman, falecido há três dias. E o Brasil ‘vai bem, obrigado’ à gestão, açodado em corrupção. Tradicionalmente a Terra de Cabral, católico-escravocrata, açoitada no chicote de coronéis patrimonialistas segue tocada a chicote, dependência e hipocrisia de uma elite historicamente golpista que fomenta o lucro dos bancos transnacionais financiados no discurso dos carcarás ‘de plantão’, saúvas da Nação predadores da democracia e das liberdades. Enquanto o ‘status quo’ do cartão de crédito dá o tom dos valores estruturais estruturantes do planeta mundializado, cientistas políticos–videntes da conjuntura capitalista–jogam as cartas no tocante a políticas públicas imediatistas que tapeiam sobreviventes de uma terra dizimada pela moral comprada e vendida que, neste momento, estabelece em troca de armas, drogas e poder o valor, também o tamanho da vida de crianças expulsas de seus lares e países. A História passa a valer centavos da ética historicamente escondida sob o véu do lucro sugado do suor do trabalhador pelo vampiro do consumo–‘capetalismo selvagem’–cujo retrato em 3×4 revela a face da logística lucrativa e covarde da degradação da (des) humanidade.

A ordem e progresso, positivista, reflete-se no espelho das iniquidades promessas de velhas e velhos virgens, coroinhas de plantão que avisam pelo badalar do sino sobre o último trago da moral. Aquários sociais escondem velhas inquisições das prostitutas do poder – amotinadas nas Torres de Babel – de instituições sobreviventes aos séculos passados. Movidas no poder de reza do compadrio, favorecimento de pelegos e bajuladores, a novena e o rosário das videntes de um olho só dão o tom de uma procissão atropelada pelo andor da gestão municipal. A manchete dá conta de posses, cargos e salários, conchavos e promessas de emprego, manobras da politicalha apequenada em corredores que asseguram o patrimonialismo engendrado pelo carimbo fulminante do exército de reserva enquanto ferramenta (des) humana de manobra estabelecida no tabuleiro de xadrez em que se tornou o grande capital. Erguido a partir das capitanias hereditárias–em voga nos dias e gestões atuais–o terreno fértil da semente apolítica do apadrinhado denuncia a nulidade da participação popular a qual é incapaz de alcançar mais que o terminal rodoviário – curral urbano do gado moderno aviltado em direitos. O senso comum ou massa amorfa vaga incapaz de discernir entre a dúvida da falácia e a certeza da febre: “Por que não fenecem as elites dominadoras ao não pensarem ‘com’ as massas? Exatamente porque estas são o seu contrário antagônico, a sua ‘razão’, na afirmação de Hegel. Pensar ‘com’ elas seria a superação de sua contradição. Pensar ‘com’ elas significa já não dominar” (FREIRE, 1977).

Na arena das contradições a ração minguada do trabalhador mal alimenta o sujeito, sustenta-se na dinâmica da moral nanica. Partidos anões tomam para si cargos e dinheiro público lavado e levado em malas do crime organizado que financia a mídia do retrocesso. O enterro concorrencial das liberdades afunila o poder de participação do proletariado, torna evidente que “a ruptura revolucionária não saberia se concluir com o ato insurrecional que oferece o poder político ao proletariado. Pois o povo não quer uma sociedade nova, mas uma sociedade impossível, sem outro laço que a igualdade diante do solo e da máquina” (A lógica dos orientais, 1983, p. 103). A universidade a distância dita o mercado educacional ‘fast food’ quando, a olhos nus, gerencia ‘educadores’ também formados a distância, longe da forma de ensinar estabelecida no conceito de Paulo Freire que alerta aos leigos: “As codificações não são ‘slogans’, são objetos cognoscíveis, desafios sobre o que deve incidir a reflexão crítica dos sujeitos descodificadores” (1977, p. 128).

Pelego, o Estado carimba processos, encaminha o trabalhador ao corredor da morte lenta, perpetua primeiras-damas, exala o cheiro da tramoia no chá das cinco, fomenta a cultura estrangulada no elitismo, promove o silêncio cego da incompreensão de que: “Cultura é um conjunto de mecanismos de controle–planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros da computação chamam de programas)–para governar o comportamento” (Geertz, 1989, p.56). O modelo de gestão apadrinhada–política tradicional patrimonialista, segundo Max Weber – delimita a política dos mortos vivos que insistem em perpetuar sua trupe no poder, o que Marx define como “a tradição de todas as gerações mortas que oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” (1978, p. 271). Se ‘tudo que é sólido desmancha no ar’, o mercado traz a notícia cultural de que o barbudo alemão – carrasco das senhoras que se livram dos pecados em confessionários do padre ou na falácia da salvação do pastor – quem diria, também virou mercadoria cinematográfica destinada à obtenção da mais valia. “Mas o consumo é também mediador da produção ao criar para os produtos o sujeito, para o qual são produtos. O produto recebe seu acabamento final no consumo” (Marx, in Os Pensadores, 1991, p. 9).

E o pulso, ainda pulsa!

 

(Antônio Lopes, escritor, filósofo,mestre em Serviço Social, pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás;

aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)

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