A utopia existe

“Amai a vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem nada esperar em troca” (Lc. 6:35)

Perante este título “A utopia existe”, eu quero dizer com isto que a palavra utopia é um desejo de transformar sonho em realidade. O primeiro utópico foi Deus mesmo, que planejou um mundo onde deveria haver reinado o amor, a justiça social, a solidariedade entre os homens e a paz, o respeito recíproco, a comunhão de bens, etc… Como homem, se afastou dessa realidade, Deus Pai amou tanto a nós que enviou seu próprio filho para dar-nos outra oportunidade de executar sua utopia, Este nos deixou uma receita maravilhosa para cumprir este sonho, que é amar e fazer o bem sem esperar nada em troca, e que a manifestação máxima deste amor chegaria a amar até nossos inimigos.

Hoje vivemos num mundo secularizado e interessado onde valemos o que temos, e não o que somos, onde quando alguém se aproxima de nós, pensamos que é por algum interesse, e não pela causa verdadeira que é se aproximar de nós.

Jesus foi utópico, se tomamos a etimologia da palavra utopia criada por Thomas More (1516), onde imaginou uma cidade perfeita, onde tudo era puro e novo, e funcionava a perfeição. Sim, assim entenderíamos as palavras de Jesus, quando nas bem aventuranças nos disse que os puros de coração verão a Deus e que o maior ato de perfeição é amar os nossos inimigos. Ser utópico é ser positivo, como foi Jesus. Olhem o que nos ensina São Paulo em sua segunda carta a Coríntios “…como desconhecidos, mas sendo bem conhecidos; como moribundos, embora vivamos; como castigados, mas não mortos; como tristes, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo muitos, como quem nada possui, mas tendo tudo”. (II Cor. 6:9-10)

Ser utópico é imaginar um sonho feito realidade, é mudar o mundo, sua mentalidade e sua visão das coisas. Ter utopias é ter um bom senso e ter um bom diagnóstico das coisas, mas com a intenção de querer e saber superar os desafios e obstáculos que atravessam em nosso caminho.

O sinônimo de uma pessoa utópica é aquela que tem esperança, e o antônimo é aquela que carece de sonhos. Ser utópico é ver as coisas como gostaríamos que fossem.

Jesus queria que amássemos os nossos inimigos, e isto é a perfeição da perfeição, a maior expressão de que cresçamos espiritualmente. E se chega a sentir isto quando experimentamos na própria carne a dor da cruz e a alegria da ressurreição. Os próprios discípulos do Senhor Jesus só entenderam isto, em toda sua dimensão, depois da vinda do Espírito Santo. E os Santos Padres, como no caso de Santo Agostinho, iluminados pelo Espírito explicaram o que significa amar os inimigos.

“Então, sim, ao amares a teu inimigo, estás a amar um irmão. É esse o motivo que o amor ao inimigo é a perfeição da caridade, já que a caridade perfeita consiste no amor aos irmãos. Ama e fazes o que quiseres; se te calas, cala-te por amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corrigires alguém faça por amor. Pois é preciso amar o homem e não o seu erro. O homem é obra de Deus, o erro é obra do homem. Ama a obra de Deus e purifica as obras do homem. Se existe o inimigo é porque existe o erro. Retira o erro e ao em vez de enxergares um inimigo, contemplaras um irmão.” (Santo Agostinho, bispo de Hipona)

E Santo Irineu, a respeito disse: “…quanto mais próximos estamos de Deus pela oração, menos inimigos teremos, pois já os vemos como irmãos”.

Aqui cabe uma meditação, se tomamos o princípio do que nos ensinou o pensador libanês Kalil Gibran: “Que o progresso é a realização da utopia.” A pergunta é quanto progredimos em nossa vida espiritual desde que recebemos o ensinamento de Jesus de amar os inimigos, e se esta utopia é possível? A resposta com certeza infelizmente a maioria de nós nos encontraria em uma realidade muito dura, onde não só muitas vezes não sabemos amar nossos inimigos, mas também aos que nos ama.

A utopia de Jesus é possível, sim é realizável, mas Ele precisa de executores, de pessoas que tenham a vontade de serem instrumentos do plano divino, para fazer um mundo melhor baseado no amor. A utopia existe enquanto nós permitimos que Deus, nosso ideal haja em nós, e faz em cada um de nós um instrumento da sua utopia.

E lembremos que “arte é aquilo em que o mundo se transformará, não aquilo que o mundo é”. (Karl Marx)

Construamos juntos, de modo que a ideia se transforme em algo real. A utopia existe, o amor vence.

(Padre Rafael Javier Magul, pároco da Igreja São Nicolau de Goiânia e São João Batista de Ipameri-GO, [email protected]. [email protected]. Facebook: Igreja São Nicolau go)