Acrobacias no espaço entre tucanos e gaviões
Diário da Manhã
Publicado em 4 de agosto de 2018 às 22:47 | Atualizado há 7 anos
Por vezes não se percebe a diferença ou semelhança que há entre os pássaros e os homens. O papagaio, por exemplo, se destaca como hábil imitador da fala humana. Não fosse utilizado apenas para diversões banais, poderia ser também um bom carteiro como o são os pombos-correios. Já a águia, que voa mais alto, representa a ambição pelas grandes alturas, à semelhança dos homens de altos escalões. Orgulhosa como é (à imitação dos prepotentes), não se mistura com a galera de baixo nem se agacha para colher alimentos caídos no chão. Daí a expressão latina: “aquila non caput muscas” (a águia não apanha moscas). O urubu por sua vez, mesmo galgando as alturas para ver longe, está sempre de olho no chão onde busca restos mortais com que se alimenta. É por isso reconhecido como agente de utilidade pública para a limpeza ambiental.
DO VOO DE ANDORINHA
O notório poeta goiano José Décio Filho, da estirpe dos Balduino de Posse, em seu livro “Poemas e elegias”, decanta o voo de uma andorinha altaneira que se exibia sobrevoando numa praça em ousadas acrobacias, para afinal recolher-se numa torre solitária sem receber nenhum aplauso. Diz assim em versos: “Manhã cheia de pássaros cantando / na fronde fresca / das jabuticabeiras dadivosas. / À tarde, no ar lúcido da praça, / uma andorinha plaina bem alto / e desce como uma flecha / para pousar mui tranquila / na torre cinzenta da igreja. / Ninguém aplaudiu! …” Envolvidos em seus problemas cotidianos e só olhando para o chão, os homens nem percebem a arte de voar das andorinhas acrobáticas.
DOS GALOS DE BRIGA
Parece que ninguém mais olha para o alto onde plainam os pássaros voadores, que acabam pousando solitários sem os merecidos aplausos da multidão. Cá entre nós, nas praças agitadas das aldeias goianas, nesses dias de fofocas e intrigas eleitoreiras, as atenções e os olhares dos candidatos em competição estão voltados para o chão à busca de puxarem os tapetes uns dos outros, arrastando asas como galos de briga no terreiro público. A praça já não é do povo – como queria Castro Alves – assim como o céu é do condor. Já destruíram a imagem da modelar ágora grega, onde as pessoas se reuniam para discutirem suas ideias, daí o surgimento do modelo de democracia como poder que vem do povo (demo = povo, cracia = poder). Não há democracia sem ideias e sem participação popular. O poder que não emana do povo não é poder, é prepotência.
TUCANOS E GAVIÕES
Depois de separadas as brigas de galos, depois de desfeitas as competições rasteiras na praça, é que o povo verá no alto o pássaro-condor inteligente pousado no galho mais seguro. Por enquanto, o que se vê é uma revoada de turbulência e de passionalidade entre tucanos e gaviões, em lugar do ensaio de voos competitivos. Os pássaros guerreiros estão afinando suas garras e armando-se de unhas e bicos com seus apetrechos de guerra. Certamente chegará o momento da racionalidade, em que os espectadores olharão para cima e entenderão as acrobacias do pássaro que voou mais alto e que será o ganhador da competição (entre tucanos e gaviões) que se debatem nos beirais do encantado palácio do poder. Sem dúvida já há ornitólogos preparando-se para empalhar os pássaros abatidos, que ficarão como vítimas na história.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: evn_advocacia@hotmail.com)