Adeus Londres, voltaremos!
Diário da Manhã
Publicado em 6 de dezembro de 2017 às 22:24 | Atualizado há 7 anos
Havia uma enorme expectativa, tanto minha como e, principalmente, por parte de Marilia, para esta visita a Londres; lá em casa traçamos os planos sobre o que fazer, aonde ir, quais prioridades e, principalmente, voltarmos aos lugares onde nós dois estivemos há mais de quarenta anos e que tanto comentávamos em nossa casa.
Estive várias vezes em Londres, porém, esta viagem tinha uma motivação diferente das outras; era a segunda vez que a visitava depois da publicação do meu livro – “Couto de Magalhães, o último desbravador do Império” e uma das razões desta nossa viagem era solidificar algumas informações a respeito das andanças do biografado pela cidade, a fim de tentar publicar uma segunda edição do livro, com alguns acréscimos pontuais.
O personagem biografado naquele livro, Gal. José Vieira Couto de Magalhães, vivera durante quatro anos em Londres (1876-1880), tendo escrito um diário: “Diário Íntimo”, ao qual tive acesso pois foi publicado no Brasil pela editora Cia das Letras em 1998 relatando suas atividades empresariais (tentava conseguir um empréstimo para a construção de uma estrada de ferro no Brasil), suas andanças, suas moradias e suas aventuras amorosas.
Por ter morado em Londres na década de 1970 (como já mencionei em outros textos publicados neste espaço), entusiasmei-me com as descrições feitas por Couto Magalhães; quase todas as ruas citadas naquele seu diário que foi publicado, eram minhas conhecidas e, algumas delas, faziam parte do meu itinerário diário.
“Percorremos, Couto e eu, as mesmas ruas, fomos aos mesmos teatros, às mesmas livrarias, aos mesmos parques e jardins, navegamos juntos pelo rio Tamisa; parece que nada mudara na querida Londres, naquele interregno de tempo de quase 100 anos!” (excerto do livro acima citado).
Nesta viagem de agora planejei voltar àqueles endereços mais importantes por ele citados, principalmente ao local onde ele morara por mais tempo, onde morara sua namorada Lily, a casa dos banqueiros que ele frequentava e, principalmente, a antiga embaixada do Império do Brasil.
Qual a razão deste meu encantamento por Londres, perguntou-me um dia um dos meus filhos; acho, respondi-lhe,
– Que Londres é a única cidade, por si só, capaz de provocar ciúmes na sua mulher!
Algumas outras cidades são superiores a Londres em algumas particularidades; Paris é, indiscutivelmente, mais bonita, mais alegre e leva-nos a pensar que a vida é sempre cor de rosa; Roma é mais amigável, seus habitantes são mais brincalhões, levando-nos a pensar na necessidade de viver o dia de hoje, pois, “o minuto que passou não volta mais”, o Rio de Janeiro tem a natureza falando a seu favor; em Nova York a vida é mais excitante e sugere que tudo que aconteça no mundo, deverá passar por ali, porém, na somatória das qualidades e defeitos, Londres supera todas elas.
Não se cogita visitar Londres sem voltar a andar nas imediações dos seus símbolos, mesmo que isto esteja acontecendo pela enésima vez:
– O Big Ben (mesmo parado, como agora), a Casa do Parlamento, a guarda real de Buckinghan e o Rio Tamisa; sei que muitos dirão, e os Parques? E a Torre de Londres? E o Piccadilly? E a catedral de Westminster? Se quiserem posso acrescentar a esta lista a Trafalguar square com a Galeria Nacional, a Oxford circus e a Regent street, os museus e as galerias de artes, os teatros, enfim, todo o feitiço de Londres não caberia no espaço desta crônica.
No entanto existe uma entidade que polariza a atenção dos ingleses; são os Parques e os jardins; são enormes espaços abertos, várias dezenas e em várias regiões da cidade, chamados de “pulmões de Londres”; para se ter uma pálida idéia da sua grandiosidade, o Hyde Park e o Kensington Garden, somados, correspondem a mais de dois quilômetros quadrados de área verde.
Antigamente estes Parques eram os locais onde a Monarquia promovia suas famosas “caçadas às raposas”; hoje, a maioria deles está localizada no coração de Londres, portanto, sem condições de se manter aquela tradição, porém, existe um espaço onde os ingleses se divertem, é o “Hyde Park speaker corner”, localizado em um canto do Hyde Park; ali, aos domingos, uma multidão se reúne para ouvir “oradores” fazerem discursos trepados em caixotes.
Pode-se falar mal de todo mundo (político, principalmente), só é proibido falar mal da rainha (pois ela é a proprietária de todos os parques da cidade)..
Estando em um destes jardins, tente não observar os casais de namorados trocando juras de amor, abraçados na grama, provavelmente as mais audaciosas cenas em exibição ao ar livre em toda a Europa; procure olhar os gerânios, as petúnias, os narcisos silvestres e as tulipas formando canteiros multicoloridos.
É inacreditável o amor dos Ingleses pelos jardins; se ele não tiver espaço para ter um em sua casa, certamente ele o fará no parapeito da sua janela.
Para deixar bem claro este atavismo pelos jardins, conta a história que a Rainha Carolina, na época esposa de George IV, um dia perguntou ao Primeiro Ministro qual seria o custo para trazer de volta o Park St. James, para uso exclusivo da Monarquia. O primeiro Ministro teria respondido: – Somente a sua coroa, Madame!
Acrescentaria que a síntese de tudo o que dissermos a respeito de Londres corresponderia a quatro predicados: Beleza, charme, tradição e glorificação do passado e, principalmente, respeito à individualidade das pessoas.
A causa desta síntese? A coroa Real, que há séculos domina os sentimentos dos ingleses, como podemos perceber nesta bela passagem (resumida e em tradução livre) da peça “A tragédia do Rei Ricardo II – William Shakespeare”:
Este real trono de Reis/ Esta terra de Majestades/
Este outro Paraíso/ Esta abençoada terra/
Esta terra, este reino/
Esta Inglaterra…
Hora da despedida! estávamos nas imediações da Oxford Circus, local emblemático para Marilia e eu (já contei esta história em outra crônica de viagem!), estávamos perto do Hotel e continuamos nossa caminhada fazendo as últimas observações sobre a cidade de Londres; como nosso horário de vôo do dia seguinte era muito cedo, achamos prudente jantarmos no próprio hotel; aliás, foi a melhor coisa que fizemos, não só pelo ambiente maravilhoso, mas, também, pela ótima comida; digna de uma despedida feliz!
Vestimos nossos melhores trajes e descemos para o bar, enquanto aguardávamos que desocupasse a mesa que havíamos reservado; pedimos dois “martinis”, levando em consideração que não se deve tomar nada muito forte, como aperitivo, se estamos planejando, como estávamos, tomar vinho na refeição; lembrei-me e repeti para a Marilia o que escreveu o norteamericano Fitzgerald em “A Festa de noivado”:
– Eles beberam cocktails antes do jantar, vinhos como os franceses, cerveja como os alemães e whiskey como os ingleses.
Já sentados à mesa, procuramos subsídios do maitre para escolhermos o prato; sugeriu-nos um cordeiro, segundo ele, o seu preferido do dia; após acordarmos com a indicação, o somelier se aproximou e passamos a discutir qual vinho escolher.
O cordeiro, como sabemos, é uma carne versátil para se acompanhar de vinho, de preferência um tinto; indagamos a respeito de um Zinfandel; o somellier da casa não era do tipo “snob” como frequentemente costuma ser, apoiou nossa indicação, com uma expressão usual aos bons profissionais:
– Grande escolha, será um fantástico vinho, aduzindo – Vocês escolheram a uva, agora eu escolho o vinho!
Sugiro Rabbit Ridge e acrescento, se ainda não sabem: – Todo vinho Zinfandel tinto iniciado com a letra R ou terminado em Elli é bom.
Abriu o vinho, serviu minha taça com uma “lágrima” de vinho que praticamente banhou somente o seu fundo e postou-se, com dignidade profissional, ao lado da mesa com a garrafa na mão, esperando meu teste gustativo; antes que fizéssemos qualquer movimento, deu-nos outra “dica”, piscando o olho com certa intimidade:
– Se o senhor, por qualquer motivo, deseja impressionar ou homenagear o seu convidado, olhe sério para o somellier e diga com polidez, porém com convicção:
– Acho que o vinho necessita de um pequeno tempo de descanso para se acostumar com a taça e um prazo, com a garrafa aberta, para transpirar!
Com este jantar maravilhoso, despedimo-nos de Londres; no dia seguinte voltaríamos para o Brasil.
(Hélio Moreira, da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)