Opinião

Aja como se já fosse aquilo que deseja ser

Diário da Manhã

Publicado em 27 de novembro de 2016 às 00:46 | Atualizado há 8 anos

O Brasil quer ser primeiro mundo, mas age como insignificantes colônias do terceiro escalão.

Honestamente, não faço a mínima ideia da presença ou ausência da legalidade no impeachment de Collor. Eu era  jovem, não entendia nada do direito, e até poderia fazer uma pesquisa, analisar os fundamentos para dissertar sobre o assunto, mas não o farei. É irrelevante para um país que passou décadas sem voto numa ditadura, e que tem o século passado marcado por uma sucessão de golpes de estado.  É mais eficiente trocar por uma pergunta:

Qual foi o último impeachment ou golpe nos países europeus ou nos Estados Unidos? Qual foi o último impeachment ou golpe registrado no Canadá? Enquanto tentaram dar um ar de  civilidade ao impeachment ou golpe no Brasil (tanto faz), quem se lembrou de perguntar em que país do mundo isso é normal, corriqueiro ou irrelevante?

Não é verdade que franceses, alemães, espanhóis, americanos, canadenses, australianos… tenham sido sempre felizes com seus governos. Eles tiveram governos bons e ruins, mas ninguém recorreu, nrm nos piores momentos, a um recurso tratado aqui como se fosse um simples detalhe na biografia de um país que pretende figurar entre os democráticos.

O Brasil entrou no século XXI como uma promessa. ganhou na primeira década um detalhe aparentemente pequeno para quem não sabe reconhecer o valor: grau de investimento. Este pequeno detalhe é o que faz um país merecer os olhares do mundo. O Brasil entrou,  também na primeira década, no clube dos que merecem ser rankeados na educação, coisa que nunca tinha sido.  Na segunda década saiu do mapa da fome, mais exatamente em 2012, detalhe também irrelevante aos olhos do brasileiro mediano.

Em 2014 houve uma sucessão de detalhes irrelevantes para o brasileiro médio:  de possibilidade de investimento, tornou-se o quarto maior destino de investimento produtivo no planeta, o que significa confiança dos investidores estrangeiros na condução econômica que se fazia. Foi o ano de menor desemprego da História, registramos pleno emprego quando os melhores países registravam desemprego crescente. Foi o segundo país em reservas cambiais, uma das menores dívidas públicas, o maior conjunto de obras de infraestrutura já coordenado por um governo… detalhes irrelevantes para o brasileiro médio que se já era incapaz de verificar  e entender tais indicadores de crescimento e respeitabilidade, como esperar dele a percepção dos estragos que causariam ao país o licorzinho que fizeram parecer o tal impeachment?

O brasileiro médio tem aversão a Cuba, mas não entendeu que em tempos de globalização, olhar o significado de suas escolhas aos olhos do mundo seria no mínimo um ato de bom senso. Ocorre que o alcance do olhar do brasileiro médio não foi treinado para enxergar o mundo. Impeachment ou golpe (outra vez tanto faz) parecia ser coisa nossa, tão natural quanto o “jeitinho brasileiro”.

Não era. Não foi. O mundo, este que já havia minimizado o filtro para nos permitir entrar sem coiotes e com dignidade em solo americano, que nos via pela primeira vez não como estorvo, mas como mercado consumidor em solo europeu, que recebia nossos dois últimos presidentes com tapetes vermelhos, com direito a lugares de destaque ao lado de rainhas ou presidentes mundialmente prestigiados, que desfilavam sobre togas estendidas… o mesmo mundo que enviou vice-presidente americano para um beija-mão diplomático ao nosso país, beijo inédito onde a presidente brasileira entrava com a mão e o vice americano com os lábios… este mundo abismou-se ao nos descobrir outra vez lançados ao abismo onde habitam as infelizes e primitivas nações que aceitam impeachments como se fosse um cafezinho que se toma no bar da esquina. Quem é bem informado se lembrará de cada ato citado neste parágrafo e sabe que falo a verdade.

O brasilelro médio não ruboriza diante da condenação do mundo. Ao contrário, parece orgulhoso, sem suspeitar do significado dos manifestos de protestos vindos do outro lado do Atlântico. O brasileiro médio nem se deu conta. Também não estranhou o cancelamento das visitas diplomáticas, da visita do Papa, nem de todos os chefes de estado que deram as costas para o Brasil.

O brasileiro médio acredita que a vida segue quando o Brasil atravessa um impeachment, e chega a sentir otimismo, a acreditar que o Brasil ficará melhor.

O brasileiro médio, nem faz ideia do abismo que cavou sob seus pés, não se constrange ou não identifica o caos econômico e social que se alastra desde os rumores de impeachment que começaram em 2013 e se confirmaram em 2016. Ele não entende a gravidade, não sabe que a única saída que nos colocaria novamente nos trilhos da reparação seria a anulação deste ato dantesco que nos fechou as portas do respeito mundial.

O brasileiro médio, aliás, repele com horror quando falamos da possibilidade de anulação do impeachment pelo STF com retorno da presidente eleita em 2014 que tem poder constitucional para reverter todas as medidas que nosso Congresso vem tomando e estarrecem o mundo lá fora, o mundo que ele não enxerga.

O brasileiro médio quer um país melhor, mas aje como povos ignorantes em relação à política, que vivem na miséria imposta pelo novo estilo de colonização, a colonização branca que torna os colonizados aliados dos colonizadores.

O brasileiro médio revelou-se, em 2016, simplesmente medíocre.

 

(Míriam Moraes, jornalista especializada em política, escritora e pedagoga, autora do Livro “Política – como decifrar o que significa…” e do curso online “Política – por Míriam Moraes”)

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias