Bonitões da bala Chita
Diário da Manhã
Publicado em 7 de janeiro de 2017 às 01:29 | Atualizado há 8 anosNo auge da crise atual, assistindo ao vídeo onde um Senador, acossado pela turba revoltosa que esperava dele explicações sobre danoso projeto governamental que apoiava, fingia dialogar ao celular para se safar da pressão momentânea, deixando os achacados a ver navios, uma figura do Bonitão, de tempos idos, veio à baila. Saiu do tempo em que eu ainda “militava” em sala de aula. Essa alcunha, é bom que fique claro, foi-lhe dada menos pelos dotes físicos, que eram parcos, que por razões óbvias a seguir dedutíveis.
Mas o político do vídeo citado, além de se achar o verdadeiro Reymond Cauã – na verdade um reles reizinho coroado de cãs -, ainda abusava da jactância que lhe é inerente. Abstinha-se a Excelência, com o seu ato insolente, de pensar que muitos, excetuando os manifestantes no local presentes, foram que o sentaram confortavelmente numa cadeira do Senado. E tanto o Bonitão ali acossado no manifesto dissimulou a comunicação monológica ao celular, gastando o máximo de tempo possível no solilóquio, que cansou (e ofuscou) a social beleza dos que ali se indispunham contra a eminente vossa excelência.
A verdade é que a seara política é rica de verdadeiros “Bonitão da bala Chita”, expressão ora retirada do túnel do tempo, muito utilizada como troça para designar aquele que se fazia de tal, o rei da cocada preta, ou se achava bonito no sentido literal. A bala Chita, esbranquiçada e grudenta, vinha embrulhada em papel amarelo, onde se via a cara de um símio sorridente, alusão à macaca companheira do Tarzan. Se pensarmos que os Bonitões da política grudam ao poder e passam o mandato inteiro fazendo macaquices ao invés de fazerem alguma coisa de sério, a comparação cai como uma luva.
Recentemente um “Bonitão da bala Chita” contumaz, depois de intimado pelo Supremo Tribunal Federal a se retirar da presidência de importante cargo público, por maracutaias e conluios com outras laias, driblou o Oficial de Justiça e demais Ministros, mandando o recado peremptório de “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E ficou o dito pelo não dito. O certo é que vivemos em campo minado de Bonitões da bala Chita, tipos presunçosos que não se enxergam. Não raro – o meio jornalístico é pródigo de exemplos – um mais “atirado” na incontida verborragia, por excesso de boniteza, acorda (creio não ser o termo certo) rodeado de flores…
Mas voltemos ao Bonitão por mim lembrado no início. Também este, que era docente de uma escola da periferia, não tinha nada de atributos físicos. Trivial em relação aos padrões de beleza masculina. No entanto, talvez por ser o único desimpedido (até que se descobriu a verdade) no meio das tias desamparadas, tornou-se um espécime rara do pedaço, tipo garanhão sangue puro, para o deleite das carentes afetivas da nobre hierarquia escolar.
Assim como o político, o professor Bonitão beneficiava-se de foro privilegiado, com a diferença de que aquele tem as prerrogativas em lei. Alardeava aos quatro ventos que seu único mimo era a mãezinha doente a acamada, que merecia cuidados especiais de filho. Puro embuste. A verdade aludida e descoberta é que o garanhão tinha família constituída, tudo como manda o figurino, com esposa e filhos. E lá se via ele em volta com os seus horários privilegiados, dizendo que era para cuidar da mãezinha que se via nas últimas, coitada!
O apíteto Bonitão, que hoje em dia cabe adequadamente a tantos boçais que se põem em conta de celebridades, seja na vida real ou nas redes sociais, no presente caso, veio por intermédio do professor de Biologia, depois de sofrer certa contrariedade, o que não demonstrava com facilidade, muito polido e resignado que era. Ocorria que não era dado a reclamar suas contrariedades e se deixava levar resignado feito um boi rumo ao abate, se conclamado a cobrir as aulas do faltoso Bonitão, sacrificando estoicamente suas “folgas de estudo”. Limitava-se a dizer:
– Já se foi o Bonitão…
A par de a vaidade ser inerente ao comportamento humano, quando descamba para o achismo, é ridículo. Um Bonitão nunca se enxerga, não liga o desconfiômetro. Vê-se – não vendo que pessoas perspicazes o veem démodé – como o tal, o rei da cocada preta. Longe de admoestações, acobertado por terceiros, sempre costura um jeitinho de se dar bem, desconsiderando quem prejudique.
Ao contrário, notáveis pessoas que seriam justificados Bonitões, dignos das mais altas loas, eivados de altruísmos e predicados que os credenciariam a certas prerrogativas, abstêm-se de aparecer, ficando humildemente no anonimato. Para um Bonitão, no entanto, tirar proveito em benefício próprio é o que é bonito. Envolto de prosápia, desconhece (ou finge desconhecer) que, na ótica dos perspicazes e prevenidos, não passa de um ser ridículo e antipático. Para os basbaques e incautos, porém, é um profícuo Bonitão.
(Joaquim de Azevedo Machado, professor e escritor – [email protected])