Concurso público com “cartas marcadas”?…
Diário da Manhã
Publicado em 22 de agosto de 2018 às 03:23 | Atualizado há 7 anos
Nas minhas reminiscências, vem-me à mente, sempre, que eu havia feito a promessa de não submeter-me a nenhum concurso público, enquanto tivesse de exercer a advocacia e não dispusesse de tempo para estudar plenamente. Mas – há sempre um mas -, era o concurso inicial da carreira de Juiz de Direito do recém-criado Estado do Tocantins.
A primeira coisa que constatei: o Edital não falava em exame psicotécnico, o que muito me animou. Eu havia sido reprovado em um psicotécnico fazia pouco tempo. Fomos (eu e Fátima, minha esposa) de fusca, numa viagem tranquila, até Porto Nacional, onde se realizaria a prova de conhecimentos teóricos. Naquele tempo não existia Palmas. Chegando naquela bela cidade à margem do Rio Tocantins, procuramos o colégio e, naquele lugar, coincidentemente, a primeira pessoa que vi, foi o Dr. Liberato Póvoa, então, Juiz de Direito, que orientava os concursandos. Franzino, ruivo, ora risonho, ora sério, olhar inteligente e terno, assim era o perfil do ilustre magistrado da região do Duro.
Era o ano de 1989, se não me engano.
Fiz a prova e, passado alguns dias, foi publicado o resultado em jornal. Meu nome estava na lista de aprovados, significando dizer, que eu iria submeter-me à prova prática. Ledo engano. Não se sabe (ou sabe-se?) por quais insondáveis desígnios e mistérios, havia sido designado um teste psicotécnico que não estava no programa. E para ser feito na mesma clínica onde eu havia sido reprovado fazia pouco tempo.
Este teste psicotécnico, de cunho meramente subjetivo, foi a saída encontrada para os realizadores do concurso ficarem à vontade para eliminar os candidatos “indesejados”. Indaguei sobre o psicotécnico e qual seria o perfil do candidato a ser aprovado. Responderam-me que era o contrário, o Tribunal de Justiça fornecia a eles o perfil do indesejado. Mas o exame, criado à última hora, dado à subjetividade, era apenas um pretexto…
Entristecido, estava conversando sobre o assunto com o Dr. Avenir Passo de Oliveira, então, Juiz de Direito de Alexânia e, imediatamente, prontificou-se o magistrado a ajudar-me na perlenga. À época, não haviam as infinidades de liminares de hoje. Exemplificando: Para conseguir uma liminar no Agravo de Instrumento era necessário impetrar um Mandado de Segurança. Dr. Avenir, então, rascunhou um excelente e judicioso Mandado de Segurança, o qual, enviei para a OAB de Palmas dar andamento. O “mandamus” não chegou a ser julgado. Dizem que alguns recorrentes conseguiram fazer “sub-judice” o restante das provas.
Alguns anos depois, a situação é outra. Hoje, o Judiciário do Tocantins conta com excelente quadro de juízes. Daqui de Corumbá de Goiás, dois notáveis advogados foram aprovados em concursos realizados no Tocantins e exerceram as funções: Dr. Emival Guimarães Sanches, foi Promotor de Justiça até o seu falecimento causado por acidente de veículo, quando vinha para sua residência em Anápolis e o Dr. Luiz Vagner Jacinto, que aposentou-se como Juiz de Direito, morando em Corumbá de Goiás.
No exercício das lides forenses em Brasília e Goiás, sempre havia muito contato com o Tocantins. Um ex-colega de escritório, Dr. José Laerte de Almeida, montou banca de advocacia em Alvorada do Tocantins e, hoje, está em Palmas. Um amigo muito querido, Francisco Borges da Silveira, conhecido como “Borjão”, foi eleito prefeito de Jaú e mora lá até hoje. “Toró”, filho do “Borjão”, outro dileto amigo, mora na cidade do Peixe. Vicente Cruz Filho, de família de Cristalândia, onde mora, é funcionário do Ibama e morou muito tempo em Alexânia, criado junto com meus filhos, é-me uma pessoa muito querida. Outro cristalandense, amigo inesquecível, era o Dr. Ruy, delegado de polícia que faleceu em acidente de veículo.
Para encerrar, narro um fato que envolve dois magistrados muito humanos e dos quais, nunca me esquecerei. Eí-lo: Certa feita, defendendo os interesses de dois fazendeiros da região do Entorno de Brasília, dirigi-me à cidade de Gurupi, onde se realizaria uma audiência cível. O ato judicial seria presidido por um juiz (Dr. Nelson, se não me engano) novo, porém, via-se nele serenidade, competência e muita inteligência no modo de se comportar. Éramos vários advogados de várias partes processuais. Dr. Nelson, em tom amável, indagou: “ – Quem é o Dr. Odálio?”. Disse: “ – Sou eu”. O juiz, então, explicou-me que estava curioso por conhecer-me, porque o Promotor de Justiça queria processar-me pela hipotética prática do crime de “patrocínio infiel”, previsto no artigo 355 do Código Penal. No entender do representante do Ministério Público, o fato de eu estar defendendo os interesses de Laudelino Roriz e de Antonio Gomes Roriz nos autos, caracterizava a prática criminosa. O sr. Promotor não fora minucioso, senão teria constatado que os interesses dos dois não eram conflitantes. E, ademais, eles estavam ali juntos, na audiência. O juiz, finalizando, disse-me que, havia sugerido ao sr. Promotor que esperasse mais um tempo e, enquanto isso, verificando o meu endereço profissional constatou que um juiz de Goiás que fora magistrado titular de Alexânia, Gurupi e de Colinas, poucos anos antes da criação do Tocantins, poderia me conhecer e dar informações sobre a minha pessoa. Esse juiz era o Dr. José Gonçalves da Cunha, hoje magistrado aposentado, o qual, além de dar boas informações, teceu-me elogios que eu não merecia. Curioso é que fiquei sabendo disso pelo Dr. Nelson. Nas vezes em que encontrava-me com o Dr. José Cunha, ele nunca falou-me sobre esse assunto.
O relato dos fatos, dado o lapso de tempo decorrido, é apenas um desabafo e um desencargo de consciência.
(Odálio Botelho, advogado, aposentado – odaliobotelhoadv@yahoo.com)