Das cavalgadas à estrada do “sal” ou “salineira”
Diário da Manhã
Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 21:56 | Atualizado há 7 anos
A Cavalgada, grupo de pessoas a cavalo ou marcha de soldado a cavalo, com fins belicosos, dicionarizada, está preservada em Mineiros, cidade de clima tropical e estações anuais bem definidas. Sua origem é o velho costume de conduzir gado bovino ou equino de uma fazenda para outra, os tropeiros, montados em cavalos ou burros, (no Nordeste o jumento é a característica), se acampavam, para descansar, pedir proteção divina para eles e os animais, mostrando uma atividade muito sofrida, fato ainda presente na vida de muitos brasileiros do meio rural, não sendo novidade os mulandeiros de Iporá, a “cavalgada dos primos” em Bela Vista, a de Porteirão, Palmeiras e Corumbá de Goiás, a de Buritinópolis, Jataí, Rio Verde, Chapadão do Céu e a presente no território brasileiro desde os séculos 17 e 18, quando chega em Goiás.
Mais de100 anos no Sudoeste Goiano e 80 deles em Mineiros, onde ainda é uma atrativa manifestação cultural em forma de passeio, presente e admirada no centro urbano a partir de 2010, já com um número de 300 animais e 5 comitivas, sendo que em 2017, segundo seus animadores Cássia Dunde, José Roberto Vilela Ferrreira (Do Coco) e “Zezinho do Arreio” (Zé Alfredo), já são 12 emblemáticas comitivas, vindas de todo Brasil, com aproximadamente 700 animais, mostrando uma manifestação cultural fortemente rural em que se destacam a organização, o animal, o arreio, o berrante, apesar do ‘sumiço’ dos chifres de boi, símbolo maior do campo e o bonito uniforme, comovendo a cidade.
Virou uma festa tradicional, sempre iniciada na Igreja São Bento, um dos cartões postais da cidade, percorrendo aproximadamente 7,5 km, com término no Parque de Exposição com o tradicional almoço da “Queima do Alho”, comida típica dos peões, composta por arroz carreteiro, feijão gordo, paçoca de carne e churrasco, feito num fogão improvisado, influência de Barretos, São Paulo, presente em Mineiros a partir de 2017. De tão ativa, a Cavalgada trouxe para a cidade as chamadas “Provas Equestres”, como laço e prova de tambores, levando Mineiros ao cenário de maior prova de Tambor do Brasil, realizada em rodeios, com aproximadamente 200 equinos, disputando grandes premiações, onde sempre aparece com aproximadamente 30 competidores de laço e 15 competidores de três Tambores que percorrem e disputam provas do país afora, devendo ser por isso, certamente, que a cidade já é considerada o berço da formação de conjuntos equestres, aqui estando seis centros de treinamentos equestres para as modalidades citadas.
Realizada por grupos de cavaleiros e amazonas, entre idosos e crianças, em geral da mesma família, a cavalgada é frequente nas Exposições da Agropecuária a quem se liga através do Sindicato Rural, que a ajuda na organização, patrocínio de premiações e outros incentivos que o agronegócio não perdoa. Suas antigas tradições vem sendo modificadas por algumas inovações da modernidade, como os modismos da cultura country, representada por vestuário exótico, com origem francesa, passada para o inglês americano, sem raízes ideológicas ou identificação em território goiano.
É um hábito fundado em vários motivos, entre os quais a devoção, estando por aqui, muito misturados, às vezes incompatíveis com o uso de bebidas, sob controle dos chefes de comitiva, além do religioso ou devocional, o cívico, o esporte, a diversão, transformando o assunto num verdadeiro enigma, para não dizer mistério, sempre causando impactos e grande admiração pública, sobretudo durante as Exposições Agropecuárias, onde se apresenta garbosa e imponente, desempenhando assim papel importante no setor cultural e comercial da cidade. Em nossos dias, não se compõe apenas por pessoas montadas a cavalo, burros, etc., mas acompanhada por pessoas conduzindo veículos motorizados, como carros de passeio, motocicletas e até caminhões, entre cavalos, burros, carro de boi, fantasiados a caráter, para, posteriormente, se reunirem em louvor a divindades, ou curtir ao som de bandas musicais, promovendo fé, amizade e outros sentimentos inexplicáveis.
Nomes de comitivas e seus chefes, são os mais curiosos. Natália (filha do Lera), Comitiva “Se não Aguenta Pula Fora”; Milken Carvalho, Comitiva “Rancho dos Amigos”; José Roberto Vilela (do coco), Comitiva “Aroeira”; Peru e Peruzinho (pai e filho), Comitiva “Treme Terra” (só de bois); Lucas (Lukão), Comitiva “Muladeiros”; Paulo Rogério, Comitiva “Burrão sem Freio”; Elder, Comitiva “Pinga Fogo”; Paulo Henrique, Comitiva “Três Barras”; Pedro Jorge, Comitiva “Deixa que eu Domo”; Maurício, Comitiva “Enverga mas não Quebra”; Alex, Comitiva “Tropa de Elite”; Chico, Comitiva “Veredas”; Cássia Dunde, Comitiva “Rancho das Américas”; e José Sávio (vereador), Comitiva “Direito de Viver” (beneficente, ajuda em leilões e ao hospital do câncer de Barretos).
Creio não poder esquecer o que chamo “Cavalgada da Pecuária”, característica das Exposições; a da Igreja do Santo Antônio, ao lado do PAVIP, onde se reza e é proibido bebida; a do fazendeiro Danilo Cruvinel, a de uma fazenda a outra, com pouso em Portelândia, onde “assunto rural”, de tão patente, é Festa de Carreiro e a imponente estátua de um carro de boi, cartão de visita da cidade.
Assim como pelo Brasil afora, Mineiros, cá no extremo sudoeste goiano, antes das rodovias pavimentadas, trafegou pelos mais interessantes tipos de estradas: o caminho, a vida, a “suposição”, a “hipótese”, a rota, o “roteiro”, a direção, a trilha, a carroçável, sem poder esquecer a de São Tiago ou Santiago e a “da vida”, da canção musical. Todas, de algum modo, formam outras categorias, tais como a batida, que também chamam pisadas, pisada e repisada pelo gado e outros animais, pois eram boiadeiros que por lá passavam; a boiadeira que, a bem dizer, confunde-se com aquela, embora nessa transitassem (em alguns dos nossos brasis ainda continuam) as boiadas que demandavam aos grandes centros (frigoríficos); a geral, que também se confunde com a mestra, como a principal de uma região; a real, que seria a mais verdadeira, sujeita aos mandos de reis e rainhas, ou de domínio do Estado; a carreira, dos carros de bois, que como outras antigas virou a “estrada do automóvel”, como a Sul – Goiana, na lembrança do mineirense, sudoestino em especial, construída em 1918 por Ronan Rodrigues (de Itumbiara a Santa Rita do Araguaia), onde José Sabino de Oliveira, o “Zé do Cachimbo”, dirigiu um Ford Double Phaeton, modelo T-1916, como primeiro motorista a nela trafegar; as vicinais, vizinhas das nossas principais ou estradas-mestras, às quais se ligam. Contudo, existe uma estrada que chama a atenção: é a “Do Sal” ou “Salineira”. Mineiros, como todo o sudoeste, a manteve por longo período. Sua importância, em inúmeros aspectos, ainda não foi estudada e devidamente avaliada. Como informa o escritor Bariani Ortêncio, era “estrada por onde os carros de bois transportavam o sal para Goiás. Daí tomou o nome “do “sal” ou “salineira”. Numa apostila chamada Mineiros: Terra e Povo, escrita pelo escriba, auxílio do padre Josias, estamos dizendo:
O sal grosso, surrões, intensamente utilizado na domesticação do gado, embora inicialmente vindo do nordeste, só tinha duas origens de procedência para os criadores mineirenses: Casa Branca em São Paulo, e Coxim e Três Lagoas na então província de Mato Grosso. Só posteriormente, nos finais do século XIX e algumas décadas do atual (vinte), os tropeiros, os carreiros e fazendeiros passaram a abastecê-lo em Uberaba e Uberabinha (Uberlândia), em Minas Gerais, através da mesma estrada salineira que ia a São Paulo.
Ficaram famosas as estadas salineiras, os velhos caminhos boiadeiros e as antigas trilhas reais percorridas pelas tropas desses imensos descampados. A estrada do Coxim, partindo Goiás, então capital goiana, passava exatamente por esses descampados mineirenses e foi muito utilizada pelos fazendeiros e tropeiros em busca de sal e de outros produtos em carros de bois com mais de 20 juntas, levando açúcar, aguardente e até mesmo sal.
Com as estradas mencionadas, praticamente não havia acidentes. O bucólico da linda paisagem tirava a pressa e a angústia do nosso tempo, onde, como diz adágio: “Estrada é como mulher, quando é boa é perigosa.”
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM (martinianojsilva@yahoo.com.br))