Opinião

Delação premiada e suas limitações

Redação

Publicado em 5 de agosto de 2015 às 22:06 | Atualizado há 10 anos

Segundo o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Doorgal Borges de Andrada, em matéria publicada na revista mineira Justiça & Cidadania, página 46 e seguinte ele nos ensina:

A delação premiada tem limites na Lei nº 12.850/2013 e não se confunde com o plea barginig, visto que o plea bargining existe no direito norte-americano permite, via de regra, que no processo penal a acusação e o réu barganhem acordos entre si quase que de modo privado que nem sempre necessitarão de homologação da justiça, dependendo da legislação de cada Estado membro. Como é sabido nos EUA cada Estado tem autonomia jurídica própria às vezes divergem entre os Estados membros.

A delação premiada que está regulamentada na Lei nº 12.850/2013 defende desde o nascedouro daquele instinto, pois o sistema jurídico dos Estados Unidos da América é forjado na Commow Law (que justifica os precedentes) enquanto o brasileiro, de origem romano-germânico, é baseado nos códigos, na conhecida Civil Law, muito embora o modelo norte-americano  cada dia mais caminhe em direção a esse sistema.

O acordo havido entre o MP e o réu no plea bargining pode ser bem mais amplo e não se submete aos limites legais exigidos previstos em códigos e leis como aqui. Há casos em que o acusado se beneficia com forte redução da sua pena apenas por confessar um crime. Outros recebem alteração na capitulação da denúncia, e há o benefício da prisão perpetua em substituição da pena de morte.

No Brasil, como sabido, a delação premiada se faz nos limites da recente Lei nº12.850/2013 e estrita observância da legalidade penal/processual penal.

José Carlos Cal Garcia nos alerta: Não obstante a expressa menção a matéria típica de direito processual, os benefícios previstos ao réu delator tem nítido caráter material, tais como a redução das penas e a fixação do respectivo regime de comparecimento. […] discutir a delação premiada significa inseri-la no contexto da função estatal voltada ao esclarecimento de determinados fatos e cujo rito de determinados fatos e cuja rigorosa observância dos direitos fundamentais relacionados com o devido processo legal é pressuposto de validade e legitimidade. (boletim eletrônico Conjur, 08/09/2014).

O acordo público-penal entre as partes terá de passar pelo crivo da homologação judicial e da sua previsão legal. Os benefícios homologados dependem de observar a legalidade plena certamente irão influenciar a sanção e o processo penal, ficando passível de nulidade toda a decisão, data vênia, seriam provas viciadas, oriundas de atos ilegais. Assim, os parâmetros do acordo limitam-se aos que estão autorizados pela Lei nº 12.850/2013.

O inesquecível e renomado Francisco de Assis Toledo leciona com muita propriedade:

O princípio da legalidade segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena cominada pode ser aplicada sem que antes desse mesmo fato tenha sido instituído por lei o tipo delitivo e a pena respectiva constitui uma real limitação ao poder estatal de intervir na esfera das liberdades individuais (princípios básicos de direito penal. 5ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 21) [grifo nosso].

O grande Anibal Bruno registra e nos ensina:

O ensejar dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da abstrata legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definitivo e sancionado seja julgado e punido como crime. (Direito penal, PG 1. Ed. Rio de Janeiro. Forense, 1956 p. 192)[grifo nosso]

Esse princípio da reserva lega é fundamento básico do nosso direito penal e processual penal. Por ele o Estado está, por um todo legitimado, a estabelecer restituições a direitos fundamentais de cidadão de forma fundamentada na lei, mas sem poder atuar com abusos ante tal prerrogativa, fazendo-o somente por meio do que está previsto em lei em sentido estrito e nele encontrar toda descrição da conduta proibida e a correta sanção.

Cabe ressaltar algumas regras básicas para a nossa delação premiada, pois a Lei nº 12.850/2013, no caput de seu artigo 4º e o §1º, também no §8º do artigo 4º, autoriza prêmios pela colaboração sob os seguintes prismas obrigatórios:

  • Somente para aquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal;
  • Levar-se-á em conta para a concessão do benefício a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, ou a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração;
  • O juiz poderá recusar a homologação à proposta que não atender os requisitos legais;
  • Vier a favorecer unicamente o acusado colaborador efetivo, jamais terceiros ainda que réus;

Não se perfazendo o conjunto das regras acima o acordo poderá ser declarado judicialmente nulo.

E, se não bastassem as regras mínimas acima descritas, também o caput do já citado artigo 4º nos diz expressamente que o réu colaborador eficaz terá em troca uma gama de benefícios bem limitados na lei e o delator poderá ser premiado tão somente com:

  1. a) Perdão judicial;
  2. b) Redução em até 2/3 da pena privativa de liberdade;
  3. c) Substituição da pena corporal por restritiva de direitos.

Portanto, tendo sido barganhado algum benefício não previsto na lei o réu poderá estar sendo agraciado com uma premiação ilegal, indevida, cabendo ao magistrado afastar a cláusula legalmente defeituosa ou até mesmo não homologar o acordo ilícito.

Eventuais benefícios penais fora da previsão do texto da lei ferirão os sagrados princípios da legalidade, da ampla defesa e do devido processo legal. A título de exemplo, enumeramos alguns benefícios que não estão elencados como prêmio e, data vênia, não podem ser ajustados pelas partes:

  1. a) Estender os seus efeitos do prêmio a terceira pessoa indicada pelo réu,visando beneficiar quem não é colaborador efetivo;
  2. b) Deixar o Ministério Público de representar contra ele réu ou deixar de oferecer denúncia;
  3. c) Validar informações que não se mostravam necessárias ou imprescindíveis ao processo e que poderiam,quando muito,caracterizar a atenuante da confissão espontânea;
  4. d) Validar em benefício do réu eventual atuação ilegítima da polícia no curso das investigações;
  5. e) Permitir como prêmio qualquer vantagem econômico-financeira ao réu-colaborador.

Assim, o Ministério Público, embora seja o titular da ação penal, a persecução penal se submete aos princípios da Indisponibilidade e Indivisibilidade e não poderá,com base na Lei nº 12.850/2013,dispor da obrigatoriedade da denúncia,ou seja,a delação premiada não permite negociar o não oferecimento da peça penal exordial.

É certo que a Lei nº 12.850/2013 trouxe para si experiências exitosas da Lei nº 9.099/1995, que inaugurou entre nós o espaço da justiça penal consensual, como a transação penal e a conciliação civil. Também se inspirou fortemente no plea bargaining vivido no direito norte-americano,

O acordo público – penal – entre as partes terá de passar pelo crivo da homologação judicial e da sua previsão legal.

Mas dele se difere como já dito,pois,ao contrário da nossa lei,permite alterar ou até evitar o oferecimento da denúncia,e,de outro lado,ainda supervaloriza a confissão.

Quanto ao modelo alienígena, Gabriel S. Queirós Campos nos descreve as controvérsias sobre a barganha penal privada norte-americana:

A plea bargaining, contudo, consiste em um dos aspectos mais controversos do sistema de justiça criminal dos Estados Unidos da América. A crítica mais grave formulada contra o instituto é a de inconstitucionalidade por supressão de direitos fundamentais do acusado. Na doutrina especializada, Lynch (2003, pp. 24-27) recorda que o Bill of Rights norte-americano estabelece uma série de salvaguardas para o acusado, incluindo o direito de ser informado das acusações,o direito de não se autoincriminar. [ … ]

Ele questiona: é legítimo que o Estado use seus poderes de acusação e sentenciamento (charging and sentencing powers) para pressionar o acusado a renunciar a seus direitos? Além dessa feroz oposição, mencionem-se também os seguintes argumentos contrários a plea bargaining (Chemerinsky, Leveson, 2008, p.649-651):

(a) Ela pode pressionar um inocente a confessar culpa para evitar ser condenado por uma acusação mais grave. Por esse argumento, guilty pleas seriam as principais causas de condenações equivocadas;

(b) Embora o processo de plea bargaining seja normalmente encarado como um “contrato” ou “acordo” entre acusação e defesa,na verdade há grande disparidade de poderes nessa negociação;

(c) Por ocorrer em um cenário privado, fora do alcance dos olhos do público,reduz-se a confiança da sociedade de que “a Justiça foi feita”;

(d) Ela permite que o acusado deixe de ser responsabilizado por todos seus atos, recebendo um “desconto” da Justiça,reduzindo-se o efeito dissuasório da punição;

(e) A frustração das expectativas da vítima do crime, que não participam do processo e podem não concordar com a sentença mais favorável ao acusado confesso; e

(f) Tratamento supostamente desigual entre réus, conforme a jurisdição e sua situação econômica (e capacidade de suportar os ônus de um julgamento regular).

Vistos, portanto, que estes dois institutos de justiça penal consensual – brasileiro e norte-americano – não se confundem e quase são incompatíveis, sobretudo em face de grande diferença judicial vivenciada – através de séculos – entres os dois países: Common Law x Civil Law. Além disse, a federação lá praticada na sua plenitude permite que cada Estado-membro crie o seu próprio modelo apropriado de plea bargaining.

Para finalizar a matéria, o ministro do STF diz que a operação Lava Jato pode cair, jornal Diário da Manhã do dia 30 de junho de 2015, pág. 15, Política e Justiça:

Marco Aurélio Garcia critica prisões preventivas e delações e diz que excessos cometidos pelo MPF e PF e outras instancias judiciais podem ser corrigidas no Supremo.

Vejamos:

Um dos decanos do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Garcia deu entrevista esclarecedora ao jornal O Estado de São Paulo. Marco Aurélio questionou o uso de prisões preventivas como esforço investigatório e questiona o número elevado de delações premiadas. Questiona também, a inversão do princípio da inocência, pelo princípio da culpabilidade.

Todas estas observações vão em desencontro ao trabalho do juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações da operação Lava Jato, na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba/PR. Segundo o ministro, a prisão preventiva deve existir como exceção não como regra, em todo ordenamento jurídico.

Segundo Marco Aurélio hoje se prende para depois apurar, quando se deveria primeiro apurar para, selada a culpa, partir para a execução da pena ferindo o princípio da não culpabilidade, pois a prova da culpa é a sentença transitada em julgado. O ministro também se preocupa com o elevado número de delações premiadas. No caso da Lava jato, faz varias observações o nobre ministro. O que resta a nós é esperar.

 

(Tarcísio Francisco dos Santos, advogado e procurador-geral do Município de Aparecida de Goiânia/GO)


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias