Do Caburaí ao Chuí
Redação
Publicado em 30 de maio de 2015 às 03:10 | Atualizado há 10 anosApós uma rápida leitura do título acima, estranhando o primeiro nome, o leitor dirá: “Ué, o certo não seria Oiapoque?” Natural a incerteza repentina, pois estamos acostumados a ouvir “…do Oiapoque ao Chuí”, sempre que alguém faz referência aos dois extremos geográficos – norte e sul – de nosso país. Daqui a pouco tal dúvida cairá por terra, para sua surpresa (assim espero). Tenha só um pouquinho mais de paciência, caro leitor e, por favor, continue lendo.
Que o Brasil é um país de dimensões continentais, todo brasileiro sabe e se orgulha disso, naturalmente. O que poucos – ou melhor, pouquíssimos – sabem é exatamente onde fica o extremo norte do território brasileiro.
Depois de conhecer vários países da América do Sul, dois europeus (Portugal e Espanha), além dos Estados Unidos, decidi não mais viajar ao exterior sem antes conhecer, por inteiro e completamente, o meu país. Assim, reservei o mês de março passado para conhecer, com calma e em detalhes, os quatro estados para mim até então desconhecidos: Amapá; Roraima; Acre e Rondônia. Eu já havia visitado todos os demais estados brasileiros (principalmente os da região nordeste) mais de uma vez. Resolvi conhecer logo esses quatro estados da região norte, pouco visitados por turistas brasileiros. Foi uma aventura e tanto. Uma viagem inesquecível!
Gostei especialmente de duas capitais: Macapá, por ser uma cidade tranquila, sem muitos veículos (como Goiânia já foi alguns anos atrás), às margens do belíssimo Rio Amazonas. Boa Vista, como o próprio nome diz, é uma cidade bonita, com um traçado urbanístico moderno, em forma de leque. Mesmo destacando essas duas cidades, não fiquei indiferente aos aspectos positivos de Rio Branco e Porto Velho, duas capitais boas pra se morar (apesar do calor), na região norte deste imenso Brasil. Porém, de toda a viagem o que mais me agradou e o que mais me surpreendeu foram duas descobertas que fiz no extremo norte brasileiro.
Em primeiro lugar, confesso que fiquei boquiaberto com a beleza estonteante do Monte Roraima. Nenhuma imagem televisiva consegue transmitir um milésimo do imenso espetáculo da natureza que ali se manifesta, solene, diante dos nossos olhos. O Monte Roraima é de uma beleza única. Indescritível. Chegamos ao sopé do mesmo a bordo de um jipão Land Rover traçado. Depois, cruzando a fronteira com a Venezuela, chegamos a Santa Elena de Uiaren, onde pernoitamos. Na manhã seguinte fomos – o motorista, a guia de turismo e eu – até o ermo e pequeno aeroporto da cidade, onde embarcamos em um Cesna 206 (pequeno avião monomotor) para sobrevoar o Monte Roraima e alguns de seus vizinhos. Esses montes gigantescos, em formato de mesas, são chamados Tepuys pelos índios venezuelanos.
O sobrevôo com o aviãozinho foi outra aventura fantástica. A visão do topo e ao lado dos altíssimos paredões do monte Roraima, entre nuvens esparsas, nos deixa simplesmente fascinados. Nessa hora, lembrei-me de Deus. Outro momento em que também senti a Presença Divina: ao explorarmos com o Land Rover a “Gran Sabana” venezuelana, uma imensidão sem fim de vegetação rasteira, como as savanas africanas, com pequenas ondulações, onde a vista se perde na linha do horizonte, em um ângulo de 360 graus. Paramos em uma dessas diminutas elevações e ao girar o corpo, completamente, apreciando a bela paisagem, senti algo místico, sobrenatural.
A segunda surpresa – entre várias – que esta viagem me causou foi na capital roraimense. Enquanto aguardava a saída de Boa Vista para o passeio ao Monte Roraima e à “Gran Sabana”, comentei com o nosso motorista (natural do estado de Roraima) que há poucos dias atrás eu havia conhecido a pequena cidade de Oiapoque, no estado do Amapá. Acrescentei que já tinha passado, por duas vezes, pelo arroio Chuí, no Rio Grande do Sul. Portanto, sentia-me orgulhoso por conhecer meu país do extremo norte ao extremo sul.
Ele me lançou um olhar meio gozador e disse sério: “Ah, então o senhor não conhece bem o seu país, pois o extremo norte do Brasil é aqui no nosso estado, exatamente no Monte Caburaí.” Levei um susto. Questionado, ele explicou: há vários anos uma caravana de exploradores brasileiros comprovou que o extremo setentrional de nosso território é, na realidade, quase cem quilômetros mais ao norte do Cabo Orange, no Rio Oiapoque, junto à cidade do mesmo nome.
Resolvi então mudar o trajeto do nosso passeio e seguimos no valente jipão até o sopé da Serra do Caburaí, no município roraimense de Uiramutã, onde se ergue o Monte Caburaí. Fotografei, claro. Depois pedi ao piloto do Cesna que sobrevoasse também esta elevação de quase 1.500 metros. Mais fotos. Valeu a pena.
Voltando para Boa Vista, ainda meio desconfiado da informação do motorista, acessei a internet do hotel e li na Wikipédia:
“A disputa em torno da condição de extremo setentrional do Brasil deve-se à antiga tradição brasileira de se considerar, como extremo norte do país, o Cabo Orange, no Rio Oiapoque, no estado do Amapá, popularizada pela expressão ‘do Oiapoque ao Chuí’ para se designar os extremos norte e sul do Brasil. No entanto, o Cabo Orange, cuja latitude é 4° 30’ 30” norte, situa-se 84,5 km mais ao sul que o Monte Caburaí. Já em 1931 a Serra do Caburaí apareceria como ponto extremo do norte brasileiro, nas anotações do Capitão Braz Dias de Aguiar, chefe da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites.”
A seguir, o final taxativo, indiscutível: “Com base em dados oficiais, é correto afirmar que os pontos extremos norte e sul do Brasil são o Monte Caburaí, em Roraima, e o Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul, corrigindo portanto a conhecida expressão ‘do Oiapoque ao Chuí’…”
Comprovada a sua ignorância sobre o assunto, este modesto escriba e viajor se viu, de repente, pensativo, indignado com a omissão das escolas que não ensinam esta verdade geográfica aos jovens, para se derrubar de vez aquela velha e falsa máxima: “Do Oiapoque ao Chuí.”
Porém, depois de tudo, resta-me o consolo de poder bater no peito e dizer (inclusive em terras estrangeiras que visitarei daqui pra frente) que conheço todo o vasto território do meu imenso país… “do Caburaí ao Chuí”!
(Waltides Passos, juiz de Direito aposentado e escritor; membro da Diretoria da União brasileira de Escritores – UBE/GO. E mail: [email protected])