Opinião

Fora do corpo? Sensações e sintomas de desrealização e despersonalização

Diário da Manhã

Publicado em 4 de janeiro de 2018 às 23:55 | Atualizado há 4 meses

“É como se as pessoas por mais que tentem, sentem que não con­seguem lidar bem com o mundo à sua volta. Sentem-se distancia­das daquilo que as rodeia, sendo difícil falarem e ligarem-se a ou­tras pessoas. Podem sentir que já não nutrem sentimentos por ou­tras pessoas que lhes são próxi­mas. A pessoa parece que já não se sente como normal e isso pode custar muito a quem passa por esta experiência.

A despersonalização é em mui­tos casos um sub-produto da an­siedade, uma vez que as pesso­as engrenam por um caminho de preocupações, medos, receios e constante vigília sobre aquilo que pensam, sentem ou fazem. Há uma autoconsciencialização das coisas enorme, fazendo assim com que a pessoa se sinta absorta aos seus próprios processos inter­nos. É extremamente frequente as pessoas sentirem medo de pode­rem ficar loucas, perder o controle, mas não–não vão ficar loucas ou perder o controlo. Este estado sur­ge por estar constantemente pre­ocupado(a) em relação aos seus problemas. A despersonalização/ desrealização não faz mal por si só, não é perigosa nem constitui uma perturbação grave. É natural que as pessoas poderão ser mais ou menos afetadas consoante o tipo de situação, ansiedade e con­texto em que se inserem, mas com paciência e compreensão esta sin­tomatologia passa.

A despersonalização ocor­re com a ansiedade porque você está tão habituado(a) a observar­-se a si mesmo(a), a questionar o que tem, dia sim-dia sim que co­meça a sentir-se afastado do mun­do exterior. A sua mente tornou-se mais “cansada” e menos resiliente (facilidade para ultrapassar obs­táculos, resistência emocional e psicológica) pois aquilo que faz é observar e preocupar-se com to­dos os seus sintomas. É como se a mente tivesse sido bombardeada com pensamentos de preocupa­ção e se torna-se fatigada. Quando a mente se cansa psicologicamen­te e emocionalmente sentimos es­tes estranhos sentimentos de dis­tanciamento do mundo à nossa volta e de nós mesmos, experien­ciando um estado de pseudo-so­nho. É aí que podemos começar a convencer-nos de que estamos a piorar, a ficar loucos, que estamos a perder o controlo. Mas não esta­mos a enlouquecer, a nossa men­te é que está tão cansada que nos pede uma pausa, um descanso de toda esta introspecção, análise in­ternana e absorção.

Quando as pessoas dão por elas no ciclo da preocupação/ru­minação começam a pensar pro­fundamente e constantemente, é um ciclo. Estudam-se em profun­didade, verificando, observando e concentrando-se nos seus sinto­mas. Até podem acordar de ma­nhã apenas para continuar este hábito “Como é que eu me sinto hoje de manhã?” “Será que consi­go sentir-me bem durante o dia?” “Que nova sensação é esta que eu sinto?” Isto pode durar todo o dia, provocando assim um cansaço adicional ao que já existe na nossa mente. Esta constante verificação e observação dos seus sintomas torna-se então um hábito, mas tal como todos os outros hábitos, este também pode ser mudado.

Ruminação, preocupação, re­ceios; ficamos tão preocupados acerca do modo como nos senti­mos que não pensamos em mais nada. É de espantar que se sinta tão distanciado e afastado daquilo que o(a) rodeia? É de espantar que não se consiga concentrar?

Algumas pessoas quando estu­dam para os exames durante ho­ras a fio, chegam ao ponto em que já não conseguem assimilar infor­mação por isso fazem uma pausa e continuam no dia seguinte. Para si não há cá pausas ou time-outs.O que muitas pessoas não sabem é que a despersonalização pode ocorrer em pessoas sem ansiedade ou questões de pânico. Pode acon­tecer quando alguém perdeu uma pessoa que ama, quando se tem um acidente de viação, ou um choque emocional de qualquer tipo recente. É um mecanismo de defesa, é como se fosse o modo que o corpo encon­tra para nos proteger de toda a pre­ocupação ou mágoa que possamos estar a sentir. Isto normalmente é temporário e quando a pessoa que está em luto ultrapassa alguma da sua mágoa, a despersonalização di­minui e/ou desaparece.

O problema com a ansiedade é que as pessoas que sofrem dela têm uma tendência para se preocupar e a despersonalização surge como proteção a todo este estresse e pre­ocupação diária. As pessoas po­dem então sentir-se distanciadas, distantes, vazias, sem emoções. O que acontece nessa altura é que as pessoas começam a preocupar-se e a obcecar sobre este novo senti­mento, pensando que é algo sério e grave, ou que poderão enlouque­cer. Até poderão mesmo “esquecer” a sua ansiedade e focarem-se ape­nas neste novo sentimento o que poderá fazer com que estes senti­mentos e sensações aumentem. A desrealização cresce à medida que entramos no ciclo de preocupa­ção e medo e por isso o nosso cor­po protege-nos destes sentimentos cada vez mais, fazendo-o(a) sentir­-se mais distanciado(a) e distancia­do(a). É esta preocupação e medo sobre estas sensações e sentimen­tos que o(a) mantêm no ciclo.

A maneira de ultrapassar a despersonalização não é preo­cupar-se ou obcecar acerca dela, mas dando-lhe espaço, dando­-lhe o espaço necessário e não se sentir “dominado(a)” ou “arreba­tado(a)” por ela. Ver a desperso­nalização como um mecanismo que o corpo encontra para nos proteger e não como um sinal de que algo terrível irá acontecer ou que poderá enlouquecer. Este sintoma é como qualquer outro e quanto mais se preocupa ou ob­ceca acerca dele maior o proble­ma se poderá tornar e mais tem­po poderá manter-se no ciclo.”

(Paul David, escritor britânico que sofreu desta mesma sintomato­logia de ansiedade, e hoje dedica-se em ajudar pessoas a libertarem-se das sensações, sentimentos e pensa­mentos de pânico)


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