Gertrudes Stein e a efervescência cultural no início do século 20 em Paris
Diário da Manhã
Publicado em 28 de fevereiro de 2018 às 23:00 | Atualizado há 7 anosEu gostaria que meus leitores conhecessem a escritora, Gertrudes Stein, se é que alguém ainda não a conheça, pois tenho feito neste espaço muitos comentários a seu respeito.
Gertrudes nasceu nos Estados Unidos (1874/1946) e, quando frequentava a Faculdade de Medicina, resolveu abandonar os estudos e foi para Paris (1903) na companhia de seu irmão Léo onde residiram, os dois, em um apartamento na rue Fleurus nr. 27, por muitos anos, graças à subvenção dos pais que eram milionários nos Estados Unidos; o sonho de Gertrudes era se tornar escritora e o do seu irmão um “marchand” de artes, uma vez que uma infinidade de pintores, que depois viriam a se tornar famosos, viviam em Paris naquela época (começo do século 20), tais como Renoir, Cézanne, Manet, Gauguin, Picasso, Matisse, Braque, Toulouse Lautrec e muitos outros, dos quais os dois estavam sempre comprando quadros.
Sua casa (apartamento) logo ficou conhecida como ponto de encontro de intelectuais, escritores e artistas, que viviam em Paris naquela época – as famosas reuniões dos sábados – ; além do chá que era servido aos convidados, havia discussões acadêmicas sobre literatura e pintura, aproveitando as presenças de escritores (Ernest Hemingway, Scott Fitsgerald, James Joyce, Sherwood Anderson, Apollinaire) e de alguns dos pintores citados acima, principalmente Picasso, que acabou pintando o seu retrato, (hoje muito famoso e custo avaliado em milhões de dólares) depois de mais de 90 cansativas sessões (posar) realizadas na casa do artista, na rue Ranignan (na colina de Montmartre), aonde ela ia e voltava a pé.
Em 1907 Gertrudes conheceu Alice Toklas que já era uma prendada escritora e levou-a para morar com eles e, por consequência, surgiram alguns conflitos entre os irmãos e resolveram, depois de dividirem o acervo de pinturas que acumularam, se separarem.
Gertrudes e Alice se “casaram” e nunca mais se separaram, só acontecendo com a morte de Alice (suicídio) 25 anos depois; na década de 1920 muitos escritores ansiavam ser convidados para estas reuniões, como aconteceu com Hemingway que trouxe uma carta de recomendação do seu conterrâneo, o escritor Sherwood Anderson e foi apresentada a Gertrudes por Sylvia Beach, proprietária da famosa e lendária livraria “Shakespeare and Company”, situada não muito longe do apartamento de Gertrudes, na rue L´Oden, local que ele frequentava todas as tardes.
Foi por esta época que Gertrudes começou a escrever e “inventou” uma maneira diferente de escrita a que ela batizou com o nome de “escrita automática”, muito similar a hoje conhecida “práxis”.
Gertrudes transitava entre a poesia, dramaturgia e prosa de ficção e não ficção, foi por esta época que ela escreveu o livro de vanguarda dos anos de 1910, 20 e 30 – “Autobiografia de Alice B. Toklas”, embora com título emblemático, porém foi escrito por ela, na mesma ocasião ela escreveu “Três vidas” (1909); embora poucos dos seus livros foram publicados no nosso idioma, ela escreveu mais de 50 títulos (em francês e inglês).
Talvez o romance que mais exigiu dela, também escrito por esta mesma época (1910), ainda sem tradução para o português, foi “The Making of Americans” com mais de 1.000 páginas; ao adquirir notoriedade, seu apartamento transformou-se em um verdadeiro “Museu”, tendo em vista a grande quantidade de pinturas pregadas nas suas paredes (hoje de valores inacreditáveis) e com isto acabou se tornando um grande atrativo do público em geral e é por esta razão, também, que ela resolveu “fechar” as portas da casa e abria só aos sábados, porém, para pessoas do seu relacionamento.
Com o advento da 1ª guerra mundial, Alice e Gertrudes se alistaram, como voluntárias, no “Fundo de proteção aos americanos que viviam na Europa”; depois veio a 2ª guerra mundial, com a cidade de Paris ocupada pelos alemães e, embora ela fosse judia, os nazistas nunca a incomodaram, aliás, ela se recusou a voltar para os Estados Unidos, apesar de a embaixada americana ter insistido com ela para que fizesse isto, não fujo, teria ela dito, pois – “Embora tenha nascido nos Estados Unidos, sou francesa por adoção”; mesmo assim, por precaução, compraram uma casa nas montanhas da Itália, onde passaram a viver a maior parte do tempo da ocupação nazista.
Ano passado (setembro) Marília e eu, em estando em Paris, resolvemos percorrer a rue Fleurus e encontramos o número 27, hoje um prédio privado de apartamentos e através da porta gradeada, conseguimos dar uma olhada no jardim; o único vestígio da sua presença é uma placa no frontispício do edifício, onde se lê: “Gertrudes Stein, 1874-1946 – escritora americana”.
Ao bandearmos para o outro lado da rua, ainda frustrados por não podermos “bisbilhotar” um pouco mais o jardim, entramos em uma “livraria sebo” e nos deparamos com um senhor já um pouco idoso sentado no fundo da “loja” e Marília, por falar bem o francês, indagou-lhe se ali tinha algum livro sobre maçonaria.
Ele se levantou com certa dificuldade e veio ao nosso encontro, provavelmente curioso pela indagação e perguntou-me:
O senhor é maçom?
Ao confirmar o seu questionamento, ele me abraçou com a ternura que nós maçons estamos acostumados a sermos recebidos por um irmão da Ordem; depois de algumas trocas de opiniões (ele também falava o inglês), ele se colocou a nossa disposição para ajudar-nos em alguma necessidade.
– Gostaríamos, muito, de conhecer o jardim do prédio onde morou Gertrudes Stein!
Após um telefonema, ele nos disse: – Vamos lá conhecer o jardim da sua amiga Gertrudes; andamos pelo jardim e sentimos, de repente, a presença dela sentada em um dos bancos colocados ao redor do prédio, envolvido pelo perfume das flores que havia em abundância!
Hora da despedida, voltamos a abraçar o Irmão Serge Wasersztrum, proprietário do “sebo” – La 42´eme Ligne – e prometemos voltar um dia (provavelmente voltaremos a encontrar o irmão Serge na rue de Fleurus, 24, no próximo mês de abril, se o Grande Arquiteto do Universo permitir.
(Hélio Moreira, da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)