Opinião

Impeachment: o anticlímax

Diário da Manhã

Publicado em 14 de agosto de 2016 às 03:32 | Atualizado há 9 anos

O Senado realizou, no último dia 9, reunião especial, presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, para apreciar a pronúncia da presidente afastada Dilma Rousseff.

Na fase que chegou ao fim, a Comissão Especial ouviu 44 depoentes e procedeu à análise de 171 documentos que embasaram o parecer final do senador Antônio Anastasia.

Evidencio, sobretudo, o respeito ao devido processo legal. Sabemos que será sempre estratégia do vencido apresentar-se como parte prejudicada, mas é fato que a Comissão observou estritamente os prazos e os ritos definidos pelo Supremo Tribunal Federal, e que foi assegurado à acusada o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório.

O parecer foi extremamente didático e preciso sobre as definições do processo de impeachment e a natureza dos crimes de responsabilidade.

Votei pela aprovação do parecer que tornou ré a presidente afastada, o que significou que o próximo passo será o julgamento final, no Senado, pelo crime de responsabilidade.

Como estávamos na fase de pronúncia, não houve um julgamento, mas uma avaliação sobre a procedência da denúncia e o prosseguimento do rito de impeachment.

Não há dúvida de que houve abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais sem autorização do Congresso Nacional. Não há dúvida de que houve atraso nos repasses entre o Tesouro Nacional e o Banco do Brasil. E não há dúvida de que existem indícios suficientes de que a presidente da República, por ação ou omissão, permitiu que esses ilícitos fossem praticados.

Toda a discussão sobre a classificação jurídica dos fatos não impede que prossigamos com o julgamento, quando a Defesa terá nova oportunidade de sustentar sua posição.

A decisão adotada, para prosseguir o julgamento, deverá ter efeitos profundos sobre a vida política do país. Que outro governante ousará se valer de fraudes fiscais sabendo que poderá ser criminalizado pela manipulação eleitoral e eleitoreira do Orçamento Público?

Como bem salientou o senador Antonio Anastasia em seu parecer final, os fatos que estamos analisando estão diretamente associados à crise econômica que o Brasil vive hoje. Investigá-los a fundo e julgá-los da perspectiva do nosso ordenamento jurídico representa um importantíssimo golpe na irresponsabilidade fiscal, na expansão insustentável do gasto público, e na simulação contábil.

E, para isso, não podemos desconsiderar os fatos apresentados na Denúncia nº 1, de 2016, que foram confirmados pela Comissão Especial do Impeachment. A menos, é claro, que queiramos incorrer no risco de não contestar a chamada “contabilidade criativa”, as aventuras econômicas, e o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

É hora de levar essa investigação e esse julgamento até às últimas consequências. É hora de deixar bem claro a todos os gestores públicos desse País que zelamos pelo princípio da economicidade, pelo princípio do equilíbrio das contas públicas, pelo princípio da transparência, pelo princípio da moralidade administrativa. É hora de dizermos que estamos dispostos a ir até o fim na apuração de ilícitos que venham a comprometer a sustentabilidade das políticas públicas.

As conquistas sociais dos últimos 20 anos foram colocadas em risco a partir do momento em que o governo quis acelerar o crescimento da economia aumentando o gasto público, e negligenciando os desequilíbrios econômicos que poderiam ocorrer.

A trajetória de nossa dívida pública gerou uma crise de confiança na economia. Por consequência, em 2015, o país perdeu o selo de bom pagador junto às agências de classificação de risco de crédito.

Voltamos a nos preocupar com questões que pensávamos estarem solucionadas. A inflação atingiu a marca de dois dígitos, os juros subiram ao nível de 10 anos atrás, a perda de PIB deverá chegar perto de 8% somente em 2015 e 2016, e as receitas de arrecadação de tributos ficaram seriamente comprometidas. Infelizmente, estamos amargando uma década perdida.

Nossa economia passa por uma recessão sem precedentes na história. A face mais perversa disso é o desemprego, que tem subido continuamente desde o fim de 2014, e deverá continuar a piorar nos próximos meses, refletindo em menores salários e aumento da informalidade no mercado de trabalho.

Infelizmente, a irresponsabilidade do Poder Executivo na gestão da política fiscal irá impor sacrifícios às gerações futuras. Quanto antes corrigirmos as práticas dos últimos anos, mais cedo poderemos oferecer condições melhores para as atuais e futuras gerações de brasileiros.

É urgente combater as consequências da irresponsabilidade fiscal e resgatar a confiança na capacidade do Governo de honrar seus compromissos. As consequências dessas práticas sobre a economia são sabidas e afetam com mais força os menos favorecidos.

Tenho certeza de que toda a sociedade brasileira ganhou com esse julgamento.

Ganha o país, que tem a chance de ver resgatadas as condições políticas para dar seguimento à estabilidade econômica.

Ganha o sistema político, que reconhece no estelionato eleitoral um crime que não pode se valer da impunidade.

Ganha o Congresso Nacional, porque terá confirmada a disposição e a coragem para investigar e julgar, até às últimas consequências, o próprio presidente da República, em face de qualquer denúncia de crime de responsabilidade.

Ganha o Estado Democrático de Direito, porque estamos aqui a provar que nenhum cidadão, nenhum agente político, nem mesmo o maior mandatário da nação, está acima das leis. E ganha, sobretudo, a sociedade brasileira, que deixará de ser vítima de estratégias pouco republicanas de gestão da coisa pública.

Não há o que temer da História, a não ser o risco da omissão.

 

(Lúcia Vânia, senadora (PSB), ouvidora-geral do Senado e jornalista)

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