Notas de viagens – Caminhar pelas ruas de Paris – Setembro de 2017
Diário da Manhã
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 22:27 | Atualizado há 7 anosEntre as grandes e badaladas cidades do mundo Paris é, a meu ver, a mais convidativa e desafiante para o turista que deseja conhecê-la caminhando pelas suas ruas e avenidas; posso dizer, com algum conhecimento de causa, pois costumo fazer isto em várias outras grandes cidades.
Certa feita, nos anos de 1970, em um tempo em que ainda viajávamos embalados com as ilusões dos jovens, Marília e eu fomos a Paris; resolvemos seguir um dos roteiros definidos pelo guia “Michelin”; sentamos a uma mesa colocada na calçada de um bistrô localizado em um agradável e movimentado Boulevard, pedimos dois enormes sanduíches de pão com presunto e queijo, as tão famosas “baguettes” que são carregadas debaixo do braço pelos franceses, meia garrafa de champanha e passamos a discutir nossa programação.
Havia várias opções de roteiros, tais como: Conheça Paris a pé, em uma semana, cinco dias, três dias, dois e um dia; é claro que cada uma destas opções acrescentava ou diminuía tais e tais pontos turísticos. Escolhemos o trajeto de três dias. Andamos praticamente o dia todo em todos os três dias! Valeu! Podemos dizer que viramos Paris de “cabeça para baixo”.
Outras vezes voltamos a Paris e agora, nesta viagem, com a sedimentação da cultura proporcionada pelos anos de vida, temos feito peregrinações selecionadas escolhendo, na maioria das vezes, aqui em casa antes de viajar, os roteiros a serem feitos de acordo com nosso interesse cultural e principalmente nossa disposição física.
É claro que tenho aproveitado “estas voltas” à Paris, para completar, com novos “insights”, uma série de crônicas que venho escrevendo há muito tempo, a respeito desta maravilhosa cidade e que tenho a pretensão de publicá-las sob a forma de livro.
Nestas caminhadas temos tido momentos de real emoção; uma delas, que sempre ficará inolvidável em nossas lembranças, é a que fizemos percorrendo a rua l’Odéon, local onde existia, desde 1919 até a época da ocupação nazista, quando foi fechada, em 1941, a famosa livraria “Shakespeare and Company”, pertencente à norte-americana Sylvia Beach.
A rua L’Odeon está localizada perto do Jardim de Luxemburgo, na “Rive gauche”, a boêmia margem esquerda do rio Sena, região habitada pela então chamada “geração perdida” das artes e da literatura, no período compreendido entre as duas guerras mundiais.
Estamos, Marilia e eu, novamente em Paris e voltamos a percorrer a rue L´Odeon e, após percorrermos aquela pequena (em extensão) rua , paramos para conversar sobre as emoções vividas naquele dia e, principalmente, descansarmos da caminhada; escolhemos um “café”, daqueles tradicionais com as cadeiras espalhadas pela calçada, situada na Praça “Carrefour”, ponto de convergência de várias ruas, inclusive a L´Odeon.
Pedimos dois “chops” e passamos a Conversar, Marilia e eu, sobre o fato de estarmos percorrendo aquela rua, aparentemente tão modesta e, essa discussão, levou-nos a contextualizar os acontecimentos literários ali ocorridos nos anos de 1920, 1930, quando uma efervescência de escritores, pintores e poetas por ali circulavam e se encontravam no recinto daquela outrora famosa livraria que citei acima, destacando-se, dentre eles James Joyce, Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Salvador Dali, William Faulkner, Ezra Pound, André Gide, Paul Valéry e muitos outros que viveram em Paris naquela época.
Ao passar em frente ao prédio onde funcionou a antiga livraria “Shakspeare and Company”, Marilia não resistiu à tentação e pediu-me que eu “posasse” em frente ao prédio onde funcionou aquela livraria; fizemos um trato: – ela me fotografaria e eu, logo em seguida , faria o mesmo com ela; trato cumprido, enquanto eu tentava mostrar a placa na parede, onde está escrito: – “Aqui neste local foi impressa a primeira edição de Uysses de James Joyce”, Marília escolheu (intuição feminina) sentar-se em frente da vitrina da antiga livraria “Shakspeare and Company” (hoje funciona um outro comércio) que expunha a capa do livro (biografia de Sylvia Beach).
Interessante, “parece” que vimos a Sylvia e a sua companheira Adrienne Monnier postadas na porta da livraria, assustadas ao verem subir pela rue D´Odeon uma fileira de jipes e em cima de um deles estava Ernest Hemingway vestido em trajes militares, que voltara para “salvar Sylvia e Adrienne” ( era o tempo da ocupação de Paris pelos nazistas). – “Shakspeare and Company, uma livraria na Paris do entre- guerras,Sylvia Beach, Ed. Casa da Palavra, 1959”.
Hora de procurar outro pouso, precisávamos “pegar” a rua Saint- German-des-Pres, perto do nosso hotel, imitando as aves de “arribada” do jardim da Santa Tereza que, ao final da tarde, juntam-se aos casais, à procura do pouso; naquela hora, um vento frio passou a “varrer” a calçada e apressamos os passos.
A vida, repetindo Hemingway (Paris é uma Festa, Ernest Hemingway, Ed. Bertrand Brasil, 9a. edição, 2007) tinha parecido tão simples naquela tarde! Mas Paris era uma cidade muito antiga, embora nada nela fosse simples pela pressa de alguns, só aquele momento foi simples e não mais se repetirá, pois o minuto que passou não volta mais!
Naquele tempo, o hoje, Marília e eu, não tínhamos pressa!
(Hélio Moreira. Academia Goiana de Letras. Academia Goiana de Medicina. Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)