O crime de tortura e sua controversa
Diário da Manhã
Publicado em 14 de janeiro de 2017 às 01:22 | Atualizado há 8 anos
Cediço que a tortura está transcrita no rol dos crimes hediondos e considerado como modalidade repugnante por organismos internaionais como grave violação aos direitos humanos, como previsto na declaração universal.
O corpo jurídico brasileiro disciplinou a matéria no 5º constitucional vislumbra que, “ninguem será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante”.
Disciplina mais: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
Para Assembleia Geral das Naçõs Unidas, assim declarou: “Qaulquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, inforamações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir, esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que seja consequência unicamente de sanção legítimas, ou que, sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.”
Existe questão considerada controversa, posto que, o Supremo Tribunal Federal decidiu por 6×5, existindo lei que tipifica o crime de tortura quando praticado contra criança ou adolescente. Ao exame à ótica do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesta esteira de raciocínio posicionou o ministro Marco Aurélio em sentido contrário, afirmando que não poderia ser considerado como crime de tortura. Nos termos: “A simples menção à tortura, sem que se defina o comportamento suficiente a configurá-la, deixa ao sabor da capacidade até mesmo intuitiva daquele que exerce o ofício judicante o alcance da norma penal, a conclusão sobre a prática, ou não do crime ao qual o contexto jurídico-constitucional impõe consequências das mais gravosas, como são o afastamento da graça, do indulto e da anistia, da fiança, o elastecimento da prisão temporária e o cumprimento da pena, na sua integralidade, no regime fechado. A insegurança grassará e, o que é pior, o julgamento das ações penais correrá à conta da formação do julgador. Como redigido o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, reclama-se postura do magistrado que contraria a máxima gizada por Nélson Hungria em Comentários ao Código Penal, Forense, RJ, 1958, 1/86, t. 1 consoante a qual “a lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu, e extensivamente no caso contrário”. O juiz partirá para o campo da interpestação extensiva, definindo ele próprio o que se entende como crime de tortura e assumindo, com isso, a posição reservada ao legislador.”
Sem embargo do brilhante voto, didático ressaltar que o processo penal admite aplicação extensiva, entretanto, o Direito Penal restringe sua apclicabilidade.
Inobstante ao voto do referido ministro, a divergência fora superada com a construção da Lei 9455/97, que conceituou os crimes de tortura, em seu art. 4º revogou o art. 233. Portanto, as elementares do famigerado crime de tortura definiu: “constramger alguem como emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”. Nesse diapasão, a Lei 9455/97, no seu art. 1º já define, preliminarmente o crime de tortura, entretanto, observe, mesmo antes da referida lei, restou esclarecido pela jurisprudência:
“A composição de ações empregadas por uma ou mais pessoas, com relação a outra, ou outras, que, pelo modo violento e degradante, quer no aspecto físico, quer psíquico, com o perdurar do tempo, acaba por derrotar toda a resistência natural inerente ao ser humano, tornando-o desorientado, depressivo e sujeito às mais várias reações, dentre elas, aquela que mais interessa a quem tortura – o irremediável medo.”
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I–constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
- a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
- b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
- c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II–submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena–reclusão, de dois a oito anos.
- 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
- 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
- 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
- 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I–se o crime é cometido por agente público;
II–se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
III–se o crime é cometido mediante seqüestro.
- 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
- 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
- 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Por outra face é força enfatizar que, a lei em comento, trata-se de condução epistemológica do direito, como elemento dogmático com escopo de atender às aspirações da Organização das Nações Unidas, à inteligência do art. 4º da Convenção em face à tortura e outros tratamentos, ou penas crueis, desumano ou degradante. Vale repisar a norma.
“Cada Estado-parte assegurará que todos os atos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal, o mesmo aplicar à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura”.
Na construção clássica do direito, da Lei 9455/97 determina que os que forem condenados pelos crimes definidos pelo legislador como crime de tortura, estão sujeitos, além da pena corpórea, a perda do cargo ou função, ou emprego público, bem como, a interdição para o exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, quer seja, o condenado que sofrer tal condenação estará impedido do exercício de outro cargo, função ou emprego público pelo dobro do prazo da pena privativa de liberdade.
Contudo, se o crime for cometido por agente público, a pena é aumentada de 1/6 a 1/3.
Ainda, vale gizar que, por se tratar de crime hediondo, insuscetível de progressão de regime e impossibilidade de concessão de indulto.
Inobstante aos elementos supra, na visão de Alexandre de Moraes e Gianpaolo P. Smanio apresentam a seguinte interpetação: A Lei 9455/97, por ser posterior e especial em relação à Lei 8072/90, acaba por pemitir ao condenado por crime de tortura a concessão de progressão de regimes de cumprimento da pena, uma vez que somente prevê a obrigatoriedade de fixação do regime inicial fechado. Da mesma forma, por não repetir a impossibilidade de concessão de indulto, acaba por permiti-lo.
Entretanto, Alberto Silva Franco apresenta a seguinte visão:
“A extensão da regra do & 7º, do art. 1º, da Lei 9455/97, para todos os delitos referidos na Lei 8072/90, equaliza hipóteses fáticas que estão constitucioonalmente equiparadas e restabelece, em sua inteireza, a racionalidade e a sistematização do ordenamento penal. Além disso, representa uma tomada de posição do legislador ordinário em sintonia com o texto constitucional.” (Legislação Penal Especial. Alexandre de Moraes e Gianpaolo P. Smanio, Atlas, São Paulo).
(Vandelino Cardoso, advogado, pós-grad. em Proc. Penal, professor, conselheiro da OAB-GO. Conselheiro do Conselho Penitenciário. Cursou a Adesg (Escola Superior de Guerra). Aulas ministradas na TV Justiça/STF)