O paradigma tecnocrático na Laudato Si
Redação
Publicado em 30 de julho de 2015 às 23:13 | Atualizado há 10 anosUm das questões abordadas pelo papa Francisco em sua encíclica Laudato Si, foi o que chamou de “paradigma tecnocrático”, no contexto da sociedade altamente consumista, em que se privilegia o ter em vez do ser, e que o individualismo, o hedonismo e o tecnicismo não podem reduzir o ser humano à Coisa, nem pode a pessoa humana estar condicionada por tais expressões do egoísmo. O ser humano é chamado à solidariedade, a partilhar o que tem e a ajudar cada próximo, a cuidar de toda criatura, a ser solícito, a zelar por todo bem, pela natureza e pelas pessoas, enfim, o tecnicismo não pode privar o ser humano de suas qualidades naturais, e a tecnologia pode ajudar o ser humano a desenvolver suas potencialidades, mas não a escravizá-lo a artificialismos que atentam contra a própria natureza humana. Diz o papa que “a tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, desde os objetos de uso doméstico até os grandes meios de transporte, pontes, edifícios, espaços públicos”. É capaz também de produzir coisas belas e fazer o ser humano, imerso no mundo material, dar o ‘salto’ para o âmbito da beleza. Adverte, porém, que a tecnologia não pode propiciar um poder que acabe se voltando contra o ser humano.
Diz o papa: “Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e, sobretudo o poder econômico para desfrutá-lo, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesmo, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer. Basta lembrar as bombas atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que serviu para o extermínio de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos. Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade.”
Na verdade, o papa nos alerta aqui, quanto ao “abuso” do poder, que a tecnologia pode favorecer no campo político. Por isso, é preciso estar atento quanto a tais abusos, que o papa pede para que seja evitada “a globalização do paradigma tecnocrático”. É o que o papa explica: “Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servir-se da técnica como mero instrumento, porque hoje o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante que é muito difícil prescindir dos seus recursos, e mais difícil ainda é utilizar os seus recursos sem ser dominados pela sua lógica. Tornou-se anticultural a escolha dum estilo de vida, cujos objetivos possam ser, pelo menos em parte, independentes da técnica, dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador. Com efeito, a técnica tem tendência a fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea, e ‘o homem que é o seu protagonista sabe que, em última análise, não se trata de utilidade nem de bem-estar, mas de domínio; domínio no sentido extremo da palavra’. Por isso, ‘procura controlar os elementos da natureza e, conjuntamente, os da existência humana’. Reduzem-se assim a capacidade de decisão, a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos.” Isso quer dizer que a tecnologia não pode estar ser utilizada por uma lógica de poder, de dominação, mas ser um meio a serviço da promoção da vida, em todos os seus aspectos, em favor da dignidade da pessoa humana. É o que ressalta Francisco: “O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano.” E assim, ao longo de toda a encíclica, o papa Francisco enfatiza sua crítica o capitalismo e ao mercado, criticando a lógica do consumismo, porque quer “uma Igreja pobre, parta os pobres”, com os princípios e valores da solidariedade, e também aí a tecnologia não pode se perverter num abuso de poder, mas ser instrumento concreto de ação, e de políticas públicas que favoreçam particularmente os mais fragilizados da sociedade.
(Valmor Bolan, doutor em Sociologia e especialista em Gestão Universitária pelo Iglu (Instituto de Gestão e Liderança Interamericano) da OUI (Organização Universitária Interamericana) com sede em Montreal, Canadá e representa o Ensino Superior Particular na Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social do Programa Universidade para Todos do MEC)