O que é ciclo completo de polícia?
Diário da Manhã
Publicado em 4 de novembro de 2015 às 01:25 | Atualizado há 9 anosVige no Brasil, herança de nossa colonização portuguesa, o sistema de polícias fracionadas em que nenhuma instituição faz o trabalho de polícia na sua totalidade. Isto implica em reflexos diretos na vida social e, ainda, no sistema judicial que, ao fim e ao cabo, também se reflete na sociedade. Estes reflexos não se dão unicamente porque o cidadão não é satisfatoriamente atendido, mas principalmente porque ele não saberá, ao fim do atendimento, qual instituição falhou em sua demanda. Isto implica dizer que ele não terá a quem culpar e as instituições poderão seguir na sua rotina de ineficácia. Mas há outros dados danosos ainda causados pela estrutura de meias polícias. Exemplo é o roubo ou furto de um veículo. Como as polícias não dominam todo o processo, a vítima terá que se reportar às duas instituições, numa ação muito mais burocrática, onerosa e ineficaz pois enquanto ele faz isto, seu carro já foi totalmente depenado ou mesmo traficado para outra região, Estado ou país. Por que isto ocorre?
Nosso sistema impõe a existência de duas polícias no plano Estadual: Uma ostensiva e preventiva, outra repressiva. A polícia preventiva tem a seu cargo a prevenção do crime com policiamento ostensivo, fardado, em viaturas caracterizadas. Havendo, contudo, um fato delituoso este deve ser levado ao gabinete da polícia judiciária que produzirá os ritos burocráticos que levará os possíveis infratores ao acerto social isto é, a um julgamento pelo poder judiciário. No caso do flagrante, esta tarefa não parece tão custosa já que o autor será encaminhado ao chefe de polícia judiciária local, o qual formará sua convicção e produzirá o relatório em que se baseará o Ministério Público para que o procedimento siga seu curso. Aqui começa a emperrar o sistema aparentemente tão produtivo: Primeiro porque o tal chefe de polícia pode, de seu gabinete, não ter a mesma convicção do condutor do autor, seja ele policial ou não. Segundo porque o próprio ministério público pode não ter a mesma convicção que o chefe de polícia. Terceiro porque o magistrado, ou juiz, poderá discordar de todos. Isto é bom, mas é ruim. É bom porque permite que mais gente participe da dialética e é ruim porque permite mais tempo para que as provas se dissipem, para que os autores se preparem, para que a pena prescreva. Então é mais ruim que bom.
Se o caso em questão não se tratar de um flagrante, em que o autor é pego com a boca na botija, as coisas se complicarão ainda mais. Isto porque, tendo ido o policial ostensivo ao local do fato, pouco poderá fazer. As informações serão carreadas à polícia judiciária que conduzirá as investigações. Os prazos para tal são regidos por lei mas poderão, e são, dilatados indefinidamente. Quando chegam a ser apurados, o que só ocorre com 3 a 5% dos fatos, o pior índice do mundo, nem mesmo a vítima se lembra com clareza do que ocorreu. Se o caso não estiver prescrito, e provavelmente estará, irá a julgamento com mais dúvidas que certezas, prato cheio para qualquer defesa por mais medíocre que seja.
O ciclo completo estabelece que: tendo ocorrido o ato infracional, o policial que esteve no local, seja ele quem for e a qual polícia pertença, produzirá o relatório competente, com as versões das partes e testemunhas, e os encaminhará ao juiz ou representante do MP responsável da área. Simples assim. No caso de haver prisão, esta ficará a cargo dos centros de custódias próprias, em Goiás representada pela Seap, Superintendência Executiva de Administração Prisional. Percebeu a diferença?
Há um engano por parte dos menos esclarecidos, de que as PM do Brasil defendem o ciclo completo no afã de produzir TCO, Inquérito ou assumir delegacias. Não se trata disto, pois se assim fosse estaria cometendo uma tremenda burrice. As PM defendem o ciclo completo por acreditar ser ele mais eficaz na prestação de serviço ao cidadão, por entender que ele possibilita a avaliação mais segura da qualidade dos serviços prestados e, principalmente, porque acredita que todas as polícias devem ser ostensivas. Sim, ao contrário do que pensam alguns, não queremos nos alojar em delegacias, mas pretendemos que as polícias venham para as ruas onde o crime acontece e onde a sociedade precisa de polícia. Fora disto, sobra só a burocracia.
(Coronel Avelar Lopes de Viveiros, comandante do policiamento ambiental de Goiás)