Opinião

Oi, boa-noite, booom-dia, como vai?

Redação

Publicado em 9 de abril de 2015 às 02:33 | Atualizado há 10 anos

João Joaquim Especial para Opiniãopública

Como de hábito eu caminhava, ou melhor, eu trotava no Bosque dos Buritis pela manhã. Digo mais que sou useiro e vezeiro no cumprimento às pessoas que olham para mim. E mesmo para quem não me olha. Nesse dia de março, não fugi ao meu costume. No que estava em atitude de alguns alongamentos, passava uma madura senhora com um smartphone nas mãos e fone no ouvido. Não era uma balzaquiana. Ela tinha (tem) perto de 40 anos. Disse-lhe de forma bem escandida boooom dia! Ao que ela retrocedeu o tronco, meneou a cabeça em minha direção e com ares reprovativos  perguntou, o Sr me conhece? De pronto eu olhei para ela com um terno e respeitoso sorriso e retorqui: não a conheço e nunca a vi, mas ainda assim eu lhe desejo um bom-dia! Como que comendo algumas letras, ela devolveu a saudação e picou o passo  toda empertigada.

Todo este pequeno ritual de meu encontro e desencontro com aquela também caminhante dos Buritis foi o quanto basta para que eu refletisse sobre uma atitude tão comezinha ou perfunctória no gasto de energia, mas o quanto ela pode ser rica de significados e de laços e alianças emotivas e benfazejas para nós animais humanos e os não humanos. Eu estou a me referir sobre o gesto da saudação; olá, oi, bom-dia, boa-tarde, boa-noite, como vai? O sorriso, a gargalhada, o bom humor, a alegria, ainda são os melhores fatores de bem-estar. Com esses sentimentos e gestos nós sintetizamos e liberamos as melhores substâncias como as endorfinas, as catecolaminas, a dopamina; hormônios do prazer e da felicidade.

O que é uma saudação ou cumprimento? É um gesto que posso expressá-lo com palavras, com uma interjeição ou mesmo discurso a alguém. Passo também fazê-lo através de um gesto, uma mímica ou um sorriso, de preferência não amarelo. Interessante quando buscamos a etimologia dos verbetes para entender melhor os significados dos gestos. Saudação tem relação com saúde# saudar tem o mesmo significado de salutar (saudável)#. Ora, no momento em que desejo ou recomendo um bom-dia, boa-tarde ou boa-noite a alguém eu estou lhe comunicando um voto, um sentimento de bem-estar, de saúde, de felicidade.

Uma expressão desejosa de um momento melhor, alegre, ou mais um dia de saúde, bem-aventurança.  Nada mais é do que nossa solidariedade, nossa ternura, nossa oportunidade de desfrutarmos juntos das dádivas e graças que encerra a própria vida.

A manifestação de alegria e júbilo é uma sensação tão natural e benévola que não é exclusiva do gênero humano. Nós a encontramos no mundo dos irracionais. Mesmo entre os animais menos evoluídos. Basta observar tal manifestação recíproca entre insetos como as formigas, vespas e borboletas. Será que existe  gestos de mais reciprocidade do que a faina e lida diária das formigas ou abelhas operárias?

O que observamos no mundo de hoje? Como vivem as pessoas  nessa era da hipercomunicação, da hipermodernidade e da velocidade máxima em tudo que se faz? Nós humanos estamos  cada vez mais nos comportando como máquinas pensantes, mas pouco afeitas ao afeto, à amizade, ao amor. Pensamos em demasia com o cérebro  e sentimos pouco com o coração. Calculamos de mais e amamos de menos. Contradições que não condizem com os desígnios afetuosos e solidários da pessoa humana. Nós fomos concebidos para o amor e para o bem. As pessoas, hoje, vivem massivamente urbanizadas. Todos os seres humanos estão tão próximos, mas distante ao mesmo tempo. Deixamos de há muito as selvas florestais e as cavernas mas, nos cercamos de uma floresta de concreto, ferragens, condomínios e portões eletrônicos. As pessoas pouco falam mais entre si, inclusive entre os membros familiares. A informática, as mídias digitais, a internet e as redes sociais isolaram mais os indivíduos. A onda do momento é a conexão no mundo virtual. Ninguém mais fala com ninguém. Todos andam de mãos dadas, mas com os seus apetrechos de informática (celulares, smartphones, iPad, notebooks).

Por toda essa alienação do mundo urbano, da hipervelocidade, da multiconexão, é que a vida vem perdendo o sentido. Por isso soa estranho e muito esquisito para os hiperconectados aqueles gestos de civilidade, de solidariedade e de humanização. Oi, olá, como vai? Bom-dia, boa-noite! Quem é você? Eu não o conheço!

 

(João Joaquim – médico e articulista do DM [email protected]  www.jjoaquim.blogspot.com)

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