Parábola do bom samaritano
Diário da Manhã
Publicado em 10 de julho de 2016 às 02:11 | Atualizado há 9 anosE então, um doutor da Lei levantou-se e disse para experimentá-lo: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?”
Disse Jesus: “Que está escrito na Lei? Como lês?”
Ele respondeu, dizendo: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças e de todo o teu entendimento (Cf. Dt 6:5); e a teu próximo como a ti mesmo”. (Cf. Lv 19:18).
Jesus disse: “Respondeste corretamente; faze isso e viverás”.
Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é meu próximo?”
Jesus prosseguiu, dizendo:
“Certo homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu entre ladrões que o despojaram, cobriram-no de chagas, e depois se retiraram, deixando-o quase morto. E ocasionalmente descia por aquele mesmo caminho um sacerdote e, vendo-o, passou adiante. Igualmente um levita, vindo a esse lugar, também o viu e seguiu adiante.
Certo samaritano em viagem, porém, chegou junto dele e, vendo-o, moveu-se de compaixão. Aproximando-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando sobre elas óleo e vinho, depois o colocou sobre o seu próprio animal, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele.
No dia seguinte, tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro, dizendo: ‘Cuida dele, e o que gastares a mais, eu te pagarei no meu regresso’.
Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu entre ladrões?”
Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”.
Jesus então lhe disse: “Vai, e também tu, faze o mesmo”. (Evangelho de Lucas, cap. 10, vv. 25 a 37).
A parábola do bom Samaritano ressalta o amor e a caridade e resulta de uma resposta de Jesus diante do questionamento de um doutor da lei judaica desejoso de testá-lo e de macular a sua credibilidade. O divino Mestre aproveita a oportunidade para ensinar o caminho da felicidade plena, mesmo diante das intenções equivocadas dos representantes do Judaísmo. Jesus responde ao doutor da Lei com outra indagação, demonstrando que ele veio endossar a Lei e os profetas e não contrariá-los. Ao responder que o amor a Deus sobre todas as coisas é a síntese de toda a sabedoria, o doutor da Lei demonstra que conhecia a resposta, comprovando as suas pérfidas intenções.
Por não admitir a derrota e desejoso de sai do embaraço, o doutor da Lei volta a questionar a Jesus, mas, dessa vez, revelando a sua ignorância diante da interpretação que se poderia dar à expressão “amor ao próximo”. Dessa vez, Jesus responde, recorrendo à parábola, embora alguns intérpretes a considerem verídica, pensamento que não condiz com as características pedagógicas das parábolas de Jesus.
A parábola do bom samaritano demonstra que o próximo, segundo Jesus, é quem auxilia os que se encontram no caminho de suas jornadas evolutivas. Para demonstrar a sua tese, Jesus faz um paralelo entre o saber e sua prática quando compara os comportamentos dos religiosos com os de um samaritano. Como era de costume, ele usa o reforço didático do número três porquanto o samaritano foi o terceiro a passar diante do necessitado e foram três indivíduos que desciam de Jerusalém para Jericó. Vale lembrar ainda que o filósofo grego Pitágoras, iniciador da Numerologia, considerou o número três o símbolo da comunicação.
A parábola do bom samaritano é rica em detalhes simbólicos. Jesus inicia a parábola do bom samaritano ao narrar o que ocorreu a certo homem que descia de Jerusalém a Jericó. Naquele tempo, Jerusalém representava o que existia de mais sagrado para os judeus, era o lugar do grande templo de orações, enquanto Jericó era considerada uma cidade materialista e distante da fé judaica. Um homem ao sair de um ambiente sagrado indo ou descendo para um ambiente mundano, cai entre ladrões e é agredido violentamente, consequência de quem transgride as leis morais. Passando por esse caminho, também estiveram um sacerdote e um levita, religiosos e conhecedores das escrituras, mas que negaram assistência ao necessitado porque também estavam em queda espiritual, ou seja, desciam de Jerusalém para Jericó. No entanto, o samaritano estava “em viagem”, ou seja, não estava a trilhar ou a “descer” pelo mesmo caminho evolutivo dos outros três, e foi quem prestou socorro ao homem desfalecido.
Jesus recorre aos opostos para demonstrar a sua tese a respeito de quem seria o próximo mencionado nas escrituras: judeus e samaritanos. Devido ao antagonismo religioso, judeus e samaritanos se detestavam. É o samaritano, porém, que sente compaixão por esse homem necessitado de cuidados e toma as primeiras providências: derrama sobre as feridas o óleo ou o azeite para e aliviar as dores e depois o vinho para assepsia, enfaixando-as com panos ou ataduras para protegê-las. Posteriormente, o samaritano deve ter vestido o homem com alguma roupa sua guardada para viagem porque o homem fora despido e nada mais possuía. Em seguida, o samaritano colocou a vítima em seu próprio animal e fora andando até a hospedaria mais próxima, onde cuidou do paciente. Dessa forma, Jesus ressalta a importância do tesouro do tempo para socorrer e auxiliar.
No dia seguinte, o bondoso samaritano deu dois denários ao hospedeiro para garantir a hospedagem e o desejo de uma assistência integral ao homem em recuperação. Ainda segundo Pitágoras, o número dois representa o auxílio e o companheirismo. A palavra denário vem do latim denarius, ou grego denarion. Termo que significa: “um dinheiro”. Era a unidade fundamental do sistema monetário romano. Era uma pequena moeda de prata que valia o equivalente a dez asses, ou seja, a dez moedas de bronze, o que era suficiente para comprar dezesseis quilos de pão. Dois denário também correspondiam ao valor pago por uma jornada de trabalho realizada em um dia.
O samaritano não abandonou o seu assistido. Garantiu que regressaria de sua viagem para concluir a missão socorrista. Desse modo, Jesus traça um roteiro perfeito para a prática da caridade ou do amor ao próximo, além de confirmar que o cumprimento de um dever moral deve ter início, meio e fim: “Aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt. 24:13).
Depois dessa narrativa inesquecível, o sublime Mestre indaga ao seu inquiridor a respeito de quem seria o próximo daquele que fora assaltado. Ouviu como resposta: “Aquele que usou de misericórdia para como ele”. Depois, Jesus recomendou ao doutor da Lei, deixando um legado de sabedoria às futuras gerações: “Vai, e também tu, faze o mesmo”.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, pesquisador, professor universitário e membro da Academia Goianiense de Letras)