Opinião

Plantando sonhos

Diário da Manhã

Publicado em 8 de janeiro de 2016 às 23:48 | Atualizado há 9 anos

Ir e vir pelo mundo é direito de todos, e nesse movimento os caminhos se cruzam, e nessas junções propostas pelo universo acontecem encontros marcados no livro da vida.

Nada acontece pelo acaso, tudo tem um sentido, e assim o andarilho do pluriverso segue seu caminho em busca de solo fértil para o plantio das sementes de luz. Que germinam no campo das mentes que se propuseram a seguir o caminho evolutivo.

Somos muitos, somos um, o propósito está dentro do ser, a forma de expor o pensamento vai de acordo com o nível evolutivo de cada um.

Vidas se cruzam, as aflições são pessoais, as bênçãos se multiplicam conforme o bom semeador.

Planto amor.

Planto luz.

Levo a paz. Sou a paz. Quero a paz.

Busco almas gêmeas em meio a multidões.

Encontro.

E nesses encontros as ideias formam correntes de elos indestrutíveis.

E se a mensagem chegou até você, então a multiplique.

Esse é o andarilho.

O ser que vive em função do próximo.

Sua missão.

Plantar ideias que viram ideais de vida.

O caminhante para.

Sente uma frequência diferente vibrando próximo a ele, diminui o passo, atenção redobrada.

Uma voz.

Ei amigo.

O andarilho se vira e depara-se com um  homem de estatura baixa, um boné na cabeça, manco, pois uma das pernas é menor do que a outra.

As bocas se calam, não é preciso dizer nada, as mentes se comunicam, as lembranças invadem o córtex cerebral.

O andarilho se lembra do homem, mas de onde e quando?

Ah isso é questão de tempo. Um tempo que as ampulhetas celestes não dão muita importância.

Um abraço.

A mente vaga, mas que importância o fator tempo tem para seres que vagam por múltiplas dimensões.

Dois semeadores, uma missão, assim o universo vai seguindo.

Um olha para o outro, e quase ao mesmo tempo dizem.

Me lembro de você, só não sei quando, nem onde. Que a paz esteja contigo.

Pouco à frente um triciclo cheio de ferramentas de jardinagem estacionado.

Pertence ao homem manco.

A forma pouco importa o que valoriza o ser e o que ele representa.

O jardineiro senta-se no triciclo e chama o andarilho para ir até sua casa, não demora muito e chega a um barracão de tábuas, coisa simples, ao lado um fogão de lenha coberto por algumas telhas velhas para proteger a comida da chuva.

Uma panela no fogo brando cozinha um pouco de feijão com pele de porco, ao lado do barracão, diversas mudas de plantas.

Ao fundo, uma mina d’água, que sai o líquido transparente da vida, que segue canalizada por um bambu que vai até um girau.

O jardineiro arruma um pouco de comida em um prato, e oferece ao andarilho, os dois se sentam, comem e conversam.

O jardineiro lembra-se dos tempos de labuta que passou no decorrer de sua vida, das madrugadas chuvosas que punha uma capa de chuva e ia ajudar o pai na roça.

O almoço era sempre entre oito e meia e nove horas, a mãe era quem levava os caldeirões de comida, para ele, o pai e os irmãos se alimentarem.

A comida era carne de lata, abóbora com quiabo e jiló, e macarrão de vez em quando.

Aos sábados o pai montava na égua de nome Bainha e ia ate a venda do seu Pedro, que ficava a uns quinze quilômetros do rancho.

De frente á venda um campo de futebol que era puro cascalho, todos jogavam bola de botina e calça.

Depois do jogo meu pai tomava umas duas doses de pinga, jogava uma partida de sinuca com os amigos, depois comprava apenas o que não podíamos produzir em nosso pequeno pedaço de terra, sal, açúcar, fumo, querosene para a lamparina, macarrão, e voltava para casa.

Aos 17 anos me casei, mas a mulher me traiu e eu me separei.

Não aguentei mais aquela vida e vim para a cidade grande, onde pela minha deficiência nunca consegui arranjar emprego fixo.

Até que fui trabalhar para um fazendeiro da região, homem bom e honesto, assim fui vivendo até sua morte.

Depois que ele morreu o filho dele me deu este pedaço de terra, que é um bico na curva da fazenda.

Aí comecei a plantar verduras e todo tipo de planta que serve de remédio. Até que uma noite chuvosa do mês de janeiro uma mulher me procurou com seu filho ardendo em febre.

Dei um remédio que tinha, fiz um chá, mas a febre não passava.

Entrei em desespero e comecei a rezar.

Coloquei as mãos na fonte da criança e roguei ao pai por sua cura, as lágrimas caíram dos meus olhos.

Não aguentei e caí no sono.

Quando acordei a mulher estava ao meu lado, e um bebê chorava de fome deitado sobre umas tábuas que eu usava para me sentar.

A mulher, muito agradecida, veio me falar.

Olha moço, ontem na hora que vim aqui eu estava desesperada, pois estava vindo do médico, e ele me disse para trazer a criança para morrer em casa, pois o mal não tinha cura.

Entrei em sua casa por puro desespero. Sem um pingo de esperança foi quando passei em frente a sua casa, uma força maior fez com que eu entrasse, pois tinha que fazer alguma coisa, pois era meu único filho, e o senhor o salvou com sua benzição. Quanto lhe devo?

O andarilho via a luz azul pairar sobre aquela cabeça quase sem cabelos, e perguntou.

E o que fez meu nobre irmão?

Eu não aceitei ajuda financeira, somente pedi que fizesse uma prece em nome do criador e estaria tudo certo.

Depois da partida daquela mulher nunca mais fiquei só, várias mulheres com filhos recém-nascidos, velhos, moças e moços, todos me procuravam para uma benzição, onde o pagamento era sempre uma prece agradecendo o criador a graça recebida.

E assim passei uma vida, sendo instrumento das boas graças do Pai, pois a prece era em seu nome.

O andarilho vai se lembrando daquele ser lentamente, e lhe faz uma pergunta.

Meu caro, gostaria de saber se você só faz a prece ou tem mais alguma coisa?

Não, eu sempre faço algum tipo de chá, que ofereço após a prece, a pessoa bebe o chá comigo e depois vai embora. Porque andarilho tem algo a me dizer sobre esse mistério?

O andarilho sorri e diz.

Não tem mistério algum, o chá é fluidificado pela sua luz com consentimento do Criador, e sua prece desperta a Fé que tem dentro das pessoas, e elas fazem um tipo de autocura.

O homem sorri, e diz ao andarilho.

Não entendi nada do que falou, mas acredito que deve ser alguma coisa neste sentido.

O andarilho olha em direção ao velho manco e diz com carinho.

Olha, meu caro, o Criador tem seus anjos de luz, ou melhor, espíritos que transcendem todo o universo, e plantam a semente da Fé por obra da caridade divina. E você e um desses seres iluminados que vagam pelo cosmos plantando a semente do bem.

O Pai dá a cada um uma missão ou um desígnio de vagar por todo o universo plantando a semente da luz.

E se a semente germina, o universo se fortalece na corrente do bem. Eemos todos os tipos de seres iluminados, e cada um com sua missão.

E se você faz o que faz é com a permissão do Pai. Outros têm o dom da palavra, outros da escrita, outros do conhecimento, e por aí afora.

O Criador envia seres evoluídos para os planetas que estão em evolução para propagar a semente de uma nova safra de seres.

Imagine você saindo daqui e indo para um plano onde não tem energia elétrica, remédios, carros e tudo mais que traz comodidade aos habitantes da orbe.

O homem para e pensa, em seguida se manifesta.

Será andarilho que existe vida em outras dimensões ou planetas?

O andarilho, em tom de seriedade, olha para o homem e diz.

A vida se manifesta de diferentes formas, vai de acordo com o grau de evolução que o plano ou planeta se encontre.

Não podemos ser egoístas ao ponto de acharmos os únicos seres dessa imensidão incalculável que é o sistema planetário.

O Criador é supremo. Ele e toda energia cósmica que faz com que todas as galáxias se movam.

E como ele sempre quer o bem daqueles que habitam determinada orbe, ele envia seus filhos e emissários para a propagação da semente do bem. Vida não se refere apenas a seres humanos, mas a qualquer coisa que seja um organismo vivo. Uma célula, ou outra coisa que ainda não sabemos descrever.

Com o desenrolar da conversa o jardineiro entende tudo que o andarilho lhe fala, e parece saber de mais coisas, pena que não consegue se expressar de uma forma intelectiva, apesar do conhecimento adquirido em suas viagens entre mundos.

O andarilho continua.

E não é só isso.

Nesse plano a valoração das coisas estão erradas. Bens materiais não transcendem junto com o ser, o dinheiro é só para os vivos, mortos não têm como depositar ou retirar o que juntaram no decorrer de sua existência.

As pessoas nunca estão satisfeitas com o que têm, sempre querem mais. E assim passam suas vidas de forma equivocada, mas cedo ou tarde todos trilharão pela mesma estrada.

Uns conseguem caminhar, outros ficam à beira da estrada, outros desistem, mas no final todos vão à mesma direção.

O sofrer ou não sofrer quem vai determinar é o próprio ser.

Vai depender de suas ações.

A força maior não interfere quando o quesito é evolução pessoal. O sofrimento também serve de remédio, meio amargo, mas o resultado final sempre é o mesmo.

Nossa viagem é longa, cheia de embarques, desembarques, atrasos, paisagens belas, momentos tristes, paradas. A velocidade muda de acordo com os altos e baixos que a própria vida nos proporciona.

O andarilho tenta reativar a mente daquele ser que ficou estático, perdido naquele pequeno lugarejo, mas ao mesmo tempo se aquela era a sua missão, não tinha  por que de tantas explicações.

Mas mesmo assim o andarilho continua a iluminar a mente do jardineiro, pois ele é propagador da luz celestial.

Mas não se desespere, meu amigo. Sempre chegaremos ao fim, pois viagem eterna só a da alma, o corpo pode resistir por um tempo longo, mas em algum momento irá fraquejar, e por mais ajuda que receba o momento final é inevitável.

Não há um só momento perdido, o tempo se flexibiliza de acordo com nossas necessidades. Vivemos de vitórias e derrotas, de saúde e de doença, mas sempre estaremos nos movendo. Nada é estático quando se refere ao tempo vital, tem momentos em que vamos da alegria a tristeza em questão de frases mal encaixadas.

As conquistas sempre partem de um pensamento, mas o fracasso parte de todos. Um único ser pode construir ou destruir, não se pode resolver tudo, mas se fraquejar em algum momento não deve se desanimar, pois seu ânimo tem que ser demonstrado, enquanto que o desânimo é exposto com apenas um gesto, um olhar.

Saiba, meu caro, tudo sempre se moveu em torno do tempo, mas uma coisa é certa, não tem como voltar atrás para corrigir seus erros, não temos controle sobre o passado.

Mas podemos projetar o futuro, o espaço e o tempo sempre estão interligados.

Não viva sua vida em um looping eterno, sempre indo e voltando sem sair do lugar estático em que parou.

E saiba, jardineiro, por mais que acumulemos conhecimento, nunca seremos donos da verdade.

O jardineiro sorri com os poucos dentes que lhe restam. O cheiro da fumaça que sai do fogão a lenha e do café que esquenta no bule dáum ar de um mundo muito distante do real, e assim chega ao final de um longo dia de conversa e aprendizados mútuos.

 

(Paulo César de Castro Gomes, graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduando em Criminologia e Segurança Pública UFG)

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