O juiz Eduardo Machado, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, determinou a quebra do sigilo fiscal de todas as razões sociais do frigorífico JBS com sede em Goiás para investigar as condições do perdão fiscal que a empresa conseguiu no final do ano passado. A empresa quitou uma dívida de R$ 1,3 bilhão para com o fisco estadual relativa a ICMS, com multas, juros e correção monetária. A dívida foi reduzida para uma parcela de R$ 150 milhões à vista e R$ 170 milhões parcelados em 60 vezes.
A determinação judicial atende pedido do Ministério Público que investiga as condições da lei estadual promulgada na última semana de 2014 e que permitiu à empresa a quitação de seu passivo tributário com isenção total de juros, multas e correção monetária. A lei, que alterou o Programa de Regularização Fiscal das Empresas no Estado de Goiás – Regulariza, foi publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 22 de dezembro do ano passado, com autorização para a redução de 100% da multa, juros e correção monetárias de débitos tributários e teve vigência até o dia 29 de dezembro.
Após o Diário da Manhã publicar, com exclusividade na edição de 23 de janeiro desse ano, que a lei estadual permitiu a quitação de todo o passivo da JBS/Friboi com redução de quase R$ 1 bilhão, a promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira, da promotoria de Defesa do Patrimônio Público, instaurou inquérito civil público para apurar as condições da promulgação dessa lei. Com as informações disponíveis na reportagem, a promotora iniciou as investigações e apurou que as empresas da holding, instaladas em Goiás nos municípios de Goiânia, Anápolis, São Luís de Montes Belos e Mozarlândia, foram as beneficiadas com a temporária norma de renegociação de dívidas tributárias, que passou a ser chamada “Lei Friboi”.
A promotora requisitou informações da Secretaria da Fazenda sobre o desenrolar do programa Regulariza e oficialmente a Sefaz informou que, “até meados de dezembro de 2014, apenas 52 empresas que deviam tributos ao Estado de Goiás” haviam aderido ao programa. No dia 15, o governo apresentou à Assembleia Legislativa nova modalidade de negociação e, uma semana depois, estava aprovada a lei que dava isenção de 100% sobre juros, multas e correção monetária. Com a promulgação da nova legislação, 969 empresas aderiram ao Programa Regulariza e receberam a remissão total de suas dívidas com o Estado.
Sigilo
A promotora Leila Maria de Oliveira frisou, no pedido de quebra dos sigilos, que a Sefaz se negou a prestar maiores informações para o Ministério Público “em razão de os dados pretendidos pelo MP serem protegidos pelo sigilo fiscal”.
“Porém, não há como o Ministério Público passar em branco a informação de que as filiais goianas do grupo JBS teriam recebido remissão de quase R$ 1 bilhão, já que o perdão de tão vultuoso montante vai de encontro às disposições do Código Tributário Nacional”, frisou. Segundo a promotora, a remissão que o CTN autoriza só pode ocorrer em condições especiais, como quando a situação econômica do sujeito passivo (empresa devedora) o requer ou em outras condições que em nada se enquadram no perfil da JBS S/A, “já que tais empresas possuem sólida e vultosa condição econômica”.
O juiz Eduardo Machado observou, na fundamentação do Ministério Público, o detalhe de que a remissão “de tamanho montante é desproporcional e impensável no atual momento financeiro vivido pelo Estado de Goiás”.
Anulação
A promotora explicou no pedido para o juiz que o objetivo da quebra do sigilo fiscal é saber do montante da dívida que a Friboi-JBS tinha para com a fazenda estadual e como se deu essa remissão. “Objetiva tão somente instrumentalizar o Ministério Público para o exercício de eventual Ação Civil Pública de Anulação de Remissão Indevida, além de possível ação por ato de improbidade administrativa, caso seja constatada a ilegalidade e desproporcionalidade no perdão”. Por isto, não foi dado conhecimento aos advogados da empresa, porque o contraditório só será estabelecido nas ações futuras.
Na 1ª Vara de Fazenda Pública Estadual, a informação é que poderá ser pedida também a quebra do sigilo bancário das unidades goianas do Friboi-JBS para aprofundar as investigações e que as informações serão remetidas de forma sigilosa para a promotoria de Justiça que oficia nos autos.
Simulação de exportação
Os auditores fiscais que lavraram os sucessivos autos de infração contra a Friboi-JBS constatavam, de forma reiterada, que a empresa simulava vendas de carnes e outros produtos industrializados para o exterior e emitiam notas fiscais como se os produtos saíssem via terminais de exportação como Santos e outros locais de livre comércio. Todavia, as embalagens a vácuo com patinhos, alcatras, fraldinhas e contrafilés ficavam no mercado brasileiro mesmo.
A reportagem teve acesso com exclusividade a autos de infração lavrados contra Joesley Mendonça Batista, seu irmão Wesley Mendonça Batista e o patriarca da família, José Batista Sobrinho, que dá o nome JBS ao grupo. José Mineiro, como é conhecido o fundador do bilionário empreendimento, foi identificado junto com seus filhos pelos auditores fiscais Cristóvão de Arimateia Pereira, Sandra Márcia Mendonça de Paula e Alípio de Araújo Rocha Júnior pelas práticas de “infração fiscal” descritas nos autos.
Uma dessas práticas ocorreu quando a empresa “remeteu com não incidência do IMCS” mercadorias relacionadas nas notas fiscais anexas “sem que as mercadorias tenham sido exportadas, pois foram reintroduzidas no mercado interno. Somente nessa simulação de venda para o exterior, o Friboi-JBS deixou de pagar mais de R$ 6 milhões de ICMS e, por isto, foram acrescidas penalidades, multas, juros e outras cominações. A empresa também deixou de “apresentar documentos comprobatórios da efetiva remessa para o exterior”, o que é entendido como “confissão de culpa”.