Helvécio Cardoso,Da editoria de Política&Justiça
Uma polêmica entre Demóstenes Torres e Ronaldo Caiado estava mesmo na ordem do dia. Era preciso apenas alguém tomar a iniciativa. Caiado a tomou. Entrevistado tempos atrás pela revista semanal Veja, de São Paulo, Caiado disse que, para ele, Demóstenes foi "uma decepção". Afinal, foi ele, Caiado, o todo poderoso presidente do DEM, quem deu a Demóstenes a legenda para ele se candidatar a senador em 2002. Depois, em 2010, passando por cima de sua animosidade em relação a Marconi Perillo, deixou pista livre para Demóstenes ser candidato à reeleição na chapa encabeçada pelo tucano.
Demóstenes respondeu a Caiado no seu peculiar estilo desabrido, contundente, em artigo publicado, recentemente, no Diário da Manhã. Contou que Caiado também aceitou dinheiro de Carlinhos Cachoeira para custear a sua campanha. O revide de Caiado veio na forma de uma interpelação judicial ao ex-senador. Demóstenes não deu nem bola. Limitou-se a declarar que aguardava que Caiado ajuizasse a competente queixa crime. Então, ele, Demóstenes, provaria em juízo tudo o que afirmou ao jornal, exercendo a prerrogativa de todo querelado de opor a "exceção da verdade" às imputações de calúnia e difamação.
Esperava-se que, no rebater a bola, Caiado ajuizasse queixa crime contra o ex-senador. Ele não fez isso. Pode ainda fazer, se quiser, mas preferiu atacar Demóstenes num ponto em que ele é, aparentemente, mais frágil. Caiado representou contra Demóstenes junto à Corregedoria do Ministério Público, onde já tramita ações disciplinares contra o ex-senador.
A coisa foi parar mais longe. Na semana passada, o Diário Oficial da União publicou, às páginas 144 e 145, a ata da 9ª sessão ordinária do Conselho, na qual a contenda de Caiado contra Demóstenes veio à baila. A certa altura da sessão, o presidente daquele egrégio Conselho discutiu o assunto. Disse que - apud acta - a "gravidade do fato" fez o caso merecer especial atenção do Conselho.
O conselheiro Cláudio Portela informou a existência de um requisitório contra Demóstenes correndo na Corregedoria do MP goiano. Sob o nome técnico de Procedimento Administrativo Disciplinar - PAD - protocolado sob o n° 326/2003-60, Demóstenes está sendo acusado de "patrocínio indevido de interesses particulares, percebimento de vantagens ilícitas e fornecimento de informações privilegiadas. Tudo isso relacionado à atuação dele como senador, conforme admite o próprio conselheiro.
Castigo
Não foi apreciado o pequeno e talvez insignificante detalhe de que, por tais delitos - supondo, para efeito argumentativo, que tenham sido de fato praticados - o ex-senador foi severamente punido, sendo castigado com a perda de seu mandato e a suspensão por 16 anos de seus direitos políticos. Por esses fatos relacionados à atividade de Demóstenes como senador, membros do Ministério Público goiano querem mais uma vez castigá-lo, ainda que tais fatos tiveram como autor alguém que há 10 anos estava afastado da instituição, não tendo sido na condição de procurador de Justiça que os cometeu.
Não há uma só acusação contra Demóstenes relativas a sua conduta como funcionário do Ministério Público. De resto, nem sequer se abriu inquérito criminal contra ele por conta dos fatos que levaram à sua cassação. Mas há quem entenda, no Ministério Público goiano, que o princípio universal de direito penal democrático, segundo o qual ninguém pode ser punido mais de uma vez pelos mesmos fatos, não tem aplicação ao ex-senador.
Também não deve se aplicar ao ex-senador, já que ele, pelo visto, foi excluído da cidadania e da humanidade, o direito de expor livremente suas opiniões políticas pelos jornais. Direito constitucionalemente tutelado, que assegura ao ofendido o direito à reparação pelos meios ordinários: a queixa crime por ofensa à honra.
Ao acionar Demóstenes junto à Corregedoria do Ministério Público, por fatos não relacionados à atividade ministerial de Demóstenes, Caiado não quer apenas uma reparação de sua honra ofendida, mas expulsar Demóstenes do Ministério Público.
Agora o requisitório de Caiado contra Demóstenes vai tramitar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), onde já tramita o "procedimento disciplinar" em desfavor do ex-senador, com relatoria do conselheiro Carlkos Portela. O conselheiro relator "avocou" para si a representação de Caiado, alegando que ela se vincula ao procedimento mais antigo por meio de um "elemento-chave": Carlinhos Cachoeira. Conforme escrito na ata da 9ª sessão do CNMP, o nexo entre um e outro procedimento é "ainda débil para nomimar-se conexão". Com efeito, a única justificação para se unicar dos dois procedimentos seria a existência de uma conexão entre os fatos pelos quais Demóstenes foi punido pelo Senado - e pelos quais poderá ser novamente punido pelo MP goiano - e os contidos na representação de Caiado, relacionadas ao artigo que Demóstenes escreveu.
O conselheiro Leonardo Farias destacou - apud acta - que existe "aparentemente" uma conexão probatória, "embora as alegadas faltas funcionais em si, sejam diversas". Na sequência deste considerando prudencial, o conselheiro Walter Agra registrou sua preocupação pelo fato de que Demóstenes já está sub judice no MP goiano, pelo qual exortou seu pares a guardar cautela, "a fim de que o cidadão não seja condenado preliminarmente em razão das alegações feitas contra altas autoridades da República".
O conselheiro Jarbas Soares Júnior disse durante a sessão que tomou conhecimento do artigo assinado por Demóstenes. De sua leitura, o conselheiro entendeu que não haveria motivos para avocação do procedimento pelo CNMP, já que o MP goiano "tem atuado no caso". Encerrada as discussões, o presidente submeteu ao plenário a pretendida avocação, que foi aprovada com voto contrário de Jarbas Soares Júnior.
resposta
O ex-senador Demóstenes Torres, ouvido pelo Diário da Manhã, afirmou que ainda não tinha tomado conhecimento da decisão do CNMP e, por isso, preferia não se manifestar. Mas declarou que tão logo seja notificado da decisão vai falar a respeito.
O ex-senador e atual procurador de Justiça licenciado já impetrou mandado de segurança visando o arquivamento do procedimento corrente na Corregedoria do Ministério Público Goiano. A pena a que Demóstenes está sujeito, caso o procedimento disciplinar seja julgado desfavoravelmente a ele, seria a aposentadoria compulsória, que ele diz não aceitar por uma questão de honra.