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POLÍTICA

As mães que não puderam chorar pelos seus filhos desaparecidos

  • Zuleika Celestino queria enterrar Paulo de Tarso Celestino, da ALN
  • Maria de Campos Baptista deixou a porta de casa aberta por 10 anos
  • Maria Rosa sonhava em dar sepultamento digno a Honestino Guimarães
  • Olga Thomaz, mãe de Maria Augusta Thomaz, foi poupada da tragédia da filha


Nem Zuleika Celestino, muito menos Maria de Campos Baptista, assim como Dona Santinha e Olga Thomaz não podem, hoje, derramar lágrimas, no Dia de Finados, para seus filhos. É que eles integram a lista oficial dos desaparecidos políticos à época da ditadura civil e militar e elas já morreram. A relação foi elaborada pela Comissão Nacional da Verdade [CNV], criada em maio de 2012 pela presidente da República, Dilma Rousseff.

Zuleika Celestino morreu aos 97 anos de idade. É a mãe de Paulo de Tarso Celestino Filho, nascido em Morrinhos, Goiás, preso, torturado e desaparecido em julho de 1971, ao lado de Heleny Telles Guariba. José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, o delatou para a repressão política. O seu destino acabou na Casa da Morte, em Petrópolis. A última pessoa a vê-lo com vida morreu em 2015, Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente do local.

Paulo de Tarso Celestino, filho do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Goiás [TCE-G], era membro da coordenação nacional da Ação Libertadora Nacional, a ALN, organização que adotou a estratégia de luta armada. Ao lado de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, codinome Clemente, o sucessor de Carlos Marighela, morto em 4 de novembro de 1969, e de Joaquim Câmara Federal, assassinado em outubro de 1970.

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10 anos

Maria de Campos Baptista nunca mais recuperou-se da tristeza provocada com a prisão ilegal, tortura, morte e desaparecimento do seu filho, Marcos Antônio Dias Batista, líder secundarista, membro da VAR-Palmares e da Frente Revolucionária Estudantil. É o mais jovem desaparecido político do Brasil: 15 anos de idade. O seu sumiço ocorreu em maio de 1970. Ela deixou durante 10 anos a porta de sua casa aberta esperando-o. Em vão.

Capitão do Exército, diretor regional da Polícia Federal, superintendente do Departamento de Ordem Política e Social [Dops-GO] e chefe regional do Serviço Nacional de Informações, um homem do porão, Marcus Antônio de Brito Fleury é o principal suspeito de ter montado a operação que resultou em sua morte e ocultação de cadáver. Sem prestar contas à Comissão Nacional da Verdade e ao Judiciário, ele morreu em março de 2012.

Assistente social aposentada, Maria de Campos Baptista, 78 anos de idade, por determinação judicial, marcou audiência, para 15 de fevereiro de 2006, com o então ministro da Defesa, o chefe das Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica -, José Alencar, também vice-presidente da República. Na pauta, a elucidação do caso da prisão ilegal, tortura, morte e desaparecimento do corpo de seu filho, Marcos Antônio Dias Batista.

Ela queria apenas enterrar o corpo do garoto, dar-lhe um sepultamento cristão e realizar o ritual do luto. Ela morreu ao sair do ato. Em um acidente automobilístico suspeito. Dona Santinha, mãe do guerrilheiro do Araguaia Divino Ferreira de Sousa, morreu também sem dizer adeus em um ritual fúnebre ao seu ente querido. Codinome Nunes, ele teria morrido sob torturas na chamada Casa Azul, em outubro de 1973, na região do Araguaia.

Mais casos históricos de mortes e desaparecimentos forçados ocorridos com militantes de Goiás compõem a lista macabra. Entre eles, o do ex-presidente da União Nacional dos Estudantes [UNE] Honestino Monteiro Guimarães, nascido em Itaberaí [GO], e que sumiu em outubro de 1973. A sua mãe, Maria Rosa Guimarães, e seu irmão Norton Guimarães, que tanto tentaram reaver os seus restos mortais, já morreram. Sem poder realizar o sonho de enterrá-lo no jazigo da família, em Brasília, Capital da República.

A mãe de Maria Augusta Thomaz, Olga Thomaz, não pôde saber o destino trágico de sua filha. Na madrugada fria de 17 de maio de 1973, uma Força-Tarefa organizada pelo DOI-Codi, Deops (GO), PF, PM (GO) e PC (GO) e Ciex [Centro de Informações do Exército], na Fazenda Rio Doce, em Rio Verde [GO], executou-a ao lado de Marcio Beck Machado. Os seus corpos acabaram enterrados na propriedade rural. Sete anos depois, após o Diário da Manhã ter descoberto o crime e onde estariam os seus restos mortais, eles foram sequestrados e ocultados. Cruel, o então temido Marcus Antônio de Brito Fleury teria participado da ação clandestina.

Membros do Movimento de Libertação Popular [Molipo], uma dissidência da Ação Libertadora Nacional [ALN], Maria Augusta Thomaz e Marcio Beck Machado poderiam ter sido presos, julgados e condenados. Vivos. Mas a sentença do porão, do DOI-Codi, instalado em São Paulo (SP), comandado à época por Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015, era executá-los. Sem direito à defesa. A ordem foi seguida à risca. As suas famílias não puderam também realizar o ritual milenar do luto.

Rui Carlos Vieira Berbert era militante do Molipo. Ele fez treinamento em Cuba, pequena ilha socialista solitária do Caribe. A organização queria, como Carlos Marighella, deflagrar a guerrilha rural. A região norte de Goiás, atual Estado do Tocantins, foi definida como área estratégica. Berbert foi preso e morto. A versão oficial da repressão: suicídio. A sua mãe, Ottilia Vieira, tentou encontrar seus restos mortais. Não conseguiu:

- Ela morreu em 2015.

O que foi a ditadura civil e militar no Brasil

Em primeiro de abril do ano de 1964 fardados e civis derrubaram o presidente da República, João Belchior Goulart, e implantaram uma ditadura. À sombra da guerra fria, a estratégia era desagregar o bloco-histórico populista e levar os interesses multinacionais e associados à direção do Estado.

As tropas de Olímpio Mourão Filho desceram a serra sem um só tiro ou protesto e chegaram no dia 2. Jango teria voado com o general Assis Brasil à Fazenda Rancho Grande, em São Borja. Maria Thereza e filhos foram para o Uruguai. O deposto sai de São Borja em 4 de abril. É o que conta Jair Krischke [RS], presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

- Em seu próprio avião e aterrissa em Durazno.

O primeiro general-presidente a entrar em cena em Brasília [DF] foi Humberto Castello Branco. Ele queria um ato institucional que durasse apenas três meses. "Assinou três". Queria que as cassações se limitassem a uma ou duas dezenas: cassou quinhentas pessoas e demitiu duas mil pessoas.

O seu governo durou nada mais, nada menos do que 32 meses, 23 dos quais sob a vigência de 37 atos complementares. O marechal Humberto Castello Branco foi o cérebro do golpe de 1964. Ele era o líder da Sorbonne militar, composta, por exemplo, de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva.

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Para o brasilianista Thomas Skidmore, o movimento civil e militar de 1964 ocorreu com dez anos de atraso e nunca atingiu o seu objetivo estratégico: desmantelar a estrutura estatal e sindical corporativista montada por Getúlio Vargas, que suicidara-se em agosto do ano de 1954, no Palácio do Catete.

"O golpe ia ser dado em 1954, mas falhou por causa do suicídio de Getúlio Vargas", aponta o autor. Não foi uma quartelada, mas uma ação de classe traçada tática e estrategicamente pelas elites orgânicas do capital transnacional, analisa o cientista político René Armand Dreiffus

- Ipes, Ibad e ESG consideravam o Estado como instrumento de um novo arranjo político e de um "novo modelo de acumulação".

História: as articulações contra João Goulart começaram antes de sua posse, em agosto de 1961. Mais: se intensificaram a partir do plebiscito que decretou a volta do presidencialismo, em janeiro de 1963, e tomaram as ruas após o anúncio das reformas de base, em março do trágico 1964.

Sucessor de Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva decreta o Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro de 1968. Vice, o civil Pedro Aleixo foi impedido de assumir o Palácio do Planalto. Depois de um breve exercício da Junta Militar, Emílio Garrastazu Médici chegou ao poder, em 1969.

Em 1977, Ernesto Geisel, que havia executado a partir de 1974 a distensão lenta, gradual e segura, baixa o Pacote de Abril. João Baptista de Oliveira Figueiredo é abençoado pela caserna no ano de 1978 e o Congresso Nacional aprova a Lei da Anistia, em agosto do ano de 1979.

Os exilados retornaram ao Brasil e os presos políticos deixam os cárceres. A ditadura acabou em 15 de março de 1985. Mas o historiador Daniel Aarão Reis diz que a ditadura acaba, de fato, em 1979. Para ele, de 1979 a 1988 há, no Brasil, um período de transição. De um Estado de Direito Autoritário a um Democrático. O escritor Carlos Fico discorda dessa versão.

A democracia no Brasil, depois dos anos de ditadura civil e militar, só se consolida e se institucionaliza, com a remoção do legado constitucional autoritário e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, sob a Nova República, abençoada pelo senhor Diretas Já Ulysses Guimarães. (Renato Dias)

A ditadura em números

64 Ano do golpe de Estado no Brasil.

15 Número de mortos e desaparecidos no Estado de Goiás.

479 Número de vítimas no Brasil pós-64.

2.000 Número de índios mortos na ditadura.

Dicas de leitura


Brasil Nunca Mais - Org. Dom Paulo Evaristo Arns e reverendo Jaime Wright

A ditadura que mudou o Brasil - Daniel Aarão Reis Filho

Ditadura e democracia no Brasil - Daniel Aarão Reis Filho

Luta armada/ALN-Molipo As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz - Renato Dias

História - Para Além do Jornal - Um Repórter exuma os esqueletos da ditadura civil e militar - Renato Dias

À sombra das ditaduras [Brasil e América Latina] - Janaína Cordeiro e outros

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