A história começa assim: “todas as manhãs, antes de seguir para o trabalho, o procurador federal venezuelano Franklin Nieveds e sua mulhyer, Maria Eugênia, levavam a filha Bárbara para o Coégio Cristo Rey, em Caracas”. Cada vez que levava a filha à escola, Nieves era tomado por um avassalador sentimento de vergonha de si mesmo. O motivo é que ele uma outra aluna da escola, Manuela, de 6 anos, chegava trazida por um empregado. Os pais de Manuela não vinham em razão do que Nieves havia feito. O pai de Manuela estava, e ainda está na cadeia. Nieves o mandou para lá. O algoz vê a filha de sua vítima e lembra que mandou um inocene para o cárcere, por isso a filha dele tem que ser levada à escola por um empregado. O pai de Manuela é Leopoldo López, o principal líder oposicionista da Venezuela.
Assinada por Leonardo Coutinho, a reportagem foi publicada nas páginas da revista Veja desa semana, editada pela Abril. Afirma a reportagem que Leopoldo López, líder da oposição ao chavismo, foi condenado com base em provas falsas. López está preso desde fevereiro do ano pasado, trancafiado numa cela gradeada, acusado de ter incitado atos de violência, de que resultou a morte de 43 pessoas. Deverá cumprir sentença de 13 anos de reclusão. Os “atos de violência”, no caso, foram manifestações pacíficas promovidas pepal oposição e violentamente reprimida pela polícia venezuelana.
Antes de entrar no mérito da reportagem, convêm discutir a prisão de López. Ele é um líder conservador com potencial para vencer uma eleição presidencial no país. Ele critica o “bolivarismo” e propõe soluções neo-liberais para a Venezuela.
Ser conservador, neo-liberal e crítico do chavismo são delitos passíveis de prisão? Em países realmente democráticos, não. Mas, na Venezuela de Maduro, onde o ideal libertário de Simom Bolivar e de Hugo Chavez vai se degenerando numa ditadura cada vez mais depravada, pensar livremente tornou-se crime. Qualquer pessoa relativamente bem informada percebe que acusar alguém de “incitamento à violência” é meramente justificar uma perseguição política mesquinha.
López, o neo-liberal López, o político conservador López, é uma vítima da intolerância. É um preso de consciência. Não importa o credo político que ele professa. Por estar passando pelo que passa, seu nome inscreve-se na galeria de todos os que foram presos e oprimidos por sustentarem convicções contrárias às do governo. Uma galeria que começa lá com Sócrates, percorre toda a idade média e, nos tempos modernos, agrega os nomes gloriosos de um Luiz Carlos Prestes, de um Antônio Gramsci, de um Nelson Mandela... E nem falo dos que sofrem no exílio por terem incorrido na ira dos mandões. São os casos de Edward Snowden e de Julian Assange, procurados pela polícia dos EUA por terem denunciado as bandalheiras do governo americano.
Para tornar ainda mais odiosa a prisão imposta a López, surge a informação de que ele foi condenado com base em provas falsas. Para obter a condenação de López, o governo chefiado por Nicolás Maduro teria montado contra ele um processo fraudulento, passível de anulação em qualquer tribunal verdadeiramente de justiça.
Quem afirma que López foi condenado com base em provas falsas é justamente o falsificador de tais provas. Franklin Nieves é procurador federal na Venezuela. Foi ele quem apresentou a denúncia contra López. Acometido de uma aguda crise de consciência, moído pelo remorso, ele gravou um vídeo que foi divulgado pelo site de notícias La Patillha, no qual ele admite ter montado o processo com base em provas falsas. Veja baseou-se neste site para fazer sua reportagem.
Por que ele cometeu tal monstruosidade? Diz o procurador que seu motivo foi “atender os desígnios do presidente Nicolás Maduro e do deputado Diosdado Cabello”. Ele diz ainda que, quando López foi preso, não havia sequer um inquérito em andamento. Ou seja: prisão arbitrária, posteriormente “legalizada”. Coisa típica de estado policial.
Os fatos são, em essência, estes aí. Todo o resto da reportagem vai no estilo Veja de pieguice. Muita baboseira sentimentalóide e anti-esquerdista. Se os combatentes do imperialismo queriam dar munição ao inimigo, forneceram-na com fartura.
Podemos passar ao largo da crise moral que levou o procurador a confessar a própria torpeza. O que resulta de tudo isso é que, com ações desse tipo, Maduro vai deslegitimando a revolução bolivariana, repetindo em escala menor a monstruosidade dos infames “processos de Moscou”. Foi a partir dos “processos de Moscou” que Stalin aniquilou a velha guarda bolchevique. Foi a partir dali que o socialismo começou a ser identificado com opressão e mentira.
Nieves não é o único dissidente do regime. Talvez seja o mais graduado. Veja conta o caso dos guarda-costas de figurões do regime que sabiam demais e deram com a língua nos dedntes. É o caso de Leamsy Salazar, ex- guarda costas de Hugo Chaves e ex-guarda-costa do presidente da Assembléia Nacional venezuelana, o mesmo Diosdado que esteve por trás da fraude processual que levou López à cadeia.
Por razões ainda não conhecidas, Salazar rompeu com o regime. Fugiu do país, exilando-se nos Estados Unidos da América. Lá afirmou às autoridade americanas que os chavistas controlam 90% do tráfico de cocaína produzida, diz ele, pelas Farc.
Veja especula que a fuga de Salazar espalhou pânico na cúpula do governo venezuelano. O fato é que, depois da fu8ga de Salazar, dezessei agentes de segurança, ou guardas-costas, foram assassinados na Venezuela. Alguns agentes dos serviços de intelgência também apareceram mortos, assassiandos.
Um dos guardas costas assassinados, que prestava serviços a Tarek William Saab, teve o corpo incendidado. Isto aconteceu um dia depois das revelações de Salazar. Saab, figurão do regime, cujo cargo é “defensor do povo”, esteve no Brasil recentemente a convite do PT. Visitou o Senado Federal e depois delcarou que os parlamentares oposcionistas do Brasil são “covardes”, quase provocando um incidente democrático.
As morters dos agentes de segurança sugerem queima de arquivo. Nieves poderá ser o póximo? Não se sabe. Depois de ter se confessado, o paradeiro dele continua desconhecido.
Cada vez mais o bolivarismo descamba para o lodaçal. A crise econômica faz acirrar a crise política. A repressão cada vez mais violenta à oposição isola a Venezuela no concerto das nações. Apesar de ser formalmente uma democracia, o colápso das instituições, sobretudo após a ascessção de Maduro, faz do regime uma ditadura indisfarçável.
O bolivarismo, contudo, ainda tem uma saída. Pode mirar-se no exemplo da revolução sandinista. Depois de um período ditatorial, os próprios sandinistas desmontaram a ditadura que criaram. Aceitaram disputar eleições. Perderam as que disputaram logo após a redemocratização que patrocinaram. Aceitaram o papel de oposicionistas. Até que, por fim, voltaram ao poder pelo voto.
A única saída para o bolivarismo é a aceitação do jogo democrático, com eleições livres e ampla liberdade de opinião. Começa por uma anistia que abra as portas das prisões. Ou isso ou termina como muitas ditaduras: derrubadas pela consciência democrática de povos cansados de miséria e opressão. Ou Maduro liberta Lopez ou acabará no lugar dele: atrás das grades.