Desde 1970 não se criam novos cartórios, contrariando critérios definidos em lei como crescimento populacional e PIB
A proposta de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para verificar a situação dos cartórios extrajudiciais em Goiás provocou um alvoroço entre deputados e recebeu a aprovação de prefeitos do interior que querem a ampliação do número de cartórios. “Ainda há muita pressão para não criar essa CPI por medo do que pode ser revelado, mas temos certeza que teremos o número suficiente para suca criação”, frisou o deputado Santana Gomes (PSL), um dos autores do pedido.
O número de cartórios em Goiás está inalterado desde 1970, quando a realidade populacional e econômica do Estado era completamente diferente, observa o deputado. Junto com o deputado José Nelto (PMDB), Santana Gomes quer buscar as razões pela reserva de mercado que os notários e registradores impõem só para eles ao não permitir que seja ampliado o número de cartórios extrajudiciais. “Precisamos também apurar denúncias de desvios que os cartórios, principalmente de registro de imóveis fazem nas cidades espalhadas por Goiás”, lembra Santana.
Os critérios para estabelecimento de cartórios extrajudiciais são o crescimento populacional e a evolução econômica das cidades. Essas diretrizes deixaram de ser observadas nesse quase quarto de século para garantir que os cartórios existentes continuassem a ter lucros astronômicos e muito poder político. Em Goiânia, por exemplo, os cartórios de Registro de Protestos e Registros Públicos são somente dois e o faturamento é impensável para qualquer mortal contribuinte do Estado.
Em 1070, quando foi feito o último desmembramento dos registros notariais em Goiás a capital contava com 380.773 habitantes, segundo o censo do IBGE naquele ano. A cidade já era considerada grande para os padrões do Centro-Oeste e não apresentava nem um décimo dos problemas que enfrenta hoje. Com mais de 1,296 milhões de habitantes, a cidade cresceu, expandiu e diversificou sua economia e população em todos os sentidos, mas mesmo assim o número de cartórios permanece o mesmo.
Em Goiânia atualmente são quatro os cartórios de registros de imóveis, quando na verdade deveriam ser no mínimo oito, obedecendo critérios da média de cartórios do resto do país. “A média é de um cartório para cada 300 mil habitantes, para cada área”, explica um entendido do assunto. Os cartórios de registros de protestos, títulos e documentos são apenas dois, quando na verdade deveriam ser no mínimo o dobro.
Travamento
Segundo o deputado Santana Gomes a proposta de criação de uma CPI para avaliar a situação dos cartórios foi endossada até mesmo por prefeitos de cidades do interior. “Muitos prefeitos nos procuraram para hipotecar apoio para nossa proposta, mesmo não querendo aparecer para não despertar a ira de cartorários em suas cidades e terem mais problemas”, anotou.
Ele lembra que para qualquer loteamento ou expansão urbana nas cidades a dificuldade maior para aprovação e implantação acontece justamente nos cartórios de registro de imóveis e menos nas Câmaras Municipais. “Se um cartório de registro de imóveis quiser ele trava a cidade”, lamenta o deputado.
O poder de pressão dos notários e registradores vai muito além da compreensão do cidadão comum. Antes eles tinham ascendência quase divinal sobre o judiciário, dado o poder de empregar filhos e protegidos de membros daquele Poder em postos muito bem remunerados e de estabilidade garantida. Hoje, os cartorários exercem um poder considerável, mas reduzido após o Conselho Nacional de Justiça proibir essa prática de nepotismo disfarçado. Mesmo assim eles conseguem segurar pedidos para mudar seu status quo de modo indefinido e garantido. Na Assembleia Legislativa os cartorários conseguem segurar qualquer tentativa de alterar a reserva de mercado para eles. O deputado Humberto Aidar (PT) é um dos principais articuladores em favor dos notários e registradores, fazendo a movimentação contra a CPI e defendendo os interesses dos donos de cartórios.
A criação dessa CPI só terá êxito, avalia o deputado Santana Gomes, se não tiver ingerência do governo do estado para impedir o processamento das investigações. Entretanto, ele acredita na isenção do governador Marconi Perillo em permitir uma modernização da situação dos cartórios em Goiás. “Esse é um assunto de estado e não puramente de governo, o que nos faz acreditar que o governador não irá ceder ao lobby dos cartórios, principalmente porque ele é um estadista e sabe respeitar a evolução que pretendemos para nosso estado”.
Os cartorários têm a seu favor vozes influentes em todas as esferas para tentar barrar a criação da CPI e não dividir os feudos milionários. Um exemplo desse abuso foi amplamente veiculado nas redes sociais e no canal de vídeos da internet, o youtube e aconteceu com o titular de um cartório em Trindade. José Augusto D’Alcântara, titular do 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis da Comarca de Trindade, apareceu em um luxuoso iate ancorado na badalada praia de Saint Tropez, na Riviera Francesa. Com uma garrafa de cerveja na mão, Zé Augusto, como é conhecido, surge em uma banheira de hidromassagem no iate e exclama para um amigo sem qualquer vergonha de ostentar riqueza: “Marquinhos, tem vida mais barata, mas não presta não”, e dispara uma debochada gargalhada para humilhar os mortais que pagam as custas em seu feudo cartorial.