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POLÍTICA

Maldição do impeachment já faz a sua primeira vítima. Quem será a próxima?

  • Daniel Aarão Reis diz que Eduardo Cunha é o protótipo do sistema político corrompido
  • David Maciel afirma que, acuado, ele pode abrir a caixa de pandora da delação premiada
  • Silvio Costa alerta que cassado não é ainda um carta fora do baralho político nacional
  • Humberto Clímaco lembra que peemedebista, com o apoio da mídia, depôs Dilma Rousseff

Eduardo Cunha tornou-se, um tanto por causa dele mesmo, o protótipo deste sistema político que temos: corrompido até a medula. A análise é do doutor do Departamento de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense [UFF] Daniel Aarão Reis Filho. Cínico a não poder mais, esperto, no pior sentido que a palavra pode ter, explica. Por muito vaidoso, quis muito aparecer e, por isso, apesar dos serviços e dos favores que prestou, virou o perfeito bode expiatório, cuja cabeça os inimigos exigem e os amigos, secretamente, esperam ver cortada, afirma o pesquisador especialista em golpes na América Latina.

– Um Cunha deste tipo não surge por geração espontânea, ele não é senão uma das criaturas mais deploráveis deste sistema falido que se torna urgente reformar!

Doutor e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni acredita que Eduardo Cunha caiu, dia 12 de setembro, pelo movimento de autopreservação do golpe. Ele cumpriu seu papel, fez o serviço sujo, mas sua folha corrida é suja demais para se juntar a um governo que alega combater a corrupção, analisa. Sua sobrevida aconteceu por ter sido peça-chave na deflagração do golpe, resume. Articulado com cerca de 160 deputados – que lhe devem favores impublicáveis –, achou que se livraria da lâmina, registra. Errou feio, chuta de primeira.

– Eduardo Cunha era o artilheiro do time numa hora em que caneladas devem ser mais sutis. O golpe passa para uma nova fase, de negociação política no Congresso e – possivelmente – mais repressão nas ruas. A crise econômica se mantém. Por isso é essencial manter as aparências. Nisso, Eduardo Cunha não ajuda.

Doutor em Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Silvio Costa, “velho marxista”, lembra que o peemedebista cassado no dia 12 de setembro de 2016 é de linhagem evangélica, conservador e um profissional da política. Desde o ano de 1991 vem executando seu plano político de acumular poder para chegar à presidência da República, informa. Mesmo em anos anteriores, foi denunciado por corrupção e conseguiu livrar-se e engavetá-las, recorda-se. Como presidente da Câmara dos Deputados, cometeu um erro político primário ao ir à CPI e declarar que não possuía contas no exterior, registra o cientista político.

– Mais: que o seu patrimônio se reduzia ao declarado em Imposto de Renda.

O seu exibicionismo, já que acreditava que o patrimônio e poder acumulados em sua carreira o colocava “acima de qualquer suspeita”, foi fatal, sublinha o professor universitário. A partir de agosto do ano passado, começaram a avolumar denúncias, frisa. Era a Operação Lava Jato, seu nome [e esquema da corrupção] teria sido citado pelos “delatores” e as fortes evidências surgidas, documentadas pelo Ministério Público da Suíça, de possuir contas bancárias naquele paraíso fiscal, torna, evidente e inquestionável, a sua efetiva participação no processo de corrupção na Petrobras, dispara Silvio Costa.

As denúncias tomaram corpo e passaram a “vazar” para a imprensa, registra. Os fatos levaram a Procuradoria Geral da República a denunciá-lo por corrupção e “lavagem de dinheiro” junto ao STF, narra. “Acostumado” a se safar, tentou “manobras”, articuladas com parlamentares pertencentes à “bancada do Cunha”, para desacreditar as denúncias e a farta documentação existente, aponta. Não consegue, apesar disso, mas por ocupar a presidência da Câmara, passa a ser útil para deflagrar o pedido de impedimento da presidente da República, Dilma Rousseff, relata. Umbilicalmente vinculado a Michel Temer, um verdadeiro usurpador, articula um golpe político-parlamentar, dispara.

– Com a “aquiescência” do Judiciário.

Apesar da aliança espúria entre o capital financeiro, os conglomerados de comunicação, o aparato jurídico e policial do Estado, o Congresso Nacional e as classes médias conservadoras, o golpe de 2016 não consegue livrar Eduardo Cunha do processo aberto na Câmara do Deputados por falta de decoro parlamentar, avalia. A ordem, agora, de Michel Temer, é colocar fim à Operação Lava Jato, pontua. Excluído Eduardo Cunha, o passo seguinte é a desestabilização de Michel Temer, a “bola da vez”, fuzila. O grave é que não há no horizonte a perspectiva de superação da crise estrutural que nos foi imposta, resume.

Essas referências são importantes para compreender e afirmar que, mesmo sem mandato parlamentar, Eduardo Cunha, mesmo não tendo foro privilegiado, não é “carta fora do baralho”, acredita o cientista político. Ele possui informações preciosas, com certeza, documentos, sobre os bastidores da vida política brasileira nas últimas três décadas, crê ele. Caso seja decretada sua prisão, ela não será individual, mas familiar, envolvendo sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, ex-Rede Globo de Televisão, e a sua filha, que por sua vez, possuem “segredos”.

– A pergunta é: a família Eduardo Cunha ficará em silêncio ou fará a famosa “delação premiada”?

Doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Goiás [UFG], David Maciel insiste que o cassado Eduardo Cunha, além de ideologicamente conservador, é o típico político fisiológico. Trocando em miúdos: operador político dos interesses particulares de grandes grupos econômicos e associações de classe, metralha. No cumprimento desta missão, ele tem acesso a recursos financeiros vultosos, por meio de financiamento de campanha e de pagamento de propinas, registra. O que lhe permite sustentar não apenas sua candidatura, mas a de dezenas de outros políticos, que compõem uma bancada numerosa no Congresso, narra.

– A sua cassação, ocorrida dia 12 de setembro de 2016, é para Michel Temer uma solução temerária. Eduardo Cunha pode abrir a caixa de pandora da delação premiada, o que faria estragos consideráveis nas hostes governistas, pois é um dos pivôs da articulação golpista que levou o vice ao poder e uma das principais forças políticas do governo federal.

Doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFG, tendo recebido, em Paris, França, orientação do marxista insubordinado Michael Löwy, que, ao lado de Olivier Besancenot, abre diálogo com o anarquismo, Flávio Sofiati diz que o agora cassado Eduardo Cunha, quadro da direita nacional e do PMDB de Michel Temer, seria o exemplo perfeito do modelo de político de direita. Preto no branco: sem compromisso com o público e profundamente envolvido em esquemas de favorecimento pessoal. Trotskista, ele é membro da Insurgência, fração do PSol que é ligada à Quarta Internacional, a central mundial da revolução, fundada em 1938.

MANIPULAÇÃO

Doutora do Departamento de História da UFG, Alcilene Cavalcante frisa que o referido ex-deputado federal, cassado, é um quadro político brasileiro, do alto escalão, que galga poder há quase três décadas. Desde que se mancomunou-se com o falecido PC Farias para assumir, no Rio de Janeiro, a tesouraria da campanha presidencial do Fernando Collor de Mello, recorda-se. Após a vitória eleitoral de Fernando Collor, que contou com a manipulação explícita dos meios de comunicação de massa do País, Eduardo Cunha fora nomeado, então pelo “caçador de marajás”, para presidir a Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro, diz.

– Até ser exonerado por Itamar Franco, após escândalos de corrupção.

Radialista, envolvido com as telecomunicações e evangélico, Eduardo Cunha tornou-se candidato e obteve mandatos parlamentares, em níveis estadual e federal, conta. Há quase três décadas estende seus tentáculos em diferentes instâncias dos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário -, articulando-se com a iniciativa privada para viabilizar seus próprios interesses e de seus aliados, ataca. Trata-se de um notório conhecedor dos trâmites e das brechas do sistema legislativo e, como tal, empenhou-se na engenharia do impedimento infundado de Dilma Rousseff, explica a pesquisadora.

– Não apenas para se vingar por não ter obtido apoio para suspender as averiguações que expunham seu envolvimento em um grande esquema de desvio de recursos públicos para suas contas particulares no exterior -, mas também para favorecer seus aliados [envolvidos com as grandes corporações e entreguistas do patrimônio público], sedentos para acentuar as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de privatizações, de redução dos direitos sociais e trabalhistas, descomprometidos com a qualidade de vida da população brasileira e com as condições de sustentabilidade para o País e para as futuras gerações.

Doutora da Faculdade de Educação da UFG, Diane Valdez é taxativa. Eduardo Cunha é o ídolo da perversidade tupiniquim, afirma ela. Feito coronel modernizado, chegou onde nunca deveria ter chegado, graças aos conchavos de seus comparsas cristãos da monarquia evangélica, provoca. Entrou pela porta da manobra e, de mãos dadas com seus agregados sem caráter, ao som de hino gospel, ignorou o Estado laico, louvando e construindo um império sustentado por negociatas, complôs, blefes, chantagens e práticas típicas de um “sinhô patrão” que se acha dono da terra, da água e do ar, diz, em tom de indignação.

Eduardo Cunha, agora cassado, prometeu elevar sua religião, impondo hostilidade e intolerância, vomitou seus ódios contra gays, mulheres, movimentos sociais e outros que ousaram enfrentá-lo, denuncia. Mentiu, descaradamente, mentiu, insiste. Roubou, sem pudor, roubou e negou o produto do roubo no exterior, já comprovado, acusa. Ao ser contrariado por uma mulher, eleita, que entrou pela porta da frente, se irritou, vociferou e, furioso, como sempre fez, tirou mais uma carta do bolso, ameaçando-a, recorda-se. O preço foi colocado e não aceito, relata. O seu poder de patriarcado foi ameaçado, cutuca.

– Agora não tem mais volta, a história já registrou.

Doutor da Universidade Federal de Goiás e membro da seção brasileira da Quarta Internacional, a corrente marxista e revolucionária O Trabalho, liderada por Markus Sokol, Júlio Turra e Misa Boito, Humberto Clímaco avalia que, pelo histórico de Eduardo Cunha, desde seu envolvimento em escândalos na Era Fernando Collor, trata-se de uma típica figura pública corrupta brasileira. Por ser evangélico e defensor de uma das pautas mais conservadoras, ele acabou por tornar-se um símbolo caricato da hipocrisia do político da direita brasileira: moralista, religioso, corrupto e protegido dos poderosos, critica.

– Inclusive do senador goiano Ronaldo Caiado.

Humberto Clímaco diz que foi justamente pela total falta de escrúpulos de Eduardo Cunha que a direita, incluindo os grandes conglomerados de comunicação, escolheu esse sujeito como a peça-chave para o golpe contra Dilma Rousseff e a tentativa de realização da limpeza [que Ronaldo Caiado chamou delicadamente de assepsia] na política brasileira. Os criminosos e hipócritas que perseguem cruelmente o PT e seus dirigentes [muitos deles presos também por perseguição política na época da ditadura de 1964-1985], dizendo que estão prendendo homens de “colarinho branco”, na verdade se aliaram aos verdadeiros criminosos de colarinho branco para perseguir um partido que, quer queira, quer não, ainda encarna, para a maioria dos trabalhadores e oprimidos que não se deixam enganar por discurso de moralidade seletiva, a aspiração por mudança, alfineta o líder trotskista.

O editor do site www.brasil247.com e colunista da revista semanal Isto É, Leo Attuch avalia que o cassado e ex-todo-poderoso Eduardo Cunha simboliza a mercantilização do parlamento brasileiro. Muito bem conectado ao setor empresarial, ele foi o mais eficiente arrecadador de recursos da Câmara Federal e, com essa força, montou sua própria bancada, que lhe permitiu influir mais e mais, não apenas no parlamento, como também no Executivo, reforçando sua força junto aos empresários, observa. É o símbolo de uma era que poderá chegar ao fim com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, dispara o jornalista.

Diretor editorial do site especializado em política internacional operamundi.uol.com.br, o repórter investigativo Breno Altman frisa que Eduardo Cunha sempre foi uma raposa do centro fisiológico. Que representava os interesses de classe das grandes corporações, não a partir de programas ou alinhamento ideológico, mas fundamentalmente por conta de uma complexa rede de suborno e negócios, pontua. Adversário da aliança do PMDB com o PT, nem por isso deixou de operar seus esquemas durante os governos petistas, atuando nos espaços políticos que cabiam ao seu partido na coalizão, denuncia.

Depois de 2012, passou a ser um dos pivôs do bloco conservador, cujo eixo está na aliança do centro fisiológico com o PSDB, que viria a derrubar a presidente da República, Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016, e afastar o PT do poder, analisa. Quando ganhou a presidência da Câmara, passou a ser protagonista dessa operação golpista, além de principal responsável pela atração de Michel Temer para a conspiração, acusa. A ironia é que, em função da sordidez de seus laços com atividades de corrupção, foi sacrificado por seus próprios aliados e apaniguados, ironiza Breno Altman, de linhagem socialista.

– Para que o golpe antipetista não seja trucidado pela opinião pública!

"Eduardo Cunha queria favorecer seus aliados [envolvidos com as grandes corporações e entreguistas do patrimônio público], sedentos para acentuar as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de privatizações, de redução dos direitos sociais e trabalhistas” Alcilene Cavalcante, Doutora do Departamento de História da UFG   "Eduardo Cunha, agora cassado, prometeu elevar sua religião, impondo hostilidade e intolerância, vomitou seus ódios contra gays, mulheres, negros, movimentos sociaise outros que ousaram enfrentá-lo. Mentiu, descaradamente, mentiu. Agora caiu!” Diane Valez, Doutora da Faculdade de Educação da UFG

NÚMEROS

  • 1992 Impeachment de Fernando Collor, que Eduardo Cunha apoia
  • 12 De setembro de 2016: Eduardo Cunha é cassado
  • 13 De setembro: Eduardo Cunha culpa Michel Temer
  • Day after :Eduardo Cunha promete escrever livro
  • 450 Deputados federais votaram por sua cassação
  • 10 Parlamentares votaram por sua absolvição
  • 9 É o número de abstenções da votação
  • 8 Anos de perda dos direitos políticos
  • 366 Dias: prazo de duração de seu processo
  • 14 Número de deputados de Goiás que votaram sim
  • 13 Deputados de Goiás que não apareceram para votar
  • Sumiu Jovair Arantes desapareceu

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