Em política, opiniões manifestadas se tornam fatos quando quem opina é gente importante. E fatos geram consequências. Quem não mede as consequências de suas palavras, e não está disposto a assumi-las, deveria guardar obsequioso silêncio.
A últimas declarações do secretário de Estado Vilmar Rocha, sobre a candidatura de Zé Eliton, foram de uma inconsequência atroz. Criaram problemas para o próprio Vilmar, que já não tem mais condições políticas de pertencer ao governo. Criou um constrangimento para o governador, que deveria exonerá-lo, mas talvez não o faça pelo respeito, carinho e amizade por um velho companheiro de lutas. Um companheiro que, apesar do passado glorioso, agora abre a porta da cidadela aos inimigos, ou por ingenuidade ou por malícia, num caso ou noutro fazendo o jogo dos assediadores do castelo sob cerco.
Vou dar o exemplo de uma ação divisionista consequente, por isso eticamente louvável. Em 2006, o PSDB goiano anunciou o nome de Leonardo Vilela para a sucessão de Marconi Perillo. O PP, pro razões deles lá, e que não vem ao caso, fez saber a Marconi que não apoiaria este candidato e que, no caso dos tucanos insistirem naquele nome, o partido lançaria seu próprio candidato, que seria Alcides Rodrigues. O resto da história todos sambem. O PSDB reconsiderou sua decisão e preferiu continuar a aliança com o PP. E assim Alcides Rodrigues foi eleito governador. Grandeza dos dois lados. Marconi, chefe dos tucanos, preferiu vencer com Alcides a perder com Leonardo. E Alcides, líder dos pepistas, jogando aberto, divergindo com lealdade.
Se José Eliton, que serve não só para o PSDB, mas para toda a comunidade governista – a chamada “base aliada” -, se Eliton, repito, que serve para a maioria, não serve para Vilmar, deveria então o secretário dizer quem serve para ele. Ocorre que Vilmar não tem um nome alternativo. Para ele qualquer um serve, menos Zé Eliton.
Quando Vilmar diz que o candidato tem que ser um nome “da sociedade, não do governo”, autoriza-nos a inferir que qualquer um serve. Esse papo de “candidato da “sociedade” é um evidente sofisma. É a mais deslavada falácia, e um intelectual como Vilmar deveria ter vergonha de usar argumento tão mesquinho.
De que sociedade se fala? No contexto da fala de Vilmar, “sociedade” é um conceito pobre, o mais vazio de todos. Um nada. No contexto da realidade goiana, o candidato da sociedade será aquele que o eleitorado consagrar nas urnas. A sociedade escolherá, entre os concorrentes, todos eles candidatos de partido, aquele em quem mais confiar.
Vilmar parece não se dar conta de que José Eliton é o candidato, em primeiro lugar, do PSDB. No meio tucano, é o candidato de consenso, unitário, uma pretensão que tucano nenhum impugna. Como Vilmar não é do PSDB, não deveria se imiscuir em assuntos internos de outro partido. Poderia fazer como fez Alcides. Se o PSDB tem candidato, nós, do PP, teremos o nosso.
Mas qual é o candidato do PSD, o partido de Vilmar? Pela manifestação da maioria dos pessedistas goianos, o PSD não tem candidato próprio a governador. Os pessedistas goianos, pela fala autorizada de seus líderes, apoiam Zé Eliton, vão marchar com Zé Eliton. Com isso, Vilmar ficou falando sozinho dentro do seu próprio partido. E falou sozinho porque não foi consequente o bastante para, ao vetar Zé Eliton, oferecer nome alternativo, mesmo que fosse o dele próprio. “Candidato da sociedade” não é alternativa, é retórica de política estudantil secundarista; péssima retórica, aliás.
A oposição adorou o gol contra de Vilmar. Tanto que Daniel Vilela, o “candidato jovem” do PMDB, já ofereceu guarida a Vilmar. Como Vilmar, também Daniel argumenta em termos de “sentimento de mudança”, um conceito dado a priori e sem qualquer base empírica.
Vilmar foi um dos artificies da chamada “base aliada”. Jogou papel de suma importância na construção da aliança que há 16 anos vem vencendo nas urnas e governando muito bem o Estado. Vilmar é parte desta história e ninguém poderá tirar o seu retrato da galeria de honra do temponovismo. Mas agora ele mesmo se coloca fora, inconformado por estar, eventualmente, em minoria, e sem saber lidar com isso.
José Eliton não foi, como às vezes Vilmar insinua, uma imposição autoritária de Marconi. Desde antes das eleições de 2014, já se discutia intra-muros o nome de José Eliton para a sucessão de Marconi em 2018. José Eliton tem qualidades excepcionais que o credenciam a disputar o governo, já o demonstrou muitas vezes. Vilmar sabe disso, concorda com isso. Mas José Eliton não teria chegado a lugar algum se não tivesse feito por merecer.
O vice-governador é um político habilidoso, afável, sem afetação, que não dá bola para as pompas do poder. Tem inesgotável paciência para ouvir os companheiros, e nunca toma decisões precipitadas, ou inconsequentes. Ganhou a confiança de Marconi pela lealdade que sempre lhe devotou, e por aceitar sem resmungos todas a missões, até as mais desgastantes, que Marconi lhe confiou.
Mas sobretudo ele soube ganhar a confiança e o carinho da base aliada. Ele é, hoje, o candidato da base mais até do que o candidato de Marconi. E supondo que Marconi fosse acometido por uma insanidade qualquer – vamos fantasiar um pouquinho – e decidisse que o candidato da base seria outro, certamente não seria obedecido. A base não o acompanharia. Vem daí as amplas possibilidades eleitorais do candidato governista. Ele soube ganhar a adesão espontânea da companheirada. É o líder que todos seguem por camaradagem, não por dever de obediência.
É contra este fato consumado, construído tijolo a tijolo pelas lideranças responsáveis e consequentes da base aliada, que Vilmar agora se insurge publicamente. Insurge-se forma inconsequente, personalista, parecendo não se dar conta de que sua atitude, um ponto fora da curva, desserve a causa a que ele deveria continuar servindo. Uma atitude que rompe laços de compromisso, que abala um vínculo de lealdade.
Vilmar se colocou objetivamente no campo da oposição. Deveria, paraserumpouquinhoconsequente, aceitar o convite de Daniel e se juntar aos assediadores da fortaleza. Tem o dever moral de exonerar-se do cargo de confiança que ocupa, pois decaiu desta confiança, que é política e não ética, ao vetar publicamente a candidatura de Zé Eliton. Seria até um gesto de amizade a Marconi, pois o pouparia de praticar o desagradável ato que seus deveres de chefe político agora lhe impõe como imperativa necessidade: assinar o decreto de exoneração de seu antigo irmão de armas.