Após ver o nome da poetisa goiana Cora Coralina no centro de uma polêmica, a diretora do Museu Casa de Cora Coralina, Marlene Veloso, 63, afirmou na manhã de ontem em entrevista ao Diário da Manhã que houve má-fé no uso de uma frase atribuída à escritora que denegriu a imagem do senador e candidato ao governo de Goiás Ronaldo Caiado (DEM). Responsável por manter o museu de portas abertas desde 1989, quando o espaço foi inaugurado em homenagem ao centenário da escritora, ela revelou que o ex-governador Leonino Caiado, durante a ditadura militar, concedeu uma pensão de mercê em reverência ao trabalho de Cora. Relatou também que a principal função da casa é reverenciar a produção literária da autora e fomentar a prática de leitura.
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
DM– Como foi o caso fake envolvendo a poetisa Cora Coralina?
Marlene Veloso– Soube da polêmica em torno da fake atribuída a poetisa Cora Coralina quando as pessoas começaram a me ligar, a conversar, a perguntar que história era aquela, se eu tinha visto o post. Entrei no Facebook e vi em uma foto de Cora e uma frase atribuída a ela se referindo à família Caiado, dando a entender que se o senador Ronaldo Caiado ganhasse a chibata retornaria à vida política de Goiás. Desta forma, quando vi aquilo, fiquei pensando que se tratava de um absurdo, de uma inverdade. Para evitar que essa ação ganhasse grandes proporções, tomei a iniciativa de entrar em contato com os familiares da escritora e busquei os meios cabíveis para fazer com que casos como esse não se repitam mais.
DM– Você chegou a comentar que o autor legitima seu post citando supostas frases de Cora. Qual obra foi referenciada?
Marlene Veloso– O livro citado foi Histórias da Casa da Ponte. A temática gira em torno de assuntos que fazem parte da cidade, como a Casa Velha da Ponte, a promissão das almas, o caso da irmã que trabalhava no quintal e por meio das plantas conseguiu sustentar um filho que cursava Medicina no Rio de Janeiro. Em nenhum dos contos que compõem o livro há qualquer menção à frase usada pelo autor do post fake. A pessoa é tão leviana que teve o trabalho de citar algo que não aparece em nenhum dos textos. Me pergunto: como que a pessoa faz uma leviandade dessa? Aproveito também para ressaltar que Cora jamais falaria uma coisa nesse sentido. Inclusive, não viveu o momento em que os Caiados governaram Goiás.
DM– Então não há problema algum em afirmar que o episódio da frase atribuída a Cora é uma inverdade?
Marlene Veloso– Sem dúvida, porque quem escreveu isso é uma pessoa irresponsável. Passei esse problema para a família, pois ela tem sobrinhos e netos que são advogados.
DM– Ela foi embora da cidade de Goiás após a Revolução de 1930, que culminou na queda política da família Caiado e ascensão da oligarquia de Pedro Ludovico Teixeira. Como foi o período que ela esteve ausente de sua terra natal?
Marlene Veloso– Ela saiu da cidade de Goiás em 1911 e retornou somente em 1945. Neste período, ela não teve qualquer relacionamento com Goiás e, por isso, o post vinculado nas redes sociais é inverídico. Como Cora poderia saber a forma com que os Caiados governavam? Quando voltou à sua terra natal, passou a ter uma relação muito forte com a família Caiado. A poetisa participava de todos os eventos e tratava as personalidades políticas de forma tranquila.
DM– Cora chegou a ser amiga da professora Brasilete Ramos Caiado. Como era a relação das duas?
Marlene Veloso– Brasilete, se você for consultar jornais antigos da época, levava Cora para todos os eventos onde tinham personalidades políticas. Ela era ativista e foi uma das responsáveis por trazer o título de patrimônio da humanidade à cidade de Goiás. Era uma mulher muito humanitária e completamente voltada para as questões de Goiás. Foi uma das primeiras que levantou bandeiras a favor das pessoas que não tinham suporte social, quando houve a enchente em 2001. Tudo isso para ajudar as famílias que ficaram em situação de vulnerabilidade social. Brasilete era amiga da poetisa Cora Coralina e ia na casa dela constantemente. Depois que Cora faleceu, em 1985, continuou sendo parceira e, inclusive, o médico Brasílio Ramos Caiado chegou a atendê-la em vários momentos.
DM– A poetisa chegou a mandar uma carta para o senador Ronaldo Caiado pedindo para ele ajudá-la. O que motivou o pedido?
Marlene Veloso– O jornalista Martins veio morar na cidade de Goiás, acabou conhecendo Cora e se interessou por sua obra. Foi ele quem fez a primeira orelha do livro Poemas dos Becos Goiás. Na época, ele era jornalista e trabalhava na editora José Olympio e, quando os manuscritos de Cora chegaram em sua mão para avaliar se podia valia a pena ou não publicá-los, fez uma justificativa e a obra foi publicada. A partir disso, na década de 1980, mudou-se para Goiás. Ficava aqui ajudando Cora a separar os manuscritos para que saísse novos livros. Porém, ele teve uma crise nervosa e tentou suicídio.
DM– Você era próxima a eles, né? Como foi a ajuda fornecida pela família Caiado?
Marlene Veloso– Eu era bem próxima a eles e fui a primeira a ficar sabendo o que havia acontecido. Então, Cora escreveu um bilhete para Ronaldo Caiado, pedindo para que o atual senador atendesse Martins. Caiado tinha uma clínica em Goiânia e, quando fomos à Capital para iniciar o tratamento, havia um médico que já estava esperando na porta da clínica. Martins passou por trabalho de reconstrução de sua mão, que ficou afetada por conta da tentativa de suicídio. A relação dela com a família Caiado era muito forte. Era uma relação de amizade mesmo.
DM– Como que está a Casa da Ponte?
Marlene Veloso– Hoje, a Casa da Ponte é a maior referência em turismo na cidade de Goiás. É sem fins lucrativos, é autossustentável e não recebemos recursos federal, estadual ou municipal. Temos um café no quintal, que mantém o museu funcionando. Recentemente, fomos contemplados pelo edital do Patrimônio Cultural Brasileiro. Poucos museus no País conseguiram e nós somos os únicos do Centro-Oeste. Atualmente, a casa funciona como uma casa de poesia mesmo, seja falada ou impregnada nas paredes.
Se você for consultar jornais antigos da época, levava Cora para todos os eventos onde tinham personalidades políticas. Ela era ativista e foi uma das responsáveis por trazer o título de patrimônio da humanidade à cidade de Goiás” Cora escreveu um bilhete para Ronaldo Caiado pedindo para que o atual senador atendesse Martins. Caiado tinha uma clínica em Goiânia e, quando fomos à Capital para iniciar o tratamento, médicos já estavam esperando na porta da clínica” A pessoa é tão leviana que teve o trabalho de citar algo que não aparece em nenhum dos textos