Home / Política

POLÍTICA

Guerra suja digital

  •  Até incesto aparece nas mensagens que viralizam no WhatSapp, o principal aplicativo utilizado nas eleições para veicular mentiras e dados falsos, em 2018
  •  Um exército de disseminadores–até robôs–de Fake News contribui para alimentar crise, que leva à crimes comuns como a morte, em Salvador, de Moa do Catendê
  •  Em bolhas de eleitores que comungam com ideias sexistas, misóginas, homofóbicas, racistas, de rejeição aos indígenas, quilombolas e pobres das periferias

Primeiro, acusação, pós-guer­ra-fria [1945-1991], de comu­nismo. Segundo, aponta o dedo para o suposto responsável de um ‘kit gay’, com imoralidades, que nunca existiu. Terceiro, até incesto aparece nas mensagens. Quarto, da­dos e mentiras viralizam. Como um rastilho de pólvora. Para espalhar pânico. De que estaria em marcha uma eventual destruição dos va­lores cristãos. Do Patriotismo. Da Tradição, da Família e da Proprie­dade. Uma herança da Casa Gran­de & Senzala. Do escravismo colo­nial. Montagensgrosseirasinvadem, hoje, as redes sociais. Em bolhas de eleitores que comungam com ideias sexistas, misóginas, homofóbicas, racistas, de rejeição aos indígenas, quilombolas, pobres das periferias, pessoas de linhagem à esquerda no espectro político no Brasil do século 21. O principal mecanismo de trans­missão das calúnias e baixarias é o aplicativo WhatsApp. Grupos fecha­dos, criados a partir do exterior, para atrair um eleitorado que se informa, 61,3%, apenas por Fake News. Notí­cias falsas. Uma guerra suja digital. Como a que elegeu Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos das Américas. As mãos de Steve Ban­non. Da Cambridge Analytics. O TSE cruza, hoje, os braços. O Bra­sil entra na rota das direitas fascis­tas globais. Com a ascensão de Jair Bolsonaro [PSL].

Comandante da Revolução Cubana de primeiro de janeiro de 1959, Fidel Castro aparece ao lado de uma jovem mulher. É Dil­ma Rousseff? Não. Longe disso. A ex-presidente da República, de­posta, no ano de 2016, sem ter co­metido crime de responsabilidade, por um golpe frio, líquido, parla­mentar, com o Congresso Nacio­nal financiado, em 2014, por recur­sos empresariais, além do suporte dos aparatos policial e jurídico do Estado [PF, MPF, TRF e STF], assim como a cobertura ‘editorializada’ da mídia, nunca assaltou bancos. Nem era terrorista. Fernando Ha­ddad, graduado em Direito, mes­tre em Economia, doutor em Filo­sofia, professor de Teoria Política Contemporânea, da Universida­de de São Paulo [USP], quer im­plantar, no Brasil, o modelo boli­variano da Venezuela. É Fake. Luiz Inácio Lula da Silva teria uma for­tuna escondida em paraíso fiscal. Mentira. É o conteúdo que circula no WhtasApp. Levantamento es­tatístico, produzido pela Agência Lupa, aponta que apenas 8% das imagens que circulam seriam ver­dadeiras. Números alarmantes. As­sustadores. Em ‘tempos sombrios’. De fragilização da recém-conquis­tada democracia brasileira. Pós-5 de outubro de 1988. Com a pro­mulgação da Nova Constituição Federal. A Carta Magna Cidadã, anunciada por Ulysses Guimarães.

Fake News e Pós-Verdade cons­tituem nomes diferentes para fe­nômenos semelhantes, explica o historiador de Brasília, a capi­tal da República, Clayton de Souza Avelar. Narrati­va antiga, pontua. No ce­nário político, sublinha. Como Paul Joseph Goe­bbels, nascido em 29 de outubro de 1897, na Alema­nha, e morto em primeiro de maio de 1945. O autor da cé­lebre frase de que uma mentira re­petida mil vezes torna-se verdade, informa ao Diário da Manhã o pes­quisador da História Contemporâ­nea. A novidade, utilizada nos EUA, é o uso do aplicativo WhatsApp, com mensagens falsas, replica­das por eleitores de reduzida for­mação cultural nem sólida estatu­ra política e ideológica, dispara. O perfil do segundo tipo de elei­tor que dispara as mensa­gens se identifica com o conteúdo das Fake News e tenta obter adeptos ao seu projeto de poder, diagnosti­ca. Um típico caso de mau-cara­tismo mesmo, desabafa. Já Al­tenir Santos, colaborador do jornal gauche ‘A Verdade’, vê na violência política verbal e di­gital do primeiro e segundo tur­nos das eleições presidenciais, de 2018, a extensão de crimes comuns como a morte, em Sal­vador, Bahia, a Terra de Todos os Santos, do capoeirista Moa do Ca­tendê. Além da influência das Fake News, a escalada de ataques a elei­tores de Fernando Haddad é pró­pria da política fascista para criar o medo e o terror na população, analisa o ativista social e político.

- Para impor sua política de reti­rada de direitos dos trabalhadores e de submissão aos EUA.

A ameaça de um retrocesso po­lítico, social, econômico, cultural e das liberdades individuais e co­l e ­tivas é real, admite Altenir Santos. Um exército de disseminadores–até ro­bôs–de Fake News con­tribui para alimentar a crise, alfineta o pro­fessor de História, em São Paulo, ‘band leader’ do grupo Combate Pelo Socialis­mo, Heitor Cláudio, um ‘enragé’ de 1968. Com mentiras, provo­cam a violência, conclamam o elei­torado do País a adotar posturas de torcidas organizadas violentas de clubes de futebol, reclama. Com a face mais perversa da moeda, ob­serva o sindicalista ligado à Central Única dos Trabalhadores, a CUT, fundada em agosto do ano de 1983. Presidente do Sindpitdog, Ademil­do Godoy é taxativo. O bombar­deio da Globo, controlado pelo clã dos Marinho, replicados pelos sete conglomerados de comunica­ção [Abril, Folha de S. Paulo, Esta­do de S. Paulo, Band, Record, SBT, Isto É], empresas com gestões fa­miliares, serviu para ‘demonizar o PT’. As classes médias, que a filósofa Marilena Chauí classifica como ‘fascistas’, criaram o velho ‘ovo da serpente’, insiste. Como o de 1964, fuzila.

DONALD TRUMP

O esquema montado pelo ‘Pato Donald Trump’ é o mesmo do Bra­sil, fundado nas ideias de Steve Bannon, afirma o historiador Rei­naldo Pantaleão, velho seguidor das ideias do ‘barbudo Karl Marx’. Mentiras repetidas todos os dias, à exaustão, destaca. Para um per­centual dos eleitores, se consti­tuem em verdades, crê. Tempero de tecnologia e de massa despo­litizada, conservadora nos costu­mes, em tempos de recessão eco­nômica, precarização dos serviços públicos, elevada taxa de desem­pregados e desalentados – 27,7 milhões –, alto número de inte­grantes do mercado de trabalho informal ou invisível – 36 milhões –, além de 22,5 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade so­cial, de volta ao Mapa da Fome, da ONU, a Organização das Nações Unidas, com repulsa pelo siste­ma político tradicional corrupto, não republicano, patrimonialista e produtor de escândalos midiá­ticos, que exigem um Salvador da Pátria, avalia o professor. O papel do neopentecostalismo é de pro­tagonismo aberto, hoje, alerta ele, em tom de indignação. Hamilton Carvalho conta ao Diário da Ma­nhã que Jair Bolsonaro, com 28 anos de mandato na Câmara dos Deputados, encarna, sim, a barbá­rie. A barbárie é refundada na ig­norância, diz. Com uma utilização brutal das redes sociais, metralha.

O submundo sem regras das Fake News possui uma escalada direta com a violência politica nas eleições de 2018, atira o historiador Paulo Henrique Costa Matos, do Estado do Tocantins. Ele estimu­la o ódio, a raiva, o ressentimen­to contra o adversário, observa. O que faz deste o responsável por tudo de ruim que há no país, sem dialogar com a rea­lidade social, econômica e políti­ca, analisa. Assim como favorece candidatos que não têm preparo, propostas, soluções para a crise e capacidade de solucioná-la, acre­dita. Em tempo: 97% dos grupos de WhatsApp, que espalham Fake News, são grupos familiares, imu­nes a qualquer argumento contrá­rio àqueles impulsionados, critica. Se você é contrário precisa ser eli­minado, bloqueado, excluído, vo­cifera. ‘Persona non grata’, resume. As supostas verdades dos grupos seriam inquestionáveis, imunes a qualquer verificação de fontes, verdades absolutas, conceitua o estudioso do tema. Como a má­fia, em que os indivíduos confiam por pertencerem à organização, registra. Com o estratosférico nú­mero de pessoas que se informam apenas por notícias de WhatsApp cria-se um círculo vicioso que tor­na-se difícil de romper, desabafa.

- Um retrocesso e uma ameaça à democracia.

STEVE BANNON

Professora, jornalista e biógra­fa, Betty Almeida, de Brasília, con­fidencia que o filho de Jair Bolso­naro teria conversado com Steve Bannon, antes do início da cam­panha eleitoral à Presidência da República. Jornalista e advogado, Valterli Leite Guedes relata que o WhatsApp é, hoje, uma ferramen­ta moderna na mão de amadores, de pessoas, muitas delas, destituí­das do mínimo de formação, que fazem uso inadequado do apli­cativo e que no Brasil atual tra­rá um desastre iminente. Jor­daci Mattos, secretário-geral da Confederação Nacional das Associações de Moradores, com sede em São Paulo, ca­pital, diz que a internet revo­lucionou o mundo, permi­te que a informação circule na velocidade da luz, mas aumenta a in­tolerância, a violência e muda o resultado eleito­ral. Advogado, Nab­son Santana frisa que as Fake News foram de­cisivas para o êxito dos fascistas. O WhtasA­p p transformou-se em verdadei­ro círculo de disseminação de in­formações falsas, sem o direito ao contraditório, à ampla defesa, o que traduz uma ofensiva con­servadora contra as ideias pro­gressistas e cidadãs, afirma Gui­lherme Martes Martins. Jornalista, mestre em Comunicação e Direito e doutor em Sociologia, Welliton Carlos diz que o problema cen­tral está na velocidade da infor­mação. “Quanto mais, veloz me­nos constatamos e comprovamos a veracidade. Com o Iluminismo, ocorreu uma mudança: surgiram leitores mais críticos, que isolaram os panfletos ‘amarelos’ e sensacio­nalistas. Penso que o leitor tende, nas próximas décadas, a aprender a ler a realidade sem Fake News e as evitar. Em 2018 é impossível. Jair Bolsonaro repete a estratégia de Donald Trump”, frisa.

- O que compromete a democra­cia em sua raiz mais profunda: o di­reito à informação.

Doutor do Departamento de História da Universidade Fede­ral de Goiás, David Maciel lem­bra que a propagação de notí­cias falsas, sem limites, alimenta a cultura do ódio e o tratamento da divergência pelo método da vio­lência. É uma perspectiva política fascista, define-a. A questão que se coloca é: como frear a devas­tação que as Fake News promo­vem, questiona a professora de Filosofia, Magda Borges. “Se até em países com altos índices de escolaridade têm encontrado problemas para checar a credibili­dade de informações, imagine em um cená­rio como o da desigual socieda­de brasileira”, afirma. Fake News nunca são inocentes, garante o presidente da União Brasileira de Escritores, seção de Goiás, Edival Lourenço. Elas são sempre ma­liciosas e trazem em seus con­teúdos [falsos, obviamente] o ve­neno para intoxicar as relações sociais, explica. Miram um alvo e buscam atingir um objetivo, pontua. Como estamos vivendo a explosão das informações pe­las redes sociais e a maioria das pessoas está se informando prin­cipalmente pelo WhatsApp, e so­mado a este contexto a situação política polarizada, a escalada da violência, pelo que estamos vendo, se torna inevitável, refle­te. Não será excessivo supor que as Fake New constituem a pólvora que faltava para que a incipiente democracia brasileira viesse a su­cumbir, lamenta o maior escritor das ‘Terras Goyazes’.

VIOLÊNCIA, SEM REGRAS E CRIME

Operário, Javan Rodrigues acre­dita que as Fake News nos condu­zem à violência, ao crime. Djalma Araújo diz que Jair Bolsonaro seria um subproduto da cultura arcaica nacional, do escravismo colonial, da dominação capitalista, que traz na lapela a herança autoritária da ditadura civil e militar [1964-1985]. Um ‘mix explosivo’ de regras frou­xas ou ausência de medidas prote­tivas, com o descrédito dos grandes conglomerados de mídia, as redes sociais se tornaram os mais estra­tégicos meios de comunicação do Brasil, sem compromissos com a verdade e aberto às imbecilidades, resume o publicitário Ademir Lima. Diretora do Sindicato dos Jornalis­tas Profissionais do Estado de Goiás, Denise Rasmussen é incisiva. O elei­tor de Jair Bolsonaro o vê um salva­dor do mundo. Um homem hones­to, incorruptível, contra tudo o que está aí, que irá combater, com mão de ferro, a violência, dar mais segu­rança às suas famílias, avalia. Os seus adeptos não questionam nada, ata­ca. “Logo, nada mais natural acredi­tarem nas Fake News, notícias fal­sas, que dizem aquilo que justifica a sua escolha pelo capitão do EB”

Renato Dias, 51 anos de idade, é graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Goiás. Mais: pós-graduado em Políticas Públicas, pela mesma instituição de ensino su­perior, a UFG. Em tempo: com curso de Gestão da Qualidade, pela Fieg, Sebrae– GO e CNI. Além de jornalista pela Fa­culdade Alves de Faria, a Alfa. O repór­ter especial do jornal Diário da Manhã e colaborador do www.brasil247.com é também mestre em Direito, Relações In­ternacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica, a PUC de Goiás. É autor de 15 livros-reporta­gem, premiado por obras investigativas e reportagens de direitos humanos.

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias