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O DIA levantou e apagou a última estrela. O menino mirava a vida à porta do olhar e longe de si. Caminhava no sonho à procura de onde fica o futuro. Passa à sua frente um tucaninho saído no primeiro voo do ninho, seguido à distância por um gavião planando no voo dos ventos. Correntes contrárias nos ventos provocaram mudanças no clima. O tucano inexperiente foi deslocado aos sopros das virações, as asas quebraram, e caiu no vazio dos vácuos. O gavião o pegou no pescoço com as garras, desceu em voo rasante, desprendeu-o do alto imobilizado no bico grande ao chão e assentou numa árvore, à espera do temporal terminar para devorá-lo. O menino deu muitos cochilos na palhoça e, quando acordou, era tarde para livrar o pássaro ferido da ave de rapina. O menino panhou o tucano, andou no arborizado e o agasalhou em uma moita, ouvindo os piados do gavião sobrevoando a mata. O que houve depois, só o mistério poderá dizer.
OS ANOS cresceram o moço no menino. A sede ao grande ardia-o ao fogo no anseio. A chama da predestinação o puxou na ideia para as subidas ao poder. Movia-o a pretensão da faísca de ser o incêndio, ou, talvez, a presunção da gota de inundar o deserto. O fantástico é que a vocação política, aos empurrões nas dificuldades e no desembaraço das objeções dos adversários, dando-lhe rasteiras, o mestrou em sagacidade. Chegou ao pino do paradisíaco nos ombros do povo. Derrubou descrenças e levantou esperanças. Apagou pesadelos e acendeu sonhos. Fez obras grandiosas? Fez. Implantou mudanças históricas? Implantou. Esteve adiante de seu tempo? Esteve. O fado jogou do seu lado nos favores da sorte, e o pôs no andor do ilusionismo. Despercebido no tino do senso, endeusou-se na ebriez das loas. O alucínio o chamou em Goiás para ceder-se ao Paraíso em São Paulo, e se levou desavisado que o destino tem mais encruzilhadas que todas as estradas do mundo juntas. E ali, onde a vida faz a curva nas sinas, ele não caiu em si na autocrítica e caiu bobinho nos véus da aristocracia. E foi-se matando no poeta que ousava no coração dele e ficou o mercenário posado sozinho com ele na cabeça. Passou a agir com a frieza cordial inversa ao caloroso descontraído na personalidade. Ouvia com as orelhas noutra atenção. Tornou-se eixo de rodas girando no elã dos enganos. Ia ao inferno das conivências a procura de luz nas conveniências. Tropeçou nas amizades firmadas na sinceridade aberta nas estimas e acompanheirou-se de lealdades mutantes nos apegos nas trocas do poder. Chegou às vitrines da popularidade vestido do manto bento das glórias e voltou aos trapos no prestígio para o tear das eleições. O menino que chegou onde fica o futuro, voltou do porvir no moço que o governo envelheceu. Terá de carregar a cruz, no sofrimento escorrendo nos cortes das lanças dos carrascos, nas cisões da dor na honra, nas escoriações da coroa de martírios na consciência, para ressuscitar-se no político.
O PODER o destruiu. Todas as feridas que abriu, nos golpes da traição a amigos, se juntaram na dor de sua ingratidão. A vaidade o empobreceu na adulação dos elogios. O moço simples se aprisionou escravo às passarelas da celebridade. O champanhe o afogou nas taças. Bebeu o gosto do eterno no tempo que o durou endeusado nos quatro mandatos de governador. O Céu, o poder não era. O destino veio buscá-lo para o descalço no espinhal das decepções. A Onipotência, miragens foram. O mundo veio descê-lo das tentações no encanto nas glórias para o resgate solitário das provações na humildade. Terá de percorrer resignado o ermo no âmago que o desola nas sentenças da consciência. Não consta descanso na cruz às costas. É um passo nos abandonos da solidão, outro rastro nas amarguras do martírio. É o peso do passado na cabeça, as lembranças do doído no coração. É o deserto nos olhos e o beber água nas lágrimas. É o caráter lavar a vergonha no suor da face. E só penitenciado assim a pessoa irá à absolvição das faltas na Terra e terá a bênção do perdão no Céu. A vida eterna não aceita devolução de tarefa descumprida na missão do espírito.
VÊ-LO caminhar para o sacrifício retalha-me de piedade, por não tê-lo feito acreditar nas mensagens enviadas-me pelos espíritos de Alfredo Nasser, Pedro Ludovico e Fábio Nasser para que reconduzisse o amigo dos desvios humanos à trilha da alma. Tentar, tentei, e como tentei!, mas sentia o amigo equidistante de mim à minha frente. O distanciamento começou nos primeiros meses do seu terceiro mandato e reduziu o nosso convívio à intermediação de um reduto de jornalistas que beijam no peito e mordem às costas. Não estou aqui para condená-los. Vim para perdoá-los. Não sabem o que os espera. Um dia a vida vai contar para o amigo. Saberá que nos últimos dois governos o blindei no Diário da Manhã da antecipação dos seus escombros de agora, e comigo exposto à censura silenciosa no público, verbosa nos esquinados da oposição e afiada no corte de publicidade ao jornal nas verbas de propaganda oficial esbanjada para os demais órgãos de imprensa, sites e blogs editados e controlados por escribas encobertos no anonimato visível nos vazamentos. Conheço o desterro da tranquilidade nas emoções. O fardo mais pesado e difícil de carregar é a liberdade de opinião. Na inteireza da minha vida no jornalismo, desci e subi a escada dos cadafalsos da forca e da guilhotina, ora a corda rebenta, ora o nó desata, e a liberdade me escapa do silêncio eterno.
QUANDO o Diário da Manhã estampar nas próximas semanas o artigo LUZ QUEBRADA, que está na diagramação e terá mais de 80 páginas, os leitores entenderão a razão de haver desligado a turbina que tenho no cérebro, carregada de nitroglicerina panfletária. E, só então, o amigo entenderá o motivo superior de eu ter sofrido tão calado durante tanto tempo. A causa foi esse alerta enviado-me pelo espírito do Fábio Nasser em uma longa mensagem, publicada na íntegra à época: “Por ironia e seu senso de justiça irá defender um ex-governador”. As tentativas de preveni-lo calejaram-me nos alertas em vão. Se o amigo houvesse escutado os conselhos que lhe transmiti dos espíritos (um deles foi seu amigo, o Fábio), não estaria agora na situação daquele tucano. Ou se o seu conhecimento não fosse de meias leituras (ele só, não; outro amigo também, e que está à beira do vácuo na ventania das mudanças), não teria bebido a amargura na taça da derrota. O forte é aquele que assume e vence as suas próprias fraquezas nos embates com o perigo, assim como nada é maior na honestidade do que assumir o que se fez. Saia, amigo, do fechado no mutismo para o aberto da coragem. A honra o chama. Não espere a poeira passar, que está no meio dela a oportunidade do alvo se desviar dos ataques certeiros. Se tiver que cair, caia de pé. Mas enfrente de frente o que vier. A morte não existe. Do que a pessoa fugir na Terra, o espírito não terá como se esconder no Céu. As mudanças que sacodem o Planeta não são daquelas que mudam só de pessoas nos poderes terrenos. Abriu-se o tempo do Apocalipse. As 7,7 bilhões de pessoas do mundo, estimadas pela ONU (2018), e as que nascerão depois, todas estão na Tábua do Armagedom. Não seja, amigo, desses líderes que ficam com a alma mendiga pedindo piedade na pessoa.
A CORRUPÇÃO tem sido uma herança de governo para governo em Goiás. Todos os governadores passaram no meio dela, uns mais à vontade, outros menos satisfeitos, poucos saíram limpos no dinheiro. Até em volta desses íntegros, houve assessores de mãos mais rápidas. Todavia, em círculo de várias Suas Excelências, existiram ligeirinhos demais nas verbas. O comum, porém, é a rotatividade desses astutos se entremearem em todos os governos. Muitos deles já se cotam nos noticiários ou nas sondagens dos boatos como titulares de cargos nos escalões do futuro governo de Goiás. Se isto se confirmar na solenidade de transmissão no Palácio das Esmeraldas, só restará uma alternativa honrosa para o futuro governador de Goiás. Ronaldo Caiado renunciar na posse.
A VIDA é feita de amanhãs. Existem muitas formas de boemia que embriagam de poder. Convido o Ronaldo Caiado para a minha boemia. Beber sonhos.
BATISTA
CUSTÓDIO