No último dia 19 de novembro, uma unidade da rede de hipermercados Carrefour, localizada em Porto Alegre, foi cenário de mais um caso de violência envolvendo uma pessoa negra. Na ocasião, João Alberto Silveira Freitas, foi espancado até a morte por dois seguranças em serviço.
A empresa é alvo de acusações por adotar um comportamento considerado racista em razão deste e de outros episódios semelhantes ocorridos anteriormente.
Para o advogado criminalista Fernando Tadeu, o racismo estrutural é uma realidade que precisa ser radicalmente mudada no Brasil. "O fato de a legislação de um país prever um determinado comportamento como típico, por si só não inibe a sua prática", diz.
De acordo com ele, a rede Carrefour tem responsabilidade sobre seus subordinados, empregados ou terceirizados e também deve responder pelo caso. Fernando também destaca que mesmo com antecedentes criminais, nada justifica a forma violenta com que a vítima foi tratada.
Relembre outros casos de racismo e violência
Em 2009, funcionários de uma unidade da empresa em Osasco espancaram Januário Alves de Santana sob a alegação de que ele estava tentando roubar um carro. No entanto, o veículo pertencia ao próprio Januário, um homem negro.
Posteriormente, no ano de 2018, Luís Carlos Gomes, também homem negro, deficiente físico, foi espancado no banheiro de uma loja Carrefour em São Bernardo do Campo. Desta vez, a acusação era de que ele abriu uma lata de cerveja dentro da unidade.
O caso mais recente, aconteceu na véspera do Dia da Consciência Negra, com a morte de João Alberto Silveira Freitas. Ele foi acusado pelos agressores de discutir e gritar com uma funcionária. Além destes casos envolvendo clientes, que têm em comum a cor da pele, o histórico da rede possui outros exemplos de uma conduta misantrópica.
Neste ano, em agosto, um colaborador terceirizado morreu em um dos corredores de uma loja da rede em Recife e para não fechar as portas, o cadáver foi coberto por alguns guarda-chuvas abertos. O atendimento seguiu ‘normalmente’.
Há também uma acusação de que uma mulher negra, lésbica, pobre e dependente química, teria sido presa por suspostamente furtar alimentos em uma filial do Carrefour no Rio de Janeiro. Segundo as informações, ela foi espancada e estuprada por funcionários do supermercado.
Além dos casos em território brasileiro, há um episódio envolvendo a rede francesa, que teria ocorrido entre 2017 e 2018. De acordo com portal Brasil de Fato, a juíza Cristina Cordeiro, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), resolveu tornar o caso público.
O papel da sociedade e do Poder Público
O DM consultou o advogado criminalista Fernando Tadeu Marques, que é Doutorando e Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor de Direito e Processo Penal na PUC/Campinas e no MeuCurso, para carreiras jurídicas, que tirou algumas dúvidas sobre o assunto.
DM - Se crimes como a injúria, preconceito racial ou discriminação já estão previstos em lei, a quê razões podemos atribuir o crescimento destes?
Fernando - O fato de a legislação de um país prever um determinado comportamento como típico, por si só não inibe a sua prática, veja, ninguém observa a quantidade de pena ou como ela seria aplicada antes de efetivar a prática delitiva. Assim, além de uma pena justa, capaz de fazer o sujeito pensar no que pode eventualmente sofre, o que é preciso é que ela (a pena) seja efetiva, seja uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa.
DM - Um episódio como este, às vésperas do Dia da Consciência Negra mostra uma sociedade leniente e cúmplice com a violência sistêmica que se abate sobre os negros?
Fernando - Sim, o racismo estrutural é uma realidade que precisa ser radicalmente mudada, mas isso é cultural, e infelizmente leva tempo. Salvo engano a vítima neste caso tinha antecedentes criminais, mas destaco, isso por si só não legitima a forma violenta com que foi tratada.
DM - Neste ano, outras ocorrências de racismo, injúrias e agressões contra negros se tornaram públicas e ganharam comoção no país e no mundo, inclusive com movimentos como #vidasnegrasimportam. Essa exposição seria uma forma de cobrança para que essa parcela da população seja melhor assistida pela Justiça?
Fernando - Sim. Creio que os protestos sejam uma de cobrança para com o Poder Público, e de certa forma de toda a sociedade que tem uma boa parcela atuando com certa indiferença.
DM - Quais as implicações do caso para a rede, que atribuiu a agressão aos seguranças terceirizados? Neste caso, há algum tipo de responsabilização que possa ser aplicada à rede?
Fernando - Sim, a rede tem responsabilidade sobre seus subordinados, empregados ou ainda que terceirizados respondem civilmente, o que pode gerar indenização aos familiares.
DM - Qual tipo de medida que deveria ter sido adotada pela empresa para evitar que os episódios de agressão se repetissem?
Fernando - As empresas precisam treinar melhor os seus prestadores de serviços, sobretudo aqueles que mantem contato diário com o público.
DM - A Brigada Militar afirmou que um dos envolvidos era um PM temporário, as atribuições para o cargo não são restritas? O que diz a legislação a respeito?
Fernando - Assunto polêmico tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a Constituição Federal veda o acúmulo de cargos.
O Decreto lei 8777/1983 fala da exclusividade da Carreira: Art. 16 - A carreira policial-militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Polícias Militares, denominada "Atividade Policial-Militar."
DM - A Brigada fez questão de ressaltar que o agente não estava em serviço, mas é licito que ele trabalhe como segurança de uma empresa privada?
Fernando - Nos termos da Constituição Federal, há vedação de acumulação de cargo aos funcionários públicos, contudo insta esclarecer que o assunto é polêmico uma vez que não há lei específica que versa sobre o assunto. Para a Corregedoria o ato de fazer bico é ilegal. Nesse sentido, não é pacífico o entendimento. Tanto que o TST, em algumas hipóteses tem reconhecido o vínculo empregatício de PMs que exercem essas atividades.