“Por que Deus permite/Que as mães vão-se embora?/Mãe não tem limite/É tempo sem hora/Luz que não apaga/Quando sopra o vento..." Inspirada no poema “Para Sempre”, de Carlos Drummond de Andrade, que fala da grande importância das mães nas nossas vidas, a juíza Coraci Pereira da Silva, da 2ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Rio Verde, condenou um filho e duas de três filhas de uma idosa, de 91 anos, a prestar alimentos a mãe que se encontra enferma.
A juíza determinou que as duas filhas paguem o equivalente a 40% do salário-mínimo mensal vigente, sendo a metade para cada uma delas, com vencimento até o 10º dia de cada mês, devidos a partir do trânsito em julgado desta sentença. Quanto ao filho, foi homologado o acordo firmado com sua mãe, de manter o seu plano de saúde, continuar pagando uma cuidadora para ela de segunda-feira a sábado, bem como se responsabilizou pelos cuidados com a idosa durante a noite.
No que concerne à terceira filha, de 69 anos, não coube nenhum encargo alimentar, tendo em vista a sua incapacidade financeira de arcar com os alimentos. Ela sobrevive com benefício decorrente da aposentadoria por invalidez, no valor de R$ 807,00, e, além disso, possui problemas de visão e diabetes, doenças que exigem uso contínuo de medicamentos.
Na ação, a idosa pleiteou a fixação de alimentos definitivos no patamar de 80% do salário-mínimo vigente, sendo 20% a ser pago por cada filho. Alegou ser cadeirante, possuir dificuldades de locomoção e que sua única renda é o benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), no valor de R$ 998,00, afirmando, ainda, que possui mensalmente elevados gastos com remédios, totalizando o montante de R$ 632,92. Também sustentou que necessita de cuidados especiais e contínuos, bem como o auxílio de terceiros para todas as necessidades básicas relacionadas à higiene, alimentação e para o simples andar, tendo em vista a sua condição de cadeirante.
Mãe não morre nunca
Refletindo sobre a estrofe do mencionado poema “Fosse eu rei do mundo baixava uma lei: mãe não morre nunca; mãe ficará sempre; junto de seu filho (…)”, a juíza pontuou que conclui-se que as mães não medem esforços para atender as necessidades do filho e se preciso for enfrenta qualquer obstáculo, para protegê-lo com amor e carinho. “Quanto aos filhos, não obstante a maioria corresponde ao amor maternal, retribuindo o carinho e atenção recebida da mãe, alguns deixam de demonstrar gratidão e, para amparar os pais na velhice e na enfermidade, precisa de imposição e não raro, cumprir seu papel com indiferença e de fora apática”.
A juíza Coraci Pereira da Silva observou que a obrigação dos filhos de prestar auxílio aos pais está assegurada pelo art. 229, da Constituição Federal (CF), que preceitua que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Para ela, o dever de sustento encontra guarida nos laços de parentesco, “portanto, a autora está acolhida pelo dever de sustento em virtude da relação de parentesco, razão pela qual o dever dos filhos de prestar alimentos a mãe, é medida que se impõe, pois além de ser uma obrigação moral, está embasada no princípio da solidariedade, garantido expressamente no artigo 230, da CF: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Ao final, a juíza ponderou que a fixação do valor e da forma da prestação de alimentos, ainda que pela reciprocidade e solidariedade, tem por fundamento o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade, devendo o juiz investigar todos os aspectos para chegar ao resultado mais justo ao caso. A magistrada ainda cita outra estrofe do poema “Para Sempre”, de Carlos Drummond de Andrade, no final de sua decisão: “(...)Mãe, na sua graça/É eternidade/Por que Deus se lembra/- Mistério profundo -/De tirá-la um dia? (...) (Texto: Lílian de França – Centro de Comunicação Social do TJGO)
SENTENÇA
“Por que Deus permite Que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite É tempo sem hora Luz que não apaga Quando sopra o vento E chuva desaba Veludo escondido Na pele enrugada Água pura, ar puro Puro pensamento Morrer acontece Com o que é breve e passa Sem deixar vestígio Mãe, na sua graça É eternidade Por que Deus se lembra - Mistério profundo - De tirá-la um dia? Fosse eu rei do mundo Baixava uma lei: Mãe não morre nunca Mãe ficará sempre Junto de seu filho E ele, velho embora Será pequenino Feito grão de milho. ” ( Para Sempre - Carlos Drummond de Andrade)
Inspirada na letra do poema acima que analiso a ação de alimentos, proposta por yyyyyyyyy em face de XXXXXXXXXXXX, todos qualificados na inicial.
Narra a inicial que a requerente é mãe de todos os requeridos; assevera que sua única fonte de renda é o benefício LOAS, no valor de R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais), com o qual paga das despesas com alimentação, materiais essenciais para sua subsistência e os gastos excessivos com remédios.
A inicial veio instruída com os documentos acostados em movimentação processual nº 01 e foi recebida na decisão de mov. 04, oportunidade em que foram fixados alimentos provisórios no patamar equivalente a 80% (oitenta por cento) do salário-mínimo vigente, sendo 20% (vinte por cento) do salário-mínimo vigente a ser pago por cada requerido. Ao final, foi designada audiência de conciliação e determinada a citação dos requeridos.
Os requeridos foram citados, conforme certidões de mov. 17, 33, 35.
O requerido XXXXXXX constituiu advogada e compareceu espontaneamente no feito (mov. 22).
A requerida XXXXXXX apresentou contestação em mov. 37, oportunidade em Comarca de Rio Verde Estado de Goiás que alegou, em síntese, que não possui condições de fornecer alimentos para sua genitora pois já é idosa e sobrevive do benefício de sua aposentadoria por invalidez, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), além disso, possui graves problemas de visão e diabética. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial, em relação a ela.
A contestação foi instruída com os documentos de mov. 37.
A tentativa de conciliação restou infrutífera, conforme termo inserido em mov. 40.
Na sequência, o requerido XXXXXXX manifestou pelo prosseguimento do feito, informando que não possuía interesse de contestar os pedidos formulados na petição inicial (mov. 41).
Em decisão de mov. 44 foi saneado o feito e determinada a intimação das partes para, no prazo de 5 (cinco) dias, manifestar interesse em dilação probatória.
A parte autora manifestou interesse na produção de prova oral (mov. 48).
O requerido XXXXXXX requereu a concessão de prazo para juntar aos autos documentos comprobatórios das despesas da autora (mov. 49).
O Ministério Público requereu o prosseguimento do feito (mov. 52).
Em audiência de instrução e julgamento, o requerido XXXXXXX entabulou acordo com a parte autora, se comprometendo a manter a autora no plano de saúde, continuar pagando uma cuidadora para a mãe de segunda-feira até sábado, bem como se responsabilizou pelos cuidados com a mãe durante a noite. Na oportunidade, não houve acordo quanto a requerida XXXXXXX e foi constatada a ausência das requeridas XXXXXXX e XXXXXXX.
Ao final, os debates orais foram convertidos em razões finais escritas e foi declarada encerrada a fase de instrução (mov. 66).
A requerida XXXXXXX apresentou alegações finais, pugnando pela procedência dos pedidos formulados na petição inicial (mov. 69).
A requerida XXXXXXX apresentou razões finais, alegando, em síntese, que não possui condições financeiras para arcar com alimentos em favor da genitora. Com as razões finais, foram inseridos os documentos de mov. 70.
É o relatório. Decido.
Analisando com perspicácia o processo, verifico a presença efetiva dos pressupostos de constituição e desenvolvimento regular do processo, bem como, a caracterização das imprescindíveis condições da ação, não existindo vícios materiais passíveis de arguição, estando manifesta a regularidade procedimental.
Dos alimentos:
Refletindo sobre a estrofe do poema “(…) Fosse eu rei do mundo Baixava uma lei: Mãe não morre nunca; Mãe ficará sempre; Junto de seu filho (...)” conclui-se que as mães não medem esforços para atender as necessidades do filho e se preciso for enfrenta qualquer obstáculo, para protegê-lo com amor e carinho.
Quanto aos filhos, não obstante a maioria corresponder ao amor maternal retribuindo o carinho e atenção recebida da mãe, alguns deixam de demonstrar gratidão e para amparar os pais na velhice e na enfermidade precisa de imposição e não raro, cumpri seu papel com indiferença e de forma apática.
No caso em análise, em que a mãe busca o amparo por parte dos quatro filhos que saíram de seu ventre, observo que a relação de parentesco entre eles está comprovada através dos documentos colacionados aos autos. Daí, nasce o dever de cuidados e dever moral de honrar a mãe.
É cediço que existem duas modalidades de alimentos previstas no ordenamento jurídico, quais sejam, a que deriva do dever de criar, que é a essência do poder familiar e função precípua dos pais, e a decorrente do dever de solidariedade, advinda das relações de parentesco.
Os alimentos que derivam das relações de parentesco, são prestados para satisfazer as necessidades vitais da pessoa, cujo objetivo é a manutenção de sua dignidade: alimentação, a saúde, a moradia e a educação.
Na regra fundamental do artigo 1.694 do Código Civil de 2002, disciplinase:“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Assim, a previsão da prestação alimentar àqueles que dela necessitem está amparada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, de forma que cada membro componente de um determinado grupo familiar tem a obrigação de colaborar para que os outros membros da família obtenham o mínimo necessário para o seu completo desenvolvimento biopsíquico, conforme lição de Roberto Senise Lisboa.
A respeito do princípio da solidariedade familiar, Rolf Madaleno assevera que:
“A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário.” (Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. 3 ed. RT: Forense, 2009.2009, p. 63).
A respeito da possibilidade de fixação de alimentos a serem pagos pelos filhos, em favor da mãe, o artigo 1.696 disciplina que:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Nesse sentido, Milton Paulo de Carvalho Filho leciona que:
“O direito a alimentos pode ser cobrado pelos filhos dos pais e pelos pais dos filhos. O dever entre eles é, portanto, recíproco. Entre ascendentes e descendentes há reciprocidade da obrigação alimentar. Desse modo, o genitor pode reclamar alimentos do filho, desde que provada a necessidade do que pleiteia e a possibilidade econômica do demandado. A obrigação alimentar abrange tanto o parentesco consanguíneo como o civil. (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência/Milton Paulo de Carvalho Filho e outros, coordenador Cezar Peluso. – 12. Ed. ver e atual, Barueri [SP]: Manolee, 2018, pg. 1892”.
De suma importância ressaltar que a obrigação dos filhos de prestar auxílio aos pais, está assegurada pelo artigo 229, da Constituição Federal que preceitua, in verbis:
Art. 229. "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
Portanto, o princípio da solidariedade familiar constitui regra matriz das relações de família, pela qual resta estabelecido em relação aos filhos a garantia de ser cuidado, mantido, instruído e educado para a sua plena formação social, até que possua meios de subsistência, da mesma forma que é garantido aos pais, o direito de receber alimentos, quando eles não mais dispõem de meios para garantir a sua sobrevivência.
Nesse desiderato, Rolf Madaleno afirma que:
“A sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana e o crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à subsistência de quem não consegue por si só prover sua manutenção pessoal, em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de trabalho. Os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever de amparo dos parentes, uns em relação aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles em situação social e econômica desfavorável [...] Os alimentos são destinados a satisfazer as necessidades materiais de subsistência, vestuário, habitação, e assistência na enfermidade, e também para responder às requisições de índole moral e cultural, devendo as prestações atender à condição social e o estilo de vida do alimentando, assim como a capacidade econômica do alimentante, e, portanto, amparar uma assistência familiar integral. (Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. 3 ed. RT: Forense, 2009.2009)
O dever de sustento encontra guarida nos laços de parentesco, portanto, a autora está acolhida pelo dever de sustento em virtude da relação de parentesco, razão pela qual o dever dos filhos de prestar alimentos a mãe, é medida que se impõe, pois além de ser uma obrigação moral está embasada no princípio da solidariedade, garantido expressamente no artigo 230 da Constituição Federal, nos seguintes termos:
“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. ”
Nesse sentido, vem decidindo os Tribunais em casos análogos, nos moldes do julgado que transcrevo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM COMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO LIMINAR. INSURGÊNCIA EM FACE DA DECISÃO QUE DEFERIU TUTELA DE URGÊNCIA DETERMINANDO QUE OS FILHOS PROMOVESSEM CONJUNTAMENTE, O ACOLHIMENTO DE SEU GENITOR EM INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA PARA IDOSOS. DEVER DA FAMÍLIA EM AMPARAR SEUS IDOSOS. ARTIGO 230 DA CFR/1988. A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS É RECÍPROCA ENTRE PAIS E FILHOS. DA MESMA FORMA QUE É DEVER DOS PAIS AMPARAR OS FILHOS, QUANDO NECESSITADOS, É DEVER DOS FILHOS CUIDAR DOS PAIS, QUANDO ESTES JÁ NÃO DISPÕEM DE CONDIÇÕES PARA, COM SUAS PRÓPRIAS FORÇAS, GARANTIR SEU SUSTENTO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. “(TJPR - 4ª C.Cível - 0018541- 65.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes - J. 16.07.2020)
Quanto ao valor dos alimentos, necessário, no caso, analisar de forma minuciosa as necessidades da parte autora e a capacidade financeira dos requeridos, de suportarem com o encargo alimentar.
No caso em análise, verifico que a parte autora pleiteou a fixação de alimentos definitivos no patamar equivalente a 80% (oitenta por cento) do salário-mínimo vigente, sendo arcado por cada filho o valor correspondente a 20% (vinte por cento) do salário mínimo vigente.
Na petição inicial, aduz que é cadeirante, possui dificuldades de locomoção e sobrevive com o auxílio no valor de R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais). Todavia, mensalmente, possui elevados gastos com remédios, totalizando o montante de R$ 632,92 (seiscentos e trinta e dois reais e noventa e dois centavos).
Da requerida XXXXXXX, sabe-se que já possui 69 (sessenta e nove) anos de idade, sobrevive com benefício decorrente da aposentadoria, no valor de R$ 807,00 (oitocentos e sete reais) e, além disso, é acometida por doenças que exigem o uso contínuo de medicamentos.
Da requerida XXXXXXX, extrai-se que não há óbices quanto a pretensão de alimentos requerida pela autora, uma vez que, conforme razões finais inseridas em mov. 69, pugnou pela procedência dos pedidos formulados na petição inicial.
No tocante a requerida XXXXXXX, infere-se que apesar de devidamente citada, quedou-se inerte.
Quanto ao requerido XXXXXXX, extrai-se que em sede de audiência de instrução e julgamento, houve a realização de acordo, no qual restou estabelecida a sua obrigação de manter a mãe no plano de saúde, dispender os cuidados necessários durante a noite e de efetuar o pagamento da cuidadora que realiza os cuidados da autora de segunda-feira até sábado.
Portanto, no que tange às necessidades da parte autora, que atualmente conta com 91 (noventa e um) anos de idade, necessita de cuidados especiais e contínuos, bem como de auxílio de terceiros para todas as necessidades básicas relacionadas à higiene, alimentação e para o simples andar, tendo em vista que é cadeirante, é evidente que são presumidas, uma vez que não dispõe de meios para sua mantença.
Em que pese a mãe receber aposentadoria no valor correspondente a 01 (um) salário mínimo, que não se mostra suficiente para o atendimento de suas necessidades básicas, mormente considerando os inúmeros medicamentos e acompanhamentos médicos indispensáveis para sua sobrevivência, é de se presumir que tenha uma necessidade especial ou qualificada de alimentos.
A fixação do valor e da forma da prestação de alimentos, ainda que pela reciprocidade e solidariedade, tem por fundamento o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade, devendo o juiz investigar todos esses aspectos para chegar ao resultado mais justo ao caso.
Sobre o assunto, é entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vejamos:
ALIMENTOS. PEDIDO DA MÃE AO FILHO. CABIMENTO. FIXAÇÃO PROVISÓRIA. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.694, § 1º e 1.697 DO CC. 1. Cabível a fixação de alimentos em favor da genitora enferma e que está carente de recursos financeiros. 2. Sendo a obrigação dos filhos divisível, cada um deve contribuir dentro de suas possibilidades financeiras, atendendo-se ao binômio possibilidade-necessidade, e considerando que são três filhos, sendo que uma das filhas igualmente enfrenta problemas de saúde e a outra filha, que é curadora da mãe presta alimentos in natura, cabe ao recorrente alcançar alimentos in pecúnia. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70077427862, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 20/06/2018).negritei.
In casu, a autora comprovou nos autos que necessita dos alimentos para prover o próprio sustento.
No que se refere à possibilidade da requerida, XXXXXXX, em prestar os alimentos, constata-se que não há nos autos nenhum elemento de seus rendimentos, a fim de viabilizar a mensuração deste vetor. Embora a requerida seja revel, extrai-se que ela não produziu provas a respeito de sua capacidade financeira, desatendendo ao dever de colaborar com a justiça. Por outro lado, a autora demonstrou a possibilidade da filha em arcar com os alimentos no patamar pleiteado.
No que diz respeito a requerida XXXXXXX, infere-se que restou demonstrado, de forma inconteste, que ela enfrenta uma situação de grande carência financeira, uma vez que já é pessoa idosa, recebe mensalmente o ínfimo valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta) reais e possui inúmeros gastos com medicamentos, em decorrência da cegueira e diabetes que lhe acometem, razão pela qual o acolhimento do pedido formulado na contestação, é medida que se impõe.
Importante ressaltar proporcionalidade é o vetor que leva o juiz a equilibrar razoavelmente a mediação entre a necessidade e a possibilidade, dando preferência a um ou outro diante do caso concreto que lhe é trazido a julgamento.
A respeito da possibilidade de se regulamentar alimentos em favor da mãe em razão do dever de mútua assistência, o Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, decidiu que:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA. ENCARGO FIXADO EM DESFAVOR DO NETO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR. EMBARGOS ACOLHIDOS. 1. Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil/2015, os Embargos de Declaração se destinam à busca do aperfeiçoamento do ato judicial viciado por obscuridade, contradição, omissão, ou erro material, sobre o qual deva pronunciar-se o competente órgão julgador. 2. É dever dos descendentes cuidar dos ascendentes, quando estes já não dispõem de condições para, com suas próprias forças, garantir seu sustento. 3. Embargos de Declaração Acolhido com efeito modificativo, no sentido de desprover o Agravo de Instrumento, mantendo a decisão liminar da instância singela que arbitrou alimentos provisórios arbitrados em desfavor do Agravante, ora Embargado. (TJGO, Agravo de Instrumento ( CPC ) 5273523-52.2020.8.09.0000, Rel. Des(a). GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, 5ª Câmara Cível, julgado em 18/12/2020, DJe de 18/12/2020). negritei.
Ainda, é entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR ASCENDENTE CONTRA DESCENDENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE E DE MÚTUA ASSISTÊNCIA ENTRE OS FAMILIARES. Deixa-se de acolher a preliminar arguida pelo Ministério Público acerca da necessidade de anulação dos atos até aqui praticados, visto que, por ora, os laudos médicos dos autores, embora indiquem que estes necessitam de cuidados diários, não consignam a incapacidade para os atos da vida civil. Destaca-se, ademais, que a curadoria especial é função institucional da Defensoria Pública que está assistindo aos interesses dos autores, não se verificando quaisquer prejuízos a estes até o presente momento. Certamente que, em constatada no decorrer do feito a incapacidade para os atos da vida da civil de um ou ambos os autores, deverão ser procedidas as diligências cabíveis, no juízo de origem. Precedentes da Corte. Dos alimentos. Os alimentos são cabíveis porque calcados na solidariedade existente entre os ascendentes e descendentes, principalmente quando demonstrado que os alimentandos são idosos, percebendo modesta renda proveniente de aposentadoria e demandam inúmeras despesas médicas. Hipótese em que o agravante comprovou a impossibilidade de cumprir com a obrigação no montante fixado no juízo de origem, devendo ser reduzidos os alimentos provisórios fixados. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS - AI: 70082976275 RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Data de Julgamento: 28/05/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2020). Negritei.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. DESCENDENTE EM FAVOR DA ASCENDENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE ENTRE OS FAMILIARES. Cabíveis os alimentos, em face da assistência mútua existente entre os ascendentes e descendentes, mormente quando demonstrado que a alimentanda é idosa, doente, percebendo renda proveniente de benefício previdenciário, e necessitando de complementação para a sobrevivência digna. Contudo, diante da parca possibilidade do apelante, os alimentos são fixados moderadamente. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70081566168, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 26-06-2019).
APELAÇÃO. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR ASCENDENTE CONTRA DESCENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE E DE MÚTUA ASSISTÊNCIA ENTRE OS FAMILIARES. Os alimentos são cabíveis porque calcados na solidariedade existente entre os ascendentes e descendentes, principalmente quando demonstrado que a alimentanda é idosa, percebendo modesta renda proveniente de aposentadoria e demanda inúmeras despesas médicas. Hipótese em que a apelante não se desincumbiu de comprovar a impossibilidade de cumprir com a obrigação, ônus que lhe cabia, conforme dispõe a conclusão n. 37 do Centro de Estudos desta Corte. Apelação desprovida. (TJ-RS-AC: 70083271635, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Data de Julgamento: 11/12/2019). Negritei.
Desse modo, entendo que é necessário sopesar a possibilidade dos alimentantes e as necessidades da alimentada, como já mencionado alhures, de forma a estabelecer um equilíbrio justo e permitir que a autora possua condições mínimas para sua sobrevivência, de forma digna.
Assim, tenho que os alimentos definitivos devem ser fixados no montante equivalente a 40% (quarenta por cento) do salário-mínimo vigente, sendo 20% (vinte por cento) para a requerida XXXXXXX e 20% (vinte por cento) para a requerida XXXXXXX, o qual afigura-se razoável para manutenção da autora, somados à responsabilidade assumida pelo requerido XXXXXXX em manter a autora no plano de saúde, realizar os cuidados necessários com a mãe durante o período noturno, bem como em arcar com os gastos necessários para que uma cuidadora fique com a mãe de segunda-feira até sábado.
No que concerne à requerida XXXXXXX, como já mencionado em linhas volvidas, não é cabível a fixação de encargo alimentar, tendo em vista a sua incapacidade financeira de arcar com os alimentos. Cabe ressaltar que os alimentos provisórios são devidos até a data desta sentença.
Em face ao exposto e com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão da autora quanto aos pedidos iniciais deduzidos nos autos e:
a) DETERMINO que as requeridas, XXXXXXX, a preste alimentos a mãe, yyyyyyyy, no importe equivalente a 40% (quarenta por cento) do salário-mínimo mensal vigente, sendo o valor correspondente a 20% (vinte por cento) do salário-mínimo vigente para cada uma das requeridas, com vencimento até o dia 10 de cada mês, devidos a partir do trânsito em julgado desta sentença.
b) HOMOLOGO o acordo firmado entre a parte autora e o requerido XXXXXXX (mov. nº 66), o qual passa a fazer parte integrante desta sentença, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um. Todavia, suspendo a exigibilidade do pagamento por até 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, uma vez que foram concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita à autora, o qual estendo aos requeridos XXXXXXX e, nesta oportunidade. Cada parte arcará com os honorários de seu procurador constituído
Arbitro honorários advocatícios em favor da advogada da autora, no importe de 03 UHD's, nos termos da Portaria 293/2003 da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, e determino a expedição das respectivas certidões.
Aproveitando o ensejo, diante da aproximação do início do mês de maio – mês das mães – deixo para reflexão parte do poema de Drummond:
“(...)Mãe, na sua graça É eternidade Por que Deus se lembra - Mistério profundo - De tirá-la um dia? (…).
Publique-se. Registre. Intimem-se. Notifique-se o Ministério Público.
Transitada em julgado a sentença, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Rio Verde-GO, data da assinatura digital.
Coraci Pereira da Silva
Juíza de Direito