
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), destinou aproximadamente R$ 15 milhões em emendas parlamentares a um programa realizado por uma ONG com laços com um de seus principais assessores.
A verba foi aplicada no programa Mais Visão, criado por Alcolumbre em 2019 e gerido pelo Governo do Amapá. O projeto foi amplamente divulgado em seu material de campanha durante as eleições para o Senado, em 2022.
A ONG escolhida pelo Governo do Amapá para executar o programa foi a Capuchinhos (Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate), em Macapá, que tem como coordenadora Maria Ivanete Campos Mendes, há pelo menos oito anos.
Ela é mãe de Pedro Jorge Delgado, que é apresentado como filho por Jardel Adailton Souza Nunes, assessor de Alcolumbre desde fevereiro de 2019 e chefe de gabinete do senador no Amapá. Nunes recebe um salário de R$ 29,4 mil, conforme informações do Senado.
Alcolumbre negou qualquer conflito de interesse e destacou que se orgulha de ter trabalhado para garantir os recursos destinados à implementação do programa. Jardel Nunes não se pronunciou.
Na página de Nunes no Instagram, é possível ver imagens de ações de Alcolumbre, projetos da Capuchinhos e publicações com referências a Pedro Jorge em datas comemorativas. "Hoje este jovem bonito igual o pai está dando mais uma volta em torno do sol. Papai do céu continue lhe abençoando meu filho e lhe mantendo firme nos seus propósitos. Papai lhe ama e lhe deseja muita saúde, paz e felicidade", escreveu o assessor de Alcolumbre em uma postagem de setembro de 2024.
Nunes e Maria Ivanete também aparecem juntos em uma foto publicada por Pedro Jorge nas redes sociais, acompanhada pela legenda: "eu, pai e mãe". Outras imagens mostram o trio em celebrações familiares, como o Dia dos Pais.
Jardel Nunes foi secretário de Saúde do Amapá em 2014 e, desde 2021, responde a um processo por improbidade administrativa na Justiça Federal do Amapá, movido pelo Ministério Público Federal (MPF) no estado. Ele é acusado de autorizar pagamentos por obras não realizadas em um hospital estadual, com recursos do Ministério da Saúde, resultando em um dano de R$ 3,8 milhões.
O programa Mais Visão, que oferece tratamento oftalmológico à população do Amapá, foi viabilizado por Alcolumbre em 2019, com emenda parlamentar para sua implantação. O presidente do Senado afirma, em seu site, que participou da elaboração do projeto e destinou "recursos superiores a R$ 15 milhões" em emendas parlamentares nos anos de 2019 e 2020.
O programa foi suspenso em 2023 a pedido do Ministério Público do Amapá, após pacientes perderem a visão devido a infecções adquiridas em um mutirão de cirurgias, quando mais de cem pessoas sofreram complicações. Atualmente, a Promotoria da Saúde acompanha a execução do projeto.
Maria Ivanete é responsável por assinar documentos como coordenadora administrativa da Capuchinhos. Ela também se apresenta sob esse cargo nas redes sociais.
Certidões da entidade mostram que, até agosto de 2023, sua atividade principal estava registrada como "organização religiosa ou filosófica". Em agosto de 2023, quatro anos após a implementação do Mais Visão, o cadastro foi alterado para "atividade médica ambulatorial com recursos para a realização de produtos cirúrgicos".
Em outubro de 2024, o MPF abriu um inquérito civil para investigar possíveis irregularidades na contratação da Capuchinhos e na subcontratação de empresas responsáveis pela execução do Mais Visão. O MPF apura suspeitas de improbidade administrativa na terceirização dos serviços e na intermediação do contrato, uma vez que a Capuchinhos subcontratou a empresa Saúde Link para atender os pacientes. O procedimento menciona a "aparente utilização de recursos oriundos de emendas parlamentares".
Presidente do Senado nega conflito ou impropriedade na contratação
Por meio de sua assessoria de imprensa, Alcolumbre disse que "recebe com surpresa os questionamentos sobre a vida particular de um assessor e a tentativa de envolver seu nome em situações pessoais de terceiros, com as quais ele não tem nenhum envolvimento". Ele também afirmou que "não existe conflito no fato de uma pessoa, entre tantas outras presentes nos quadros da ONG, ter se relacionado há décadas com o assessor parlamentar, cujo único vínculo atual é o filho em comum".
O presidente do Senado declarou ainda que se orgulha de ter trabalhado para garantir os recursos para o programa Mais Visão, que é executado pelo Governo do Amapá, responsável pela escolha da ONG. "O centro já atendeu com sucesso a milhares de amapaenses", afirmou.
A Secretaria de Comunicação do Governo do Amapá disse que a contratação da ONG foi devido aos serviços prestados pela entidade, que chancelam a relação com o Executivo, "sem nenhuma outra influência de qualquer tipo".
A ONG, por sua vez, explicou que as contratações feitas no âmbito do termo de fomento não exigem concorrência pública e que "o que se espera do contrato é que os preços praticados sejam de mercado" e que "os serviços e atividades contratadas sejam efetiva e comprovadamente executados". A entidade também afirmou que não terceirizou os serviços e atividades previstas no contrato.
Em relação à Maria Ivanete, a ONG esclareceu que ela é integrante do corpo de associados e da diretoria da instituição, que se relaciona profissionalmente com entidades públicas e privadas dentro dos limites legais e das suas funções em nome da organização. Maria Ivanete declarou que não tem qualquer relação com o gabinete de Alcolumbre. Ela afirmou que pertence à Capuchinhos desde os anos 2000 e "se relaciona de forma republicana com todos os entes". Também afirmou que não teve participação nas decisões que levaram à escolha da ONG para o programa.
"Fomos chamados a executar o programa por pactuarmos com o estado há mais de 20 anos em projetos na área da saúde", disse Maria Ivanete. Jardel Nunes não respondeu aos contatos feitos por telefone, e-mail e por meio da assessoria de Alcolumbre ao longo de duas semanas.