Às vésperas do segundo turno das eleições, surge um áudio nas redes sociais em que um dos candidatos defende a brutalidade policial. Após impactar milhares de eleitores, o conteúdo é removido por ser identificado como uma gravação falsa gerada por inteligência artificial (IA). O caso deste ano marcou a disputa pelo comando de Chicago, a terceira cidade mais populosa dos Estados Unidos, mas poderia ser em qualquer outro país democrático.
Especialistas e marqueteiros admitem que as eleições municipais no Brasil ano que vem vão usar e, principalmente, abusar da tecnologia.
Embora a IA possa gerar desinformação, ela também tem usos positivos. De acordo com publicitários que atuam nas campanhas eleitorais, essa tecnologia tende a tornar a comunicação mais ágil e eficiente, estreitando os canais entre políticos e eleitores. Ciente de que nem sempre é o lado bom da tecnologia que será aplicado, a Justiça Eleitoral trabalha para regulamentar a aplicação no pleito municipal do ano que vem, conforme apurou o Estadão.
O ministro Floriano Azevedo Marques Neto, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), adverte que uma das principais preocupações da Corte em relação ao uso de inteligência artificial é a criação de imagens e áudios falsos, prática conhecida como deepfake. Essa tecnologia permite a produção de vídeos fraudulentos, nos quais pessoas são retratadas realizando ações que nunca ocorreram. Além disso, é possível criar fotos de situações fictícias e até mesmo replicar a voz de alguém para proferir palavras que nunca foram ditas.
Argentina
A eleição recente na Argentina é considerada a primeira da era da IA. Durante o pleito, a tecnologia foi utilizada tanto para gerar conteúdo favorável aos candidatos como para atacá-los. Apoiadores do presidente eleito Javier Milei, por exemplo, criaram um vídeo falso em que o candidato derrotado Sergio Massa aparece cheirando cocaína. A gravação, que viralizou nas redes sociais faltando poucos dias para o pleito, foi editada para inserir o rosto de Massa em uma filmagem antiga que mostra um homem não identificado consumindo a substância. Milei também foi alvo de ataques do gênero.
IA inaugura era das fakes news 2.0
Segundo o ministro Floriano de Azevedo Marques, a utilização de deepfakes para disseminar informações falsas pode ser considerada como uma espécie de “fake news 2.0″. “Essa é uma preocupação grande que, na perspectiva da propaganda eleitoral, receberá uma atenção bastante especial”, disse ao Estadão.
Ele esclareceu ainda que a IA, como toda tecnologia inovadora, gera um desafio macro para a Justiça Eleitoral: antecipar eventuais problemas que o uso indiscriminado dessa nova ferramenta pode trazer para as eleições.
Floriano de Azevedo Marques relatou ainda que, sob a orientação do presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, a Escola Judiciária Eleitoral da Corte realiza pesquisas sobre a regulamentação das deepfakes. “Provavelmente, desse mundo resultará contribuições que podem - não estou falando que vão - ser traduzidas na resolução a ser editada ao longo do primeiro semestre do ano que vem”, afirmou.
De acordo com o professor Diogo Rais, de Direito Eleitoral e Direito Digital na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a utilização de deepfakes na criação de conteúdo enganoso marca uma evolução no fenômeno das fake news. Isso se deve não apenas à capacidade de produzir informações falsas com maior rapidez, mas também à significativa melhoria na qualidade dessas produções, a ponto de ser praticamente impossível para o olho humano detectar a manipulação realizada por um sistema computacional.