
A fala do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ao afirmar ao delator Mauro Cid que ele seria preso e seus familiares investigados caso não falasse a verdade, gerou discussões sobre a postura do magistrado e abriu espaço para questionamentos por parte da defesa e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No dia 21 de novembro de 2024, o tenente-coronel Mauro Cid compareceu à sala de audiências do STF, pressionado por um pedido da Polícia Federal e por parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) favoráveis à sua prisão, devido ao descumprimento dos termos do acordo de colaboração premiada firmado em 2023.
Moraes fez um longo preâmbulo antes de passar a palavra ao colaborador, alertando sobre a possibilidade de prisão, revogação da colaboração e continuidade de investigações contra seus parentes caso não dissesse a verdade. Cid acabou alterando sua versão sobre pontos cruciais do caso e, ao final, teve sua delação mantida, com o pedido de prisão sendo retirado.
Trechos da nova versão de Cid, que relatam uma reunião na casa do general Walter Braga Netto, foram utilizados na denúncia da Procuradoria-Geral da República apresentada na terça-feira (18).
Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo de advogados Prerrogativas, afirmou que a atitude de Moraes deve ser entendida como um alerta ao colaborador, o que, segundo ele, é comum em audiências de colaboração premiada. "Esses alertas são protocolares, acontecem em todas as audiências. Embora eu seja crítico a alguns métodos e formas de conduzir do Alexandre [de Moraes], neste caso há pessoas que estão sendo profundamente injustas ao fatiar a realidade para chegar a uma determinada conclusão. Estão construindo uma fake news", disse Carvalho.
Durante a Operação Lava Jato, na qual o uso de acordos de colaboração como base em acusações foi recorrente, advogados frequentemente criticaram a pressão exercida por autoridades sobre delatores e réus presos. O delator Marcelo Odebrecht, por exemplo, teve ações penais anuladas no ano passado após o ministro do STF Dias Toffoli entender que houve ilegalidades na condução do caso, como o uso de prisões prolongadas e ameaças a parentes.
Para o professor de Direito Penal da FGV-SP e integrante do Conselho de Prerrogativas da OAB-SP, Rogério Taffarello, a atitude de Moraes na audiência com Cid foi um excesso verbal, mas que não pode ser considerado um constrangimento ilegal. "Quanto às advertências feitas pelo ministro durante a audiência, em boa medida ele estava, com suas palavras, alertando o colaborador das consequências jurídicas de eventual colaboração infiel aos deveres de transparência e de dizer toda a verdade. É desejável que juízes sejam contidos nesse tipo de advertência, mas infelizmente nossa cultura judiciária tem admitido essa dureza no tratamento de investigados", afirmou Taffarello. "Não é, a meu ver, o ideal, o melhor jeito de conduzir uma audiência, mas não se trata de uma cena incomum no contexto judiciário criminal brasileiro, em todas as instâncias", completou.
O advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, optou por não comentar especificamente sobre as palavras de Moraes, mas afirmou que pedirá a anulação da delação. De acordo com o criminalista, a audiência de novembro com Mauro Cid não deveria ter ocorrido, uma vez que, à época, o Ministério Público já havia solicitado o cancelamento da colaboração premiada. Em entrevista ao canal GloboNews, na quarta-feira (20), Vilardi indicou que considera a conduta de Moraes passível de questionamento jurídico. "O juiz da causa pode dizer ao colaborador que, se ele não falar a verdade, ele vai ser preso e perder a imunidade para sua filha, sua mulher e seu pai?", questionou o advogado.
Mauro Cid foi preso duas vezes. Em 2023, permaneceu detido por quatro meses, saindo da prisão ao firmar o acordo de colaboração. Em março de 2024, ele foi novamente preso e passou 42 dias na cadeia depois que a revista Veja revelou áudios em que ele criticava Moraes e questionava a integridade do acordo. Em novembro, Moraes chegou a determinar que o telefone de Cid fosse grampeado, após a Polícia Federal identificar "omissões e contradições" em sua delação premiada.